Tem Base! ‘No meio, não há quem não conheça a Roberta Stopa’

Amigo da atleta de mountain bike e ex-técnico de seleção brasileira, Wolney Morais exalta profissionalismo da juiz-forana


Por Bruno Kaehler

27/09/2020 às 06h55

O episódio final da série de minidocumentários Tem Base!, gravada pela Tribuna antes da pandemia do coronavírus e apresentada nos últimos seis domingos no site, YouTube e jornal impresso, relatando, a partir de familiares e amigos, bastidores e uma visão diferente das carreiras de grandes esportistas da cidade, tinha que ser com uma das atletas mais vencedoras e disciplinadas do esporte nacional. Multicampeã sobre duas rodas, Roberta Stopa teve infância, crescimento e algumas das conquistas rememoradas pelo amigo pessoal Wolney Morais, que, além de ter participado ativamente da introdução da juiz-forana no mountain bike (MTB), conhece o esporte e suas vertentes como poucos, sendo ex-técnico da seleção brasileira de ciclismo de estrada, proprietário de uma loja da área na cidade e um contato de 27 anos com a modalidade.

“Meu relacionamento com a Roberta vem desde a escola, com 14 anos. Temos uma amizade muito forte até hoje. Ela começou no esporte brincando. Eu já corria e um dia cheguei na sala de aula e falei para ela entrar na corrida de mountain bike. Ela tinha ganhado uma bicicleta, que devia pesar uns 30kg na época! Aí ela disse que iria perder, e eu falei: ‘Só tem duas (competidoras), no ruim você vai ser a terceira!’ E aí ela deslanchou. Foi profissional por muito tempo e representou o Brasil em vários países. Não sei nem quantos, foram muitos. E continua sendo uma referência não só na cidade, mas nacional. No meio do mountain bike e do ciclismo, não há ninguém que não conheça a Roberta Stopa”, destaca Wolney, que há 27 anos

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Roberta Stopa é uma das atletas mais vitoriosas da história do mountain bike brasileiro (Crédito: Leonardo Costa/Arquivo TM)

O amigo de Stopa, hoje com 40 anos, tal como ela, lembra que uma personalização em seu material escolar intensificou a curiosidade e o interesse da futura campeã. “Na minha sala tinha eu e o Bruno, que já pedalávamos. Meu caderno já era todo colado com fotos de bicicleta e ela se amarrava com aquilo, até começar a fazer no dela, quando entrou no meio também. E daí não parou mais. Entrou no esporte brincando, tá aí até hoje e tenho certeza de que vai ficar por muito tempo”, conta ele.

Naquela época, a prática do MTB ainda era muito pouco disseminada entre as mulheres. “Era só ela de bicicleta entre os homens. Ela seguia a gente. No início ficava para trás, mas depois que foi melhorando, acabava que ‘dava poeira’ em muitos. Mirante e Trilha da Pepsi eram (as trilhas) mais frequentadas da nossa época. (…) Todo mundo gostava dela, que estava virando uma referência. Sempre foi muito tranquilo esse relacionamento dela no meio dos homens.”, recorda Wolney.

Controle emocional e competitividade

No convívio diário, Wolney ainda se lembra da amiga como uma pessoa de constante estabilidade psíquica. “Eu nunca vi a Roberta nervosa. Sempre foi muito tranquila, pé no chão. Nas próprias competições, quando ela estava no auge, nunca estava de cara feia. E isso serve de referência para as pessoas que seguem ela, para os mais jovens, porque não adianta um dia ruim acabar com toda uma carreira que você fez. E a Roberta, desde pequena, sempre foi uma pessoa muito sensata, tranquila e passou uma positividade pra todo mundo”, reitera.

O perfil como esportista desde a adolescência e o farto interesse pela modalidade, conforme Wolney, o fizeram perceber, desde cedo, que a atleta teria um futuro diferenciado no mundo das bikes. “A Roberta, desde o início, sempre foi muito competitiva. Quando ela entrou naquela primeira corrida, queria ganhar. Depois disso, já tinha as atletas de renome em campeonatos brasileiros, mineiros, e ela alinhava na frente, batia guidão, se impunha até ganhar o respeito delas e começar a ter o seu lugar no meio do esporte.”

Iron Biker ainda mais desafiador

De JF, Stopa praticou, competiu e venceu em todas as vertentes do MTB (Foto: Olavo Prazeres/Arquivo TM)

Na extensa lista dos títulos marcantes de Roberta está o do Iron Biker de 2009, competição das mais desafiadoras do país, no XCM, a maratona, uma das categorias do mountain bike. E justamente de uma participação neste evento que vem uma história inesquecível para Wolney, que hoje sorri ao recordá-la.

“A gente era novo e sempre arrumava carona para ir nas corridas. E tem um amigo nosso que pedala até hoje, o Clebinho, que era o patrocinador dela. E ele e o pai da Roberta tinham um fusca. Fomos pra um Iron Biker, eu no fusca do Clebinho e a Roberta com a família dela no outro. Na ida, uma pedra de um caminhão voou e quebrou o para-brisa do carro dela. Deu pra chegar. Ela correu, se não me engano ganhou, mas na volta, o fusca sem para-brisa e começou uma chuva, uma tempestade. Tivemos que parar no meio da estrada, colocar um cobertor na frente do para-brisa, mas no fim deu tudo certo”, lembra Wolney.

Persistência em meio às dificuldades regulares

Se engana aquele que pensa que a vida de um grande atleta de mountain bike se resume a viagens e títulos. O esforço constante de Roberta parte, dia após dia, ano após ano, também na incessante e desgastante busca por parceiros, motivo pelo qual muitos atletas no país são obrigados a desistir em meio às demandas e dificuldades financeiras.

“Acontece que no esporte que temos hoje, o mountain bike, o ciclismo ainda não é profissional. O ano começa, você tem seus patrocínios, vai chegando o fim do ano e reinicia toda aquela luta de renovação. É um esporte muito caro, tem viagens, equipamento. E com o passar do tempo eu via que ela estava tendo dificuldades para isso, de arrumar patrocínios. Estavam chegando meninas novas com tudo e, querendo ou não, ela estava ficando mais velha. Mas nem por isso ela deixava a peteca cair. Sempre entrava para disputar, bater o guidão com as meninas. E nunca se deixou desanimar. Ela parou um tempo por questões profissionais, mas voltou depois e seguiu competitiva do mesmo jeito, sempre correndo atrás dos patrocínios. Todo ano é a mesma luta e, mesmo com respostas negativas, ela continua voando”, reforça Wolney.

Soma-se isto aos obstáculos encontrados até mesmo nos caminhos para os treinamentos. “A gente tem que sair pra treinar e, até chegar na BR-040, por exemplo, vai no meio dos carros. A gente é chamado de vagabundo, de tudo quanto é nome por motoristas. Mas no fim de tudo isso, temos um reconhecimento nosso, mesmo que lá no fundo sabemos que ajudamos alguém. Querendo ou não vão lembrar de nós lá na frente, como está acontecendo agora.”

‘O currículo dela é invejável’

Campeã brasileira de downhill (DH, 1999), de maratona (XCM, em 2006 e 2012) e de cross country olímpico (XCO, 2012). Ouro no Mineiro de DH (1996 e 1999) e de XCO (1996 e 2006), além do Carioca de XCO (2013), do Brasil Ride 24h de XCM (2015), do XTerra Brasil (2013, 2014 e 2015) e mais de 15 outras diferentes competições nacionais.

“No (primeiro) Brasileiro de Mountain Bike eu estava, mas correndo também. Quando cheguei e vi que ela tinha ganhado… e naquela época ia todo mundo junto. Quando ela venceu foi fora do normal. A cidade ficou num oba-oba, a Roberta era ‘a’ Roberta. Tínhamos muito acesso às provas, mas o Brasileiro era o auge. Não era fácil e ela ganhou”, recorda Wolney.

A nível internacional, no cross country olímpico, ainda foi bronze nos Pan-Americanos de 2011, 2012 e 2014, sétima colocada nos Jogos Sul-Americanos de Medellín, na Colômbia, em 2010, registrou quatro participações em campeonatos mundiais na Suíça (1997 e duas em 2011) e Nova Zelândia (2006) e duas nas Copas do Mundo do Brasil (2005) e dos Estados Unidos (2010).

“Ela ganhou tudo o que tinha que ganhar na carreira. O currículo dela é invejável. A maioria das meninas que estão aí, com o nível que o esporte está hoje, vai ser difícil chegar no currículo que ela tem”, assegura o amigo.

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Neste ano, estreante na categoria master, Roberta, antes da pandemia, levou o título do Marathon Cup, em Simão Pereira (MG), e do CIMTB em Araxá (MG). As estatísticas comprovam o perfil vencedor da juiz-forana.

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“Acho que 99% é mérito dela, porque se empenhava e treinava muito, sempre querendo se superar, dedicada. Você não via a Roberta comendo errado, sem agasalho ou fazendo algo que um profissional não deveria. O primeiro título brasileiro ela comemorou demais, foi muito legal. Trouxe um título para a cidade que só o Miguel Giovannini tinha. Nunca achamos que uma amiga nossa, que estava todos os dias ali no nosso convívio, seria campeã brasileira. A gente ajudou? Deu um empurrão nela, vamos dizer assim, mas 99% é mérito dela.”

Idolatria e exemplo

Roberta Stopa, formada em Educação Física, além de atleta também é personal biker, na busca de não apenas encaminhar novos profissionais ao esporte, como inserir mais mulheres no mountain bike. “Você olha pra Roberta, ela tem a minha idade, e você vê nela uma pessoa de 20 anos. Ela tem muito pela frente, muito para ensinar às pessoas, espelhar outras e ajudar no crescimento da molecada que está chegando no esporte.”

A atleta, por tudo o que plantou ao longo de 26 anos de carreira, se tornou um modelo de profissional. “Hoje, quando ela chega numa prova, as mais experientes querem falar com ela, as mais novas querem conversar, tirar foto, porque ela tem muito pra passar. Aprendeu muito fora do país, ganhou muitas corridas, andou com as melhores. E quem que não quer aprender? E de graça? Você vai trocar uma ideia com ela, irá aprender alguma coisa”, garante Wolney.

O segredo de tamanho sucesso passa, certamente, por características de Roberta tão enaltecidas pelo amigo e, porque não, fã. “Só envelhecemos na identidade, mas ela está a mesma pessoa de 25 anos atrás. É o que eu falo do profissionalismo dela, que não para. Está sempre se dedicando, o que ajuda na vida pessoal, a manter a forma que tem.”

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