Com 9 profissionais de JF, haitianos do Pérolas Negras vence 4ª divisão do Rio

Título do Campeonato Estadual de futebol teve como principal marca o forte trabalho de valorização da base


Por Bruno Kaehler

26/11/2017 às 07h00- Atualizada 26/11/2017 às 19h16

Fotos: Vitor Madeira/Viva Rio

Do resgate à autoestima de jovens haitianos, que sofreram as consequências do terremoto em 2010 no país caribenho, ao crescimento de um projeto cada vez mais efetivo até a coroação, no último domingo (19), com o título da Série C do Campeonato Carioca, a quarta divisão estadual, sobre o time de Campos, após empate em 0 a 0 em Cardoso Moreira. Após vencer o primeiro jogo do confronto por 3 a 0, a Academia de Futebol Pérolas Negras poderia perder por até dois gols, que ainda conquistaria o título. A equipe, que conta atualmente com 9 jogadores haitianos, auxilia jovens em situação de risco do país caribenho em parceria com a organização social brasileira Viva Rio desde 2011 e conta com vários juiz-foranos dentro e fora de campo na primeira conquista após filiação junto à Federação Estadual do Rio de Janeiro (FERJ).

Só na comissão técnica da equipe profissional são quatro representantes da cidade: o técnico Rafael Novaes, o auxiliar Wesley Assis, o fisioterapeuta Rafael Guiduci e o preparador de goleiros João Gabriel Gerheim. Defenderam ainda a equipe na campanha campeã da Série C os jogadores Douglas Rodrigues (Sargento), Iago Thomaz, Richardson Almeida, Elder David e Antônio Augusto.

PUBLICIDADE

“Nós do staff, que temos maior conhecimento dos juiz-foranos, possuímos maior facilidade principalmente porque a cidade não tem times profissionais que aproveitam a base. Fazemos um trabalho aqui que deveria ser feito em Juiz de Fora, que é dar oportunidade para a galera que vira profissional. Apostamos neles, e o resultado veio”, conta o técnico Rafael Novaes.

Ele destaca que a comemoração é justificada pela história no projeto. “Tivemos muito trabalho, muita captação de atletas, dificuldades por falta de saneamento básico, energia elétrica que tínhamos duas, três horas por dia só em 2011, mas foi muito gratificante, porque você via que estava dando resultado, e os meninos acreditavam na ideia. Aqueles garotos que começaram comigo lá em 2011 hoje estão no profissional ou no sub-20 com a gente”, reitera.
Recém-formado pela UFJF e no primeiro ano de Pérolas, o preparador de goleiros João Gabriel, 25, pode aplicar todo o conhecimento acumulado na cidade em um projeto que passou a ter equipe profissional além das categorias de base. Ele tem passagens como bolsista pelo projeto de futebol da UFJF e como auxiliar de preparador de goleiros para acompanhar o trabalho do Tupi no Mineiro dessa temporada. Para João Gabriel, o resultado vitorioso na Série C do Carioca reforça a potência juiz-forana na formação de profissionais na área desportiva.

“O momento atual vivido pela cidade evidencia isso. Fica claro que um projeto organizado e bem administrado, em que pessoas da cidade estão presentes, consegue resultados expressivos até em nível nacional. Atualmente temos uma boa organização no JF Vôlei, no futsal (Tupi), atletismo na UFJF (Cria UFJF) e até um futevôlei com ótimos atletas. E não devemos esquecer dos excelentes profissionais formados na cidade”, relembra.

De trocador de ônibus a campeão

Entre os nove refugiados haitianos e nove juiz-foranos na equipe, a história de Sargento comove. Defensor de destaque na competição, o juiz-forano Douglas Rodrigues de Oliveira, 25, herdou o apelido do pai, Nelson, e, após inúmeros obstáculos, deu a volta por cima na equipe haitiana e alimentou a esperança de perseguir o sonho de seu ídolo.

“Comecei por incentivo do meu pai aos 7 anos. Passei na base do Tupi e defendi ainda o Sport e o Baeta. Em 2011, fui para o Serrano, de Petrópolis. Depois de seis meses, vesti a camisa do Imperial, onde me profissionalizei e fiquei até 2013. Tive que vir para Juiz de Fora porque meu pai tinha adoecido. Teve um câncer no pâncreas e faleceu há dois anos e dez meses. Eu precisava trabalhar para ajudar minha família e precisei deixar o futebol”, relembra o zagueiro.
Sargento chegou a disputar a Segunda Divisão do Mineiro pelo Ponte Nova em 2015, mas uma lesão em 2016 o tirou do Uberaba. Ele trabalhava como trocador de ônibus quando veio o contato do treinador Rafael Novaes e a chance que mudou seu ano de 2017. “Ele confiou no meu trabalho e voltei a atuar como profissional, agora no Pérolas Negras, e conseguimos conquistar a Série C. Foi uma lição de superação. Uma coisa que não devemos fazer é desistir. Enquanto tivermos forças, precisamos lutar”, afirma Sargento.

Com contrato com o Pérolas a ser encerrado na próxima quinta-feira (30), o defensor, esperançoso, busca nova oportunidade no mercado. “Como fizemos um bom campeonato, esperamos propostas. Chegando em dezembro a maioria dos clubes está em reformulação para o ano que vem e confio que algo possa chegar.”

Sargento relembra a trajetória de superação após a morte do pai, quando precisou deixar o futebol, até o convite para integrar a equipe haitiana

Os jogadores juiz-foranos Antônio, Elder e Richardson integram a equipe que foi campeã no último domingo (19) em sua primeira disputa profissional

O conteúdo continua após o anúncio

“Fazemos um trabalho aqui que deveria ser feito em Juiz de Fora, que é dar oportunidade para a galera que vira profissional. Apostamos neles, e o resultado veio”, festeja o técnico Rafael Novaes (ao centro, de boné)

 

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.