Segunda entrevistada da série “Incríveis” conta como venceu a depressão através da corrida

Fisioterapeuta Diana Andrade, 40 anos, deu uma guinada completa na vida após descobrir paixão pelas provas de rua


Por Juliana Netto

24/12/2017 às 07h00- Atualizada 02/03/2018 às 09h35

Aos 33 anos, quadro depressivo, mãe de duas meninas, fora do mercado do trabalho e totalmente desmotivada. Aos 35, “o fundo do poço”, como ela mesma analisa. Aos 40, uma guinada completa: fisioterapeuta agora com mestrado, com duas pós-graduações, postulante a doutorado, dona do próprio negócio e exemplo de superação para filhas, irmãos, alunos e pacientes. Em um intervalo de dez anos, a vida de Diana Andrade, segunda entrevistada da série “Incríveis”, mudaria completamente. O trampolim? Um par de tênis, óculos escuros e a vontade de olhar para o passado como alguém que ultrapassa um corredor durante uma prova de rua.

Caminhada com óculos escuros eram desculpas para que Diana pudesse chorar na UFJF (Foto: Felipe Couri)

Mãe de Bianca, a fase mais complicada da vida de Diana começou a partir da sua segunda gravidez. Diagnosticada com diabetes gestacional, a fisioterapeuta oscilou no peso, primeiro ganhando 10kg e, em seguida, emagrecendo 12. Após o nascimento da caçula, Isabela, e sucessivos problemas de saúde da bebê, ela optou por deixar a profissão e se dedicar inteiramente aos cuidados maternos e da casa. “Quando Isabela nasceu, passei a estar rotineiramente em clínicas e hospitais. Com a necessidade de dar uma maior atenção a ela, acabei decidindo parar de trabalhar. Passei a viver então em função de arrumar a casa, levá-las ao médico, à escola. Com a pausa no trabalho, perdi o contato com as pessoas e me afastei dos amigos. E esse fato de ficar muito só foi me minando. No final das contas, eu mesma já não queria sair de casa: não saia para pintar o cabelo, fazer a unha, para nada. Não tinha mais vontade de me arrumar, nem de me cuidar.”

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Do chão da sala ao Campus da UFJF

Ao ser diagnosticada com depressão, a fisioterapeuta passou a conviver também com ansiolíticos que, segundo ela, acabaram não surtindo efeito. “Comecei a tomar os remédios, mas não me adaptei a eles. Eles me fizeram muito mal.” O fundo do poço e o início da escalada para a redenção, no entanto, viriam em 2012. “Era um sábado.

“Não há como explicar. O esporte consegue te mostrar que você consegue se superar. Ele te dá benefícios para o corpo e para a alma. Através dele, você passa por cima de seus fantasmas, e faz você viver diferente”

Passei o dia todo sozinha em casa, já que minhas filhas estavam na minha mãe. Acabei dormindo na sala mesmo, sem ter me alimentado durante todo o dia, sem ânimo de ir para meu quarto. Foi ali que decidi que teria que fazer alguma coisa para mudar. Assim que acordei, resolvi ir até o Campus da UFJF.” Sedentária, até então, as atividades físicas nunca tinham sido parte da rotina de Diana. “Lembro até hoje, o dia estava nublado, mas mesmo assim coloquei os óculos escuros, mas para conseguir chorar um pouco. Como eu não queria fazer isso na frente da minha família, pegava os óculos, ia lá chorar o que tinha que chorar e voltava para casa. Passei a ir lá direto. Aquilo foi me fazendo bem. Até que um dia decidi dar um trotezinho. Aos poucos, vendo muita gente correr, comecei a trocar a caminhada pela corrida.”

Cerca de três meses depois, a futura corredora amadora foi à Corrida Duque de Caxias, prova organizada pelo Exército. “Fui de forma despretensiosa, depois de ouvir a personal da minha irmã convidá-la. Me arrepio até hoje com a sensação daquele dia. Vi pessoas mais velhas, outras mais novas do que eu, algumas com algum tipo de deficiência física. O clima daquele dia me fez feliz, me deixou tranquila. Consegui completar todo o percurso e fiquei muito bem comigo mesma. A partir daí decidi que aquilo era que eu queria para mim. Procurei uma academia, passei a fazer musculação e fui mudando”, recorda-se emocionada.

Novos círculos e a família envolvida

A partir das idas à academia, Diana foi se reinserindo ao convívio social. E a oportunidade para voltar ao trabalho foi-lhe apresentada ali, entre halteres, supinos e mesas flexoras. “Um dia, durante uma aula, uma pessoa me falou que um estúdio estava precisando de uma fisioterapeuta para dar aulas de pilates, nas terças e quintas, às 9h da manhã. Me matriculei no curso para aprender pilates e peguei o emprego. Lá dentro, conheci outra pessoa que falou que tinha um outro local precisando de fisioterapeuta em tempo integral. “Fiz cursos, passei a frequentar seminários e voltei ao trabalho. Este mesmo ciclo acabou me incentivando a entrar para o mestrado. Passei no processo seletivo da Faculdade de Educação Física e fui cada vez mais voltando a viver”, diz ela, que agora planeja ser aprovada no doutorado.

Hoje, aos 40 anos e dona do próprio estúdio, Diana se vê longe dos remédios e do passado depressivo. Testemunha ocular da mudança de vida da mãe, Bianca, sua filha mais velha, hoje com 19 anos, também incorporou a paixão pela corrida ao seu dia a dia. Figura constante nas provas do Ranking de Corridas Rústicas de Juiz de Fora nos três últimos anos, a jovem foi anunciada, na última quarta-feira (20), como campeã da temporada na sua faixa etária. “Ela também mudou completamente. Outro dia mesmo falou que não ia sair à noite porque tinha treino para fazer no outro dia”, diz a mãe orgulhosa, que mudou também a rotina dos irmãos. “Hoje corremos eu, minha filha, meu irmão e minha irmã, todos antes sedentários.” Segundo ela, a próxima do clã a entrar para no grupo esportivo da família é a caçula Isabela. “Ela está empolgada com essa ideia de treininho, de corridinha” afirma a mãe, que a levou em duas corridas do calendário local em 2017.

Feliz no esporte, a “incrível” Diana se diz grata ao mundo das corridas e não esconde o desejo de ir além. “Eu estava no fundo do buraco. Dou o crédito todo à corrida, que me tirou de lá e me colocou onde estou. Hoje não tomo remédios, perdi 10kg e planejo completar minha primeira meia maratona para depois, quem sabe, fazer uma maratona. Minha meta, assim como a da minha filha mais velha, é completar a nossa primeira meia (maratona) juntas, em 2018, no Rio”, diz ela, que também alimenta o sonho de disputar uma prova de triathlon. “Adoro nadar, correr, pedalar. Meu único medo é a quantidade reduzida de lugares destinados aos treinos com bicicletas na cidade”, revela. Ao resumir a reviravolta vivida, ela, emocionada, se perde nas palavras. “Não há como explicar. O esporte consegue te mostrar que você consegue se superar. Ele te dá benefícios para o corpo e para a alma. Através dele, você passa por cima de seus fantasmas, e faz você viver diferente.”

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