De Sonic de JF à seleção brasileira: conheça a trajetória de Léo Santana

No quinto episódio da série Tem Base!, mãe do atleta de futsal, Rosali Santana relembra infância simples, crescimento na cidade e sonhos realizados


Por Bruno Kaehler

20/09/2020 às 07h00- Atualizada 20/09/2020 às 12h14

Se as paredes e os troféus do Sport Club Juiz de Fora falassem, certamente agradeceriam Rosali Santana naquela tarde de quinta-feira, quando a mãe do jogador de futsal da cidade, Léo Santana, voltava ao clube para relembrar a carreira do filho em entrevista à Tribuna, com muitas vitórias no Verdão da Avenida, além de tudo o que ela viveu como fã número 1 do ala ex-Periquito, atualmente no ElPozo Murcia, da Espanha. Hoje com 32 anos, o juiz-forano se tornou referência no esporte não apenas local, como mundial, e teve a história rememorada para o quinto episódio da série de minidocumentários Tem Base!, integralmente gravada antes da pandemia do coronavírus.

“Vem um filme na cabeça porque a história dele começou aqui, no Sport”, destaca Rosali, de emoção notória pelos olhos brilhantes e sorriso no rosto durante cada lembrança agradavelmente detalhada desde a infância de Léo. “Ele era bem tímido. Brincava muito de bola. Pediu ao pai (Marco Aurélio da Silva) para fazer uma bola de meia e ficava brincando dentro de casa. Aí começou a jogar na rua com os coleguinhas, aonde foi se soltando. A infância dele, os amigos são todos do Bairro Nossa Senhora das Graças e do Sport”, conta.

PUBLICIDADE

Léo iniciou a caminhada pelas quadras ainda cedo, com destino inevitavelmente ligado ao Sport. “Ele não tinha nem 7 anos quando começou numa escolinha do bairro, com o Derci. Jogou um mês e meio e, no final de uma Copa (Prefeitura) Bahamas, que era fraldinha (categoria), eles ficaram em segundo lugar. Aí ele jogou um amistoso contra o Gérson (treinador), que trouxe ele pro Sport, onde jogou até os 17 anos, sendo muitas vezes campeão mineiro, da Copa Bahamas, dos Jimi. Trouxe, com os amigos e a equipe dele, muitos títulos pro Sport. A fase de adolescência dele foi toda lá.”

Apoio irrestrito ao “Sonic” de JF

Neste período pelo futsal do Sport, Léo sempre tinha a companhia de Rosali e outros parentes nas partidas. A mãe do ala driblava os obstáculos com incentivo e amor. “Vinha a família toda ver ele, ficávamos em um mesmo lado da arquibancada. Eu tinha dois empregos e falava que ia chegar no intervalo do jogo. Conseguia em todos. Apoiei muito ele. Até hoje ele fala. Eu que dava dinheiro para ele viajar. Era pouco, mas dava pra ir”, ressalta Rosali que, enquanto o filho corria nas quadras, suava para buscar o melhor à sua família.

“Sempre trabalhei de empregada doméstica e ganhava pouco. Foi muito difícil, ele foi criado na creche. Quando ele começou a jogar, eu trabalhava no restaurante à noite e, de dia, fazia outros bicos. Foi quando melhorou um pouco, até ele se destacar. Mas não foi fácil”, explica.

E não demorou muito para que Léo mostrasse que, de fato, havia nascido para brilhar com a bola no pé. Logo aos 8 anos, sua velocidade já rendia brincadeiras. “Ele tinha o apelido de Sonic, porque entrava dentro de quadra e corria muito. E ele era o destaque do time, não tinha jeito! Uma vez eu estava em um jogo na Academia, de Intercolegial, eles perderam e um homem falou: ‘Respeita o Léo porque ele é o melhor jogador de futsal de Juiz de Fora. É o goleador do Sport, que tem um monte de títulos às custas dele e da equipe, que é muito boa’.”

Evolução, distância e perda do pai

“Acho que esse talento estava no sangue dele mesmo. Tinha o sonho de ser alguém, mas acredito que nunca imaginava de ir pra fora do Brasil e viver tudo o que está vivendo.” De fato, Léo passou a realizar sonhos graças ao seu esforço e ao apoio dos pais e demais pessoas próximas.

Léo chegou a defender camisas como a do São Bernardo e do Tupi, até se profissionalizar na AABB. Entre os 19 e 20 anos, passou pela primeira experiência fora, em Uberlândia, pelo Praia Clube. A evolução técnica do ala seguiu com atuação na Liga Futsal, até João Carlos Barbosa, então treinador do Kairat Almaty, do Cazaquistão, se interessar pelo juiz-forano, que deixou o país rumo ao país asiático. O coração de Rosali, então, apertou como poucas vezes.

“Quando ele me ligou falando que teve uma proposta e ia para fora do Brasil, eu falei: ‘Não, Léo, eu tenho que ir pra Uberlândia, te levar para São Paulo para ver você partir.’ E ele não deixou, disse que ia com um amigo, sabia que eu ia ficar muito desesperada. No dia que ele foi, eu pedi ‘pelo amor de Deus, quando chegar lá me liga e dá notícia.’ Fiquei totalmente em choque, uns três dias que, se você me visse, parecia que eu estava sob remédio. Fiquei paralisada, preocupada, não tinha nem ânimo para trabalhar. Queria ter certeza de que ele estava bem. Aí quando me ligou, me mandou vídeo e fiquei mais tranquila. Mas demorou um, dois anos (para acostumar). Ele vinha nas férias, mas quando ia embora eu ficava uma semana abatida”, expõe Rosali.

Paralelamente ao crescimento no Cazaquistão, Léo e sua família viveram um drama. “O pai dele faleceu, vai fazer sete anos, e o Léo estava no Kairat. Mas os amigos deram muita força para ele. Ficaram com ele até passar o enterro do pai aqui. Porque ele chegaria dois dias depois”, recorda Rosali.

LEIA MAIS: 

Léo não apenas foi convocado, como levou o Grand Prix pela seleção (Foto: Arquivo pessoal)

Ainda defendendo o Kairat, em 2013, Léo chegou a uma das maiores conquistas de todo jogador de futebol: o título da UEFA Champions League. Apesar da distância, o feito do juiz-forano não deixou de ser comemorado em uma das maneiras que ele e sua família mais gostam: com churrasco e pagode.

“Quando ele estava na final da Champions, eu morava numa rua onde sempre tinha churrasco. Aí liguei para os amigos dele do Sport e falei que tinha um bar que iria passar o jogo. Era um boteco pequenininho. Só sei que tinha umas 50 pessoas lá dentro, e nós assistimos o jogo. Foi muito emocionante! Quase não consegui ver porque fico passando mal. E quando acabou o jogo, começou um pagode e só sei que fomos para o Eldorado e continuamos até 23h”, conta, em meio aos risos.

Léo não sabia, contudo, que sua carreira ainda teria mais capítulos históricos reservados. Na temporada 2013/2014, passou a defender o Sibiryak, da Rússia. Após quatro temporadas, a partir de julho de 2017, o juiz-forano passaria a defender o azul-grená dos clubes mais importantes do planeta.

“Ele me ligou falando ‘mãe, eu tenho uma coisa para contar para a senhora. Sabe qual é o sonho de qualquer atleta?’ Aí eu falei que era jogar no Barcelona! Aí ele: ‘A senhora me conhece mesmo!’ E eu disse que sabia que ele seria ‘convocado’ uma hora. E ele confirmou que estava indo. Foi muito gratificante, porque a gente vê que as pessoas reconhecem o trabalho dele e que se destacou lá fora”, recorda Rosali.

O conteúdo continua após o anúncio

Seleção diante da família e nascimento da filha

Já na Catalunha, Léo se destacava em um dos principais times do mundo e com ainda mais visibilidade. Em novembro de 2017, uma das notícias mais felizes da vida do juiz-forano emocionaria o ala, sua família e aqueles que o acompanham. O ‘Sonic’ de JF foi convocado para vestir o pesado manto canarinho.

“Ele me ligou, falou que tinha uma notícia para me dar e eu perguntei o que era. ‘Você sabe qual é o sonho de todo atleta?’ E eu: ‘Jogar na seleção brasileira! Eu tenho certeza que você vai ser convocado!’ E ele: ‘Eu fui convocado mesmo! E adivinha onde vai ser? No Brasil!’ E eu disse que estaria esperando por ele”, recorda a mãe.

Como prometido, Rosali, acompanhada de familiares, foi para Florianópolis em janeiro do ano seguinte para assistir a estreia do filho na seleção, em amistosos contra a Polônia. “Foi todo mundo da família, uma galera boa. Foi muito emocionante. Hospedamos num hotel e na sexta-feira (véspera de jogo) liberaram de ele jantar com a gente. Aí o pessoal viu que éramos da família do Léo Santana. Acordamos no outro dia e já era outro esquema! Todo mundo: ‘Olha a família do Léo Santana!’. E tiravam foto com a gente, tinha um pessoal da família do Ferrão também. Foi muito legal”, relatou a mãe coruja.

Léo, já no ElPozo, com a esposa Priscilla e a filha Lara (Foto: Arquivo pessoal)

O período no Barcelona e na seleção se tornaria ainda mais inesquecível. Representando seu país, levou o ouro no Grand Prix Internacional de 2018. No time catalão, conquistou importantes títulos como o nacional, o da Copa do Rei e da Copa da Espanha, no chamado triplete. Paralelamente a isto, presenciou o nascimento de sua filha, a pequena Lara, com a esposa Priscilla Ritti. “Fui para Espanha em 2018 e, graças a Deus, ele casou com uma pessoa muito boa. A Priscilla é uma esposa muito exemplar, os dois têm tudo a ver. Até nisso Deus foi perfeito com ele porque colocou uma esposa na vida dele muito boa. Eles combinam muito, e a Lara é muito linda”, elogia Rosali.

Após duas temporadas, o juiz-forano encerrou sua passagem pelo Barça com homenagens, ao receber sua camisa enquadrada e a reverência dos barcelonistas no ginásio durante a despedida. “Eu chorei muito (na despedida). Achei muito lindo, vi o quanto ele é querido. Fui em jogos dele e, quando acabavam, para ele sair da quadra era muito difícil porque dava muitos autógrafos, era muita gente. Era muito emocionante, para qualquer mãe.”

Contudo, o juiz-forano segue brilhando pelas quadras espanholas. O atleta se transferiu para o ElPozo Murcia e está prestes a iniciar uma nova temporada com fome de títulos.

Um realizador de sonhos

Léo é especialista na concretização de sonhos. Mas não apenas dele, o que emociona Rosali ainda mais. “É muita gratidão de ver seu filho ser realizado. Ele foi criado com tudo muito simples. Passamos dificuldades, fui empregada doméstica e o pai dele era vidraceiro, a gente vivia de aluguel e não era fácil. E o objetivo dele de ganhar dinheiro era pra comprar uma casa pra gente. Foi a primeira coisa que ele fez. Geralmente o atleta compra carro, avião, mas ele não. E esperava que eu escolhesse em um condomínio chique, mas procurei no mesmo bairro onde eles foram criados, onde é a nossa raiz e todo mundo gosta da gente”, enfatiza a mãe, orgulhosa do filho e de tudo o que fez pelo crescimento de Léo e outros filhos.

“Tudo o que nós passamos, a gente olha pra trás e valeu a pena. Você não tem que cobrar nada de ninguém, só agradecer a Deus. Se eu tive um bom filho é porque eu mereci. E se ele é um atleta bom e querido, é porque ele mereceu também.”

Basta conhecer um pouco Rosali e Léo para saber a receita do sucesso: o amor e a união. “O Léo é um filho que me liga todos os dias e fala que me ama. Se a gente manda mensagem: ‘Filho, eu te amo.’ Tá no Instagram? ‘Filho, eu te amo’. Todos os dias ele me liga e fala que me ama, e eu também. Acho muito importante você falar para o seu filho isso. E ele sente muita falta da gente também.”

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.