E a paixão do juiz-forano pela Seleção… esfriou?

Cientista político Raul Magalhães avalia que comportamento é natural em uma sociedade cada vez mais complexa e “desidentificada” com a Seleção Brasileira


Por Bruno Kaehler

10/06/2018 às 07h00

Certamente você conhece pessoas apaixonadas por futebol e pela Copa do Mundo, mas também troca opiniões com amigos e familiares desinteressados pelo esporte e pela competição. Recentes pesquisas de Ibope e Datafolha apontam desinteresse do brasileiro pelo maior evento de futebol do planeta e grau de envolvimento “frio” em relação à empolgação do torcedor. Quais seriam os motivos para essa queda na paixão do povo pela Seleção e pelo esporte mais popular do mundo? O Brasil ainda é o país do futebol? Seria um reflexo da indignação da sociedade com a crise nacional?

Para tentar responder tais questões, a Tribuna conversou com o cientista político e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Raul Magalhães, que destacou o crescimento da complexidade da sociedade nas últimas décadas em um fenômeno sociológico natural, motivado por um conjunto de argumentos que vão desde a mudança de geração dos torcedores até os escândalos envolvendo a política em entidades esportivas e em outras áreas do país.

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“A geração do país do futebol envelheceu e não domina mais a mentalidade cultural brasileira” (Foto: Rau Magalhães, Cientista Político)

Interesse e euforia

Pesquisa realizada no final de janeiro pelo Instituto Datafolha apontou que 41% das pessoas ouvidas se declararam totalmente desinteressadas pelo futebol. Quando feito o recorte por sexo, 56% das mulheres se mostraram indiferentes, com índice masculino de 24%. Sobre a Copa do Mundo, 42% dos entrevistados afirmaram não ter interesse, e 24% demonstraram grande entusiasmo com a competição. Foram ouvidas 2.826 pessoas de 174 municípios de todas as regiões do Brasil.

Já outro estudo realizado em maio pelo Ibope registrou que mais da metade da população brasileira (75%) pretende acompanhar os jogos da Copa do Mundo. A pesquisa mostrou que 39% dos brasileiros pretendem acompanhar somente os jogos do Brasil, 19% querem acompanhar o máximo de jogos que puderem, e 17% pretendem acompanhar apenas algumas partidas do torneio. Há ainda 25% que dizem que não pretendem acompanhar a Copa de 2018, de maioria de mulheres e menos escolarizados.

O Ibope apontou também um termômetro do grau de envolvimento dos entrevistados com o torneio. As temperaturas mais frias (“frio”, “muito frio” ou “gelado”) foram citadas por 40% dos ouvidos, percentual menor que em pesquisa de março (49%). Outros 25% apontam a temperatura “morna” como a mais adequada, e 31% declaram que o seu envolvimento com o evento é “quente”, “muito quente” ou “fervendo” (eram 24% no mês anterior).

Sociedade brasileira está muito mais complexa, diz especialista

Segundo o cientista político Raul Magalhães, o maior desinteresse dos brasileiros em relação à Copa do Mundo e ao futebol é natural por conta da cada vez maior segmentação do público. “Existe uma razão sociológica principal para este fenômeno. A sociedade brasileira se transformou em uma sociedade muito mais complexa do que a que um dia foi o país do futebol. Há muito mais possibilidades culturais, as gerações mudaram, e as pessoas se interessam por muito mais coisas, o que é normal nas sociedades modernas. Se você pensar o que era o público do beisebol nos EUA, hoje continua importante, mas se segmentou e diferenciou. Um dia o país tinha o futebol em uma centralidade muito simples, com uma mídia muito pouco desenvolvida. Até mesmo no esporte existe uma diferença de geração. Existem pessoas que só se interessam por rugby, por futebol americano. A geração do país do futebol envelheceu e não domina mais a mentalidade cultural brasileira, algo normal”, opina.

Distanciamento

Segundo ele, a maior blindagem aos jogadores e os últimos resultados também têm deixado o torcedor mais distante do grupo canarinho. “Há uma desidentificação com a Seleção, que parece cada vez mais uma legião estrangeira de jogadores que recebem salários milionários e têm pouca identidade com o Brasil, a vida no país e o próprio futebol nacional. Outro fator, que não acho pequeno, é que tivemos a Copa sediada no Brasil (em 2014), e a Seleção mostrou ao povo que mesmo quando é favorita, tudo pode acontecer. Nesse sentido tem uma evolução do futebol mundial. O Brasil não reina mais no esporte há algumas décadas.”

Menos apaixonados

Não é incomum ainda relatos dos próprios torcedores de clubes sobre o afastamento do futebol. Para Raul, muitos apaixonados pelo esporte acabam criando uma resistência, um desencanto com a organização do esporte no Brasil e no mundo. “Escândalos de corrupção, uma série de denúncias envolvendo o mundo do futebol, violência de torcidas, uma série de coisas afastou inclusive o público que gosta de futebol e acompanha de forma mais aproximada o assunto.”

Paralisação dos caminhoneiros

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Paralelamente à recente greve que movimentou todo o país, a Seleção Brasileira iniciou os treinos na Granja Comary, em Teresópolis (RJ). O comportamento dos atletas, contudo, também prejudicou, segundo opinião de Raul, a imagem da Copa e do esporte. “Enquanto o Brasil estava um caos com a greve dos caminhoneiros, a Seleção treinava como se estivesse em uma ilha de fantasia. Não houve nenhuma declaração do técnico ou de jogadores, parece que vivem em um mundo à parte, como se não estivessem em sintonia com o país. Um país com 13 milhões de desempregados, de crise política e econômica é de se esperar que as pessoas não coloquem seus problemas de lado por 30 dias para ver a Copa do Mundo.”

Politização do verde e amarelo

Historicamente símbolo do país e da Seleção, a preferência pelo verde e amarelo também tem sido discutida, com as cores, por vezes, preteridas por conta até em função de sua correlação com a política. “Há uma polêmica em que só as pessoas que têm uma visão mais conservadora que ainda gostam do verde e amarelo (movimentos que vão para as ruas com bandeiras do Brasil e camisas da Seleção). Neste momento parece que existe um problema pela política, mas não é uma marca definitiva. Essas coisas são muito dinâmicas, podem ser facilmente revertidas, vai depender muito do sucesso da Seleção Brasileira na Rússia para uma retomada desses símbolos nacionais. Mas estamos em ano eleitoral, se a Seleção não tiver um desempenho à altura das expectativas, esse tipo de assunto será rapidamente mudado e ficará apenas entre pessoas que se interessam muito por futebol”, opina Raul.

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