Odair não ganha salário de jejum perpétuo


Por Gabriel Ferreira Borges

08/12/2020 às 07h08- Atualizada 08/12/2020 às 21h40

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A busca por “independência financeira” é naturalizada como se valores que técnicos e jogadores ganham no Brasil fossem ínfimos (Foto: Mailson Santana/Fluminense/Divulgação)

A saída de Odair Hellmann do Fluminense é um assopro nas páginas arquivadas de uma sentença dada ao futebol latino-americano há algum tempo, mas ignorada pelo futebol brasileiro. Não sei se pela mesma estupidez daqueles que sonham que um país relegado à colônia seria parceiro de primeira hora da potência responsável por mover as peças no xadrez da política internacional. Não sei se ainda pelo saudosismo de quem abrigou, por mera sorte ou azar, entre as décadas de 1960 e 1980, os melhores jogadores da época. Em meio à óbvia constatação de que o nível dos jogos disputados nos últimos anos do Castelão ao Beira-Rio cresceu, o futebol brasileiro é lembrado, de supetão, mês sim, mês não, que está condenado à periferia da bola.

Odair é, dos técnicos mais novos a assumirem uma casamata no país, dos mais competentes, embora já tenha sido acusado de crimes hediondos por qualquer tricolor que se preze. Odair está a alguns bons palmos de ser o César Luis Menotti de Salete, é verdade. O catarinense não entregará um time exatamente vistoso ao torcedor, mas, sim, ao menos um time competitivo. A estadia do Fluminense na quinta colocação do Campeonato Brasileiro é um atestado da competência de Odair – sem Evanílson ainda, desses garotos que dão igual a água em Xerém. E, verdade seja dita, não há quem jure por São Castilho que Odair entregue mais do que isso.

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Passado o modesto testemunho em favor do réu, é inconcebível que a opção pelo Al Wasl, dos Emirados Árabes Unidos, por “independência financeira” seja defendida a ferro e fogo. A escolha de Odair é, obviamente, financeira, não esportiva. Entretanto, a “independência financeira” não pode ser utilizada como muleta para justificar uma escolha estritamente financeira. Odair, como qualquer treinador brasileiro à frente dos 20 clubes da elite do futebol brasileiro, ganha um salário de seis dígitos. Sem a mesma sorte de Odair, a metade mais pobre da população sobrevive com uma renda mensal média de R$ 850.

A comoção favorável à escolha de Odair Hellmann reproduz uma noção completamente distorcida da pirâmide desigual do futebol brasileiro. Ao contrário de jogadores e treinadores semiprofissionais das divisões inferiores do futebol brasileiro, Odair não ganha salário de jejum perpétuo. Ao abandonar um time em condições viáveis de garantir uma vaga na Libertadores da América após hiato de oito anos, Odair expõe as contradições do futebol brasileiro: ao mesmo tempo em que é o mais rico dentre os irmãos latino-americanos a ponto de renegar a origem colonial, lamenta a condição de mero exportador de mão-de-obra.

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