Após romper ligamento, Dany Vitória foca na reabilitação e mantém sonho olímpico
Atleta sofreu ruptura do LCA do joelho na semana anterior à seletiva para a seleção; ortopedista detalha lesão que está entre as mais comuns no esporte
Mais pesada que o currículo de Danielly Vitória no taekwondo é a fé da juiz-forana. Recorrentemente integrante da seleção brasileira de base na arte marcial, multicampeã em torneios nacionais e atleta de 19 anos da equipe Two Brothers Team, de São Caetano do Sul (SP), Dany iniciou 2022 com foco na disputa do Grand Slam, em fevereiro, que daria vaga tanto na seleção principal adulta quanto no Mundial. Uma semana antes de entrar em ação, no entanto, ela começaria a viver um dos principais desafios de sua vida. Durante um treinamento, ela rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho direito, o LCA, lesão que a tirou de quase toda a temporada. De lá para cá, a mudança de chave ocorreu e todos os esforços passaram a ser voltados à plena recuperação, desde o pré-operatório, de pouco mais de dois meses de preparação, até a intervenção cirúrgica, necessária em sua situação para a retomada, a médio e longo prazo, da prática esportiva sem limitações.
“Tem sido uma experiência nova, que não estou acostumada, mas eu diria que é uma vivência de muita resiliência. No começo foi difícil, até porque eu estava no ápice de treinamento, mas depois da cirurgia, principalmente, calibrei o foco, falei que isso faria parte da minha vida. Tenho que focar na recuperação pra voltar o mais rápido possível para as competições”, conta Dany à Tribuna.
A operação ocorreu no final de abril e, desde então, com o pensamento voltado exclusivamente à reabilitação, Dany iniciou a fisioterapia de forma imediata. Passados mais de três meses do processo cirúrgico, ela conta que passou a comemorar cada pequeno passo dado, literalmente. “O mais interessante de tudo é que começamos a dar valor para as pequenas vitórias. Principalmente no primeiro mês após a cirurgia, é conseguir dobrar um pouco mais o joelho, subir escadas sem muleta, andar sem dificuldade. Hoje já é conseguir colocar um pouco mais de carga no treino de força, dar os chutes, cada vez fazer mais movimentos de chutes”, explica.
A atleta tem intercalado seus dias entre Juiz de Fora, sobretudo para ver a família e patrocinadores, e São Caetano, onde faz o seu tratamento. “Lá posso contar com meu fisioterapeuta esportivo, experiente nesse tipo de lesão, e também assisto os treinos da minha equipe, porque é muito importante eu continuar me atualizando sobre o esporte. O taekwondo muda muito as regras, então é sempre bom eu estar atualizada”, analisa.
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‘O mais importante é respeitar meu corpo’
Ainda não há previsão definida do retorno de Dany aos treinamentos. “Mas quando eu for fazer quatro meses de cirurgia, meu médico vai realizar um exame, ver a minha força, como está a recuperação e, dentro disso, me passar uma previsão. Só que o mais importante pra mim é estar 100% recuperada. É respeitar meu corpo, porque não adianta estar com pressa, doida para voltar e isso acontecer antes da hora e eu acabar me machucando de novo. O mais importante é voltar 100% para estar cada vez mais forte, com mais foco e, com isso, disputar novamente uma vaga na seleção com o objetivo de ir pra Olimpíada”, reforça a juiz-forana.
“O que me motiva é minha fé em Deus e de que tudo tem um motivo. Estou fazendo tudo para tirar aprendizados. Claro que lesão é ruim em qualquer momento, mas fico feliz por não ter sido em um decisivo. Acredito que posso passar pras pessoas é de justamente ter essa fé, ficar firme no propósito. E decidi divulgar nas redes sociais a minha recuperação porque muitos atletas têm vergonha de falar que machucaram. Às vezes a pessoa some e a gente não vê, aí ficamos na dúvida se a pessoa parou, se lesionou. Fiz questão de divulgar para mostrar que isso é normal, nossa ferramenta de trabalho é o corpo e não temos que ter vergonha. Dentro disso, agradeço muito aos meus patrocinadores por estarem junto comigo até na minha recuperação”, declara a atleta.
A ruptura do LCA
O responsável pela cirurgia de Dany foi o médico ortopedista e traumatologista Enrico Zanon. À repórtagem, ele afirmou que a rotura do LCA é “extremamente comum e rotineira na nossa prática clínica”, tanto em atletas amadores quanto de alto rendimento, caso da juiz-forana. “Em amador, ocorre muito por conta do sedentarismo, da obesidade e, principalmente, da falta de força. O atleta amador não faz nenhum tipo de prevenção e vai jogar a bola dele no final de semana, a paciente vai jogar um handball e acaba rompendo. É uma das lesões mais comuns no esporte. Acho que só perde pra lesão muscular e pras entorses”, reitera o especialista em cirurgias do joelho. “Em relação aos atletas de alto rendimento como a Dany, ela é preparada, forte fisicamente, faz o preparo físico, a propriocepção que a gente chama, mas mesmo assim acontece. É acidente de trabalho, não tem como. Esse tipo de lesão é um mecanismo torsional, quando o joelho entra pra dentro. Isso está sujeito a acontecer. Claro, quanto mais forte e preparada preventivamente a pessoa estiver, diminui a chance, mas pode acontecer a qualquer momento porque é traumático”, complementa.
Ainda conforme o Zanon, “o que pode gerar a ruptura é o movimento torcional com o valgo do joelho. É o mecanismo mais comum. A hiperextensão, quando você estende muito o joelho, pode acontecer também, mas não é tão comum. A prevenção é o fortalecimento muscular, controle de peso. Hoje já se sabe que até a alimentação está um pouco interligada, então diminuir um pouco o doce, comidas embutidas, aquelas não saudáveis. Isso não é 100% confirmado, mas acredita-se que está bem relacionado a isso também”, esmiuça.
Sobre a intervenção cirúrgica, o ortopedista também explica o que normalmente é feito para a reconstrução do ligamento. “A técnica utilizada depende de cirurgião para cirurgião. No caso da Dany, eu usei os tendões dos flexores, que são dois tendões que ficam atrás da coxa dela, chamam grácil e semitendíneo. Escolhemos esses porque são tão firmes quanto o outro. Para mulher, o corte é muito menor, então esteticamente fica melhor, e a recuperação é muito mais rápida. Outra técnica que a gente usa também é a do tendão patelar. Ele, na teoria, não é mais forte que o outro, só que cicatriza talvez um pouco mais rápido, porque ele não é só tendão, é com osso. Então isso facilita um pouco. Mas hoje tem-se usado cada vez menos o patelar, e muito os flexores, pelo corte menor, recuperação mais rápida, esteticamente fica melhor e para os pacientes dá na mesma”.
Outra dúvida recorrente, esclarecida pelo especialista, é se o novo ligamento é mais forte do que o antigo. “Isso é muito relativo, não existe uma verdade absoluta. Acredita-se que sim, mas não é verdade. Por que acredita-se que sim? Porque quando você rompe o do joelho direito, existe uma chance muito maior, de 60% a 70%, de você romper o esquerdo. Mas por compensação muscular, não por ele ficar mais forte ou mais fraco. Só que como você tem uma chance maior de romper o outro lado, muita gente acredita que o que a gente opera fica mais forte, mas não necessariamente.”