Psicóloga e psiquiatra veem Seleção mentalmente fortalecida para reta final

Psicóloga e Daniele Antunes Rangel e psiquiatra Helio Fádel fazem uma análise da evolução coletiva da equipe, de Neymar e abordam opção de Tite por não contar com psicólogo no estafe


Por Bruno Kaehler

06/07/2018 às 07h01- Atualizada 06/07/2018 às 07h13

Não é apenas tecnicamente que a Seleção Brasileira vive uma ascensão coletiva na Rússia. A coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Machado Sobrinho, Daniele Antunes Rangel, e o psiquiatra clínico com especialização em esporte, Helio Fádel, avaliaram à Tribuna um fortalecimento mental dos comandados do técnico Tite com o andamento da Copa do Mundo. Neste caminho está também o craque Neymar, que em apenas quatro jogos passou por episódios de euforia, choro e até desabafo em rede social. Os especialistas locais abordaram, ainda, o rodízio de capitães promovido pelo comandante e a ausência de um profissional da área de psicologia no estafe verde e amarelo.

Especialistas salientam a evolução dos jogadores brasileiros, individual e coletiva desde o início da Copa até agora (Foto: Fifa.com)

Antes das análises, se faz necessário explicar que a psicologia do esporte cobre amplos campos de visão que refletem nas quatro linhas. Segundo relato de Daniele no curso de Psicologia do Machado, o trabalho mental vai além da otimização da qualidade de vida e da saúde dos atletas e praticantes de atividades físicas em geral. Ele também promove o desenvolvimento do desempenho dos esportistas ao investigar as motivações dos personagens envolvidos, aprimorar as habilidades psicomotoras, adaptar os atletas às situações de estresse e facilitar a comunicação entre a equipe, entre outras atuações.

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Grupo fortalecido

A evolução dos jogadores brasileiros, individual e coletiva, foi unânime nas observações de Daniele e Helio. Para a psicóloga, nos últimos dois jogos houve um engajamento em termos de formação de grupo e equipe. “Percebi um fortalecimento quando tiveram que trocar a tática (Tite confirmou a mudança para um 4-4-2 contra o México). Conseguiram e foi perceptível que existe uma visão coletiva”, explica.

Hélio lembrou, ainda, a caminhada da Seleção. “O time está em uma crescente tanto dos aspectos físicos, quanto mentais. A ansiedade da estreia é perfeitamente normal, ainda mais para uma equipe que se classificou tão bem durante as eliminatórias, encontrando um estilo de jogo bem definido, sob um comandante que agrega valores individuais e coletivos. Para um time desses, o torcedor cria expectativas e espera um início avassalador. E os próprios jogadores já entram sabendo dessa responsabilidade, o que pode levar a uma ansiedade de desempenho, por exemplo. A meu ver, a equipe foi se acertando jogo a jogo e sabendo lidar com a pressão interna, de si mesmos, externa, da mídia e torcedores, e também de momentos do jogo”, destrincha.

Desabafos de Neymar

Tudo o que o camisa 10 da Seleção Brasileira realiza desde sua lesão no pé tem ganhado proporções cada vez maiores. Pressionado, o jogador chegou a chorar após a vitória diante da Costa Rica, assim como seguiu com o hábito de utilizar as redes sociais para desabafar. “Óbvio que qualquer análise assistindo o jogo é superficial, não é psicologia do esporte, mas de quem observa externamente apenas. Apesar de terem vários comentários ou algumas tentativas de relacionar o choro do Neymar com a Copa passada, vejo uma atitude muito comum diante desse estresse. Um atleta ou qualquer pessoa que sofra uma pressão como a dele pode ter um choro de catarse, um desabafo”, avalia Daniele.

Para Helio, a associação com todo o contexto vivido pelo atleta é fundamental neste processo de compreensão das atitudes do jogador. “Avaliar o comportamento é uma situação delicada, pois não devemos cair no erro de julgar o atleta, mas tentar entender o contexto geral que pode estar influenciando algumas de suas ações ou na maneira como ele é visto. Diferentemente de Copas passadas, onde tínhamos vários ídolos que ‘dividiam as atenções’, como Romário e Bebeto, e Ronaldo ‘Fenômeno’, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, hoje, o principal jogador é o Neymar, indiscutivelmente. Isso centraliza todas as atenções nele, tanto para o bem como para o mal, em uma época onde as redes sociais amplificam ainda mais o sentido das coisas e exigem do jogador de futebol de elite uma sabedoria diferenciada, que poucas pessoas – não só atletas! – têm”, contextualiza Helio.

Neymar chorou em campo após a vitória diante da Costa Rica e usa as redes sociais para falar sobre sua vida e desabafar (Foto: Fifa.com)

“O perfil do Neymar já parece fugir um pouco daqueles com os quais os brasileiros realmente se identificam: da superação – Ronaldo Fenômeno após sua lesão, da humildade, como Gabriel Jesus pintando a rua na Copa passada, e da alegria brasileira, como a do ‘bruxo’ Ronaldinho Gaúcho, que jogava driblando e sorrindo. Somado a isso, algumas atitudes do jogador têm levado torcedores a interpretá-las, vendo-o como um atleta individualista, dramático, polêmico, marrento e até arrogante. E seja como ele for, livre de julgamentos, seu choro na partida contra a Costa Rica evidencia que existe uma angústia e sofrimento com toda a pressão, expectativa e idealização depositada sobre ele. O que podemos questionar é se, talvez, e por imaturidade ou despreparo, o próprio Neymar não estaria dando um ‘tiro no pé’ e aumentando ainda mais essa pressão – inevitável pelo jogador que é – sobre si mesmo, pela forma como ele age. E, em cima disso, pensarmos se ele realmente vem recebendo toda ajuda adequada em relação à saúde mental”, conclui.

Tite e o rodízio de capitães

Duas escolhas de Tite ainda são discutidas durante a Copa. O técnico optou por não contratar um psicólogo do esporte para a participação no Mundial e por promover um rodízio de capitães durante cada jogo da equipe na Rússia. Em relação ao incremento no estafe, Helio e Daniele não atribuem a escolha ao desconhecimento. “Ao contrário do Dunga, que disse um monte de bobagens (em 2014), o Tite respondeu que não havia tempo suficiente para um bom trabalho de psicólogo do esporte, e ele está certíssimo neste ponto de vista. Qualquer trabalho em um tempo menor que um ano seria superficial. Em contrapartida, o Tite tem conhecimento na área, mas não substitui quem tem um olhar completo da psicologia do esporte. E existe um agravante na Seleção de os jogadores se reunirem apenas para a Copa, não terem uma união por um tempo maior”, explica Daniele.

Miranda será capitão pela segunda vez na Rússia (Foto: Fifa.com)

Para Hélio, infelizmente ainda não há, inclusive por questões culturais, a mesma priorização dos aspectos mentais quando comparados aos aspectos físicos. “Por um lado é uma pena, pois, da mesma forma que disponibilizam todas as tecnologias existentes voltadas para o âmbito físico, por que não investir também em todos os recursos cabíveis para o componente mental para os atletas e comissão técnica? E aí teríamos os psicólogos e psiquiatras do esporte trabalhando juntos em um “Departamento de Saúde Mental”, idealmente falando. Por outro lado, temos sorte de possuir um técnico como o Tite, que, de fato, pela sua experiência, dedicação, seu perfil agregador, acaba desempenhando um ‘papel de psicólogo’ e até de ‘coach’, com muita competência – mesmo que de forma leiga.”

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Apesar dos elogios ao comando de Tite, Daniele desaprova a opção pela não fixação de um capitão. “Embora existam explicações dentro da teoria psicológica, não acho possível em um ambiente de tamanho estresse. Se fosse em uma empresa de menor pressão, em que todos podem responder pela equipe, seria diferente. Mas em um nível de cobrança, disposição e mudanças emocionais tão grandes como na Seleção, ter um rodízio é como se o time ficasse sem dono, sem alguém para chamar o grupo em uma situação difícil”, opina.

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