Para especialistas, casos de assédio na Rússia refletem cultura machista brasileira

Para especialistas, casos de assédio de torcedores brasileiros a mulheres na Rússia que viralizaram nas redes sociais mostram ao mundo a cultura machista enraizada na sociedade brasileira


Por Franklin Ribeiro Estagiário sob a supervisão da editora Carla da Hora

04/07/2018 às 04h00- Atualizada 30/08/2018 às 17h02

A cultura brasileira ainda é enraizada pelo machismo, e os recentes casos de assédio que vieram à tona na Copa da Rússia deixam a certeza de que ainda há um longo caminho para a mudança do comportamento do brasileiro. No caso de maior repercussão até agora, na segunda quinzena de junho, um grupo de torcedores brasileiros fez um vídeo com uma russa em que pediam para ela repetir a expressão “b… rosa”, em referência ao órgão sexual feminino, sem que a moça entendesse o que estava dizendo. O vídeo caiu na internet e gerou grande polêmica no Brasil, principalmente por ter generalizado a imagem do brasileiro, e também em vários países, incluindo a Rússia. Outros casos no mesmo tom também pipocaram no país-sede da Copa, e a situação teve várias repercussões.

Para Jaqueline Hansen, Cientista Social, tais atitudes vêm de uma forma de socialização machista da cultura ocidental e da modernidade. (Foto: Arquivo pessoal)

As duas palavras viraram hashtag e deram nome a grupos que já reúnem milhares pessoas, na maioria homens, em aplicativos de mensagens e na rede social VK – espécie de Facebook criado na Rússia e acessado por mais de 30 milhões de pessoas diariamente. A expressão “b… rosa” se tornou uma espécie de gíria entre extremistas russos, que criticam o comportamento das russas que aparecem em vídeos com estrangeiros, responsabilizando-as por cenas de abusos e afirmando que o comportamento delas ofende a “masculinidade dos patriotas”. Uma comunidade on-line do VK também ganhou o nome da expressão.

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Apresentada como uma página de humor, a comunidade expande os abusos através do racismo. Algumas postagens chegam a dizer: “é importante entender que os resultados de tudo isso serão, em primeiro lugar, pragas”; “Os negros trouxeram tuberculose na Olimpíada de 1980, vindo com documentos falsos sem exames médicos ou vacinas”. Em outras postagens, brasileiros e outros latino-americanos são chamados de “macacos” e “imundos”.

As ocorrências expandem o debate público para o campo da intolerância e demonstram que atitudes como essas estão espalhadas pelo mundo e não somente enraizadas no Brasil. Por outro lado, diante de tamanha repercussão, a situação gerou enorme repúdio e declarações solidárias entre as mulheres de diversas partes do mundo.

“Ficou feio”

Para Jaqueline Hansen, Cientista Social, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá, essas atitudes vêm de uma forma de socialização machista da cultura ocidental e da modernidade. Ela diz que o nível de machismo do brasileiro chega a não ser perceptível pela maior parte dos homens, que tratam por resumir a situação com um simples pedido de desculpas. “Muitas vezes os homens nem percebem o nível do machismo. A gente pode ver isso pelo pedido de desculpas: ‘Era uma brincadeira’; ‘ Eu não sabia que ia machucar’. Isso acontece porque o ponto de vista do homem na sociedade é machista e ainda não foi desconstruído”. Ela completa que, como a informação se espalhou rapidamente, o vídeo ganhou força. “Fica feio, já que outras culturas que já superaram o machismo estão vendo isso”, diz Jaqueline.

“Não há espanto”

“Nossa sociedade é vista sob a ótica da cultura machista que alimenta a violência de gênero, que vai desde questões de assédio até o estupro”, afirma Joana Machado (Foto: Arquivo pessoal)

Para quem atua com o tema de relações de gênero, manifestações como essa não causam espanto. “Nossa sociedade é vista sob a ótica da cultura machista que alimenta a violência de gênero, que vai desde questões de assédio até o estupro”, diz Joana Machado, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e integrante do Coletivo Marielle Franco – Mulheres UFJF e da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB-MG.

Segundo Joana, o episódio com a russa gerou um alerta. “Não é só um exagero nas palavras, é um tipo de violência. A mulher foi colocada pra reproduzir algo que ela não entende”, completa Joana, destacando que manifestações desse tipo não são isoladas. Ainda segundo a professora, a crítica a abusos, como o machismo, por exemplo, tem que estar sempre presente e não se pode ser seletivo nessa situação. É preciso problematizar, denunciar e também não deixar que as vítimas se silenciem. “Tem que se prestar atenção no tipo de resposta que está sendo construído. É violência de gênero, não é piada”, conclui.

Demissão e inquérito

Logo após a repercussão do vídeo, uma advogada e ativista russa, Alyona Popova, criou uma petição on-line no site Change.org, para pedir punição aos brasileiros que fizeram o vídeo com insultos a uma mulher estrangeira durante a Copa do Mundo. Popova, em entrevista à BBC News Russian, disse ter encaminhado um pedido, por email, à Embaixada do Brasil na Rússia, perguntando que sanções, pelas leis brasileiras, poderiam ser aplicadas aos autores do vídeo (um deles inclusive já foi demitido pela sua empresa, que considerou sua atitude uma fuga à ética da companhia).

Na opinião da ativista, os brasileiros deveriam fazer um pedido público de desculpas ao povo russo. Segundo a petição, há diferentes artigos na legislação do país que punem quem “publicamente humilha a honra e a dignidade de uma menina ou mulher russa”. Os brasileiros foram identificados e são alvo de inquérito criminal aberto pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-DF). Um dos homens que apareceu nas imagens foi demitido pela empresa na qual trabalhava após a exposição internacional do caso.

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Também são foco de inquérito formal no Ministério do Interior da Rússia, e a polícia de Moscou já iniciou as investigações. Caso sejam considerados culpados, os brasileiros podem sofrer sanções que vão desde multas até a proibição de voltarem a entrar em território russo.

Tópicos: assédio

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