Do Furtado a Paris: B-boy de JF sonha em representar Brasil na estreia olímpica do breaking

Juiz-forano Kelson Gomes, o B-Boy Kels, é atualmente um dos melhores mineiros na dança surgida nos EUA; ex-integrante do projeto Gente em Primeiro Lugar almeja “Copa do Mundo” da modalidade e sucesso na modalidade


Por Bruno Kaehler

03/10/2021 às 07h00

B-boy Kels tem rotina regrada para evoluir no breaking e conquistar o sonho de viver do esporte (Foto: Reprodução Instagram)

O clichê “mais que uma arte e um esporte, um estilo de vida” serve bem para resumir a história de Kelson Gomes (Alouatta), ou B-Boy Kels, como é conhecido no meio do breaking. A modalidade de dança livre foi recentemente confirmada nos Jogos Olímpicos, com estreia já em Paris 2024. Mais do que isso, colore 11 dos 21 anos de vida do juiz-forano morador do Bairro Furtado de Menezes, Zona Sudeste da cidade. E bastaram alguns minutos na pista de skate da Praça Antônio Carlos, no Centro, na produção de vídeo divulgado neste domingo nas redes sociais da Tribuna, para entender como a paixão pelo breaking inspira cada movimento do atleta/artista local.

Kels conheceu o breaking por acaso, ainda muito jovem. “Estava em sala de aula e fiz um passo de dança que eu nem sabia que era de breaking. Meu amigo viu e perguntou se eu sabia dançar, mas eu disse que não. Perguntou se eu queria treinar e aceitei. Como tinha só 10 anos, eu procurava muitas coisas pra ocupar minha semana. Fui fazer aula e também treinava futebol, mas precisava de algo a mais pra ocupar minha semana. E foram as oficinas de breaking. Integrei o Gente em Primeiro Lugar (projeto social da Funalfa) até 2015, porque infelizmente tive que trabalhar. Dá pra viver de dança, mas ainda não tenho uma remuneração com isso. Hoje trabalho em uma oficina com repintura automotiva, de onde tiro meu sustento, o que preciso para viajar e ajudar minha família”, explica o juiz-forano.

PUBLICIDADE

A partir do andamento das primeiras aulas, ele se encantou pelas possibilidades do breaking. “Foi paixão à primeira vista. Se no começo era para ocupar meus dias, fui gostando cada vez mais com o tempo. Meu pai sempre mostrava DVD de danças, mas o interesse mesmo só despertei quando comecei a praticar. Fui me apaixonando, entrei em grupos da cidade e foi incrível”, conta o jovem que também fez três anos de dança urbana e aulas de sapateado. “Queria destacar também o meu professor de breaking, Rafael Toti. Ele que me ensinou a dar meus primeiros passos na dança. Uma pessoa que sempre vou agradecer por tudo que estou vivenciando agora”, ressalta.

Os treinamentos têm sido realizados em casa, sobretudo por conta da pandemia. “Antigamente, eu treinava em espaços culturais da cidade. Em 2015, por exemplo, todo dia eu treinava aqui na Praça (Antônio Carlos, local da entrevista). Pegava um pedaço de madeira, colocava em cima do palco ou da pista de skate e dançava no meio do pessoal. Já treinamos muito na rua também, em gramados”, recorda.

Hoje, o b-boy integra importante crew (grupo de dançarinos) de São Paulo, a Mac Fly Mob. Quando não está trabalhando, treina. “De manhã eu vou para academia, às 6h, na primeira parte das atividades do dia. Tenho um consultor físico, o Odilon Silva, e à noite pratico o breaking. Durante o dia eu trabalho, então não tenho como ficar por conta dos treinos o dia inteiro. Queria muito, mas ainda não dá. Preciso trabalhar para pagar minhas passagens para competir. Quando sou jurado, ainda pagam, mas como atleta, sai tudo do meu bolso”, relata.

‘É uma dança livre’

(Foto: Bárbara Landim)

O breaking, ou break, foi criado pela comunidade negra e latina nos Estados Unidos, ainda nos anos 1970, com o principal objetivo de pacificar as regiões marcadas por confrontos de gangues. Com as danças, os jovens passaram a se distanciar da violência, cedendo lugar para batalhas entre as crews. O estilo, de movimentos livres, era dançado em eventos que dariam origem à cultura hip-hop, composta por quatro elementos artísticos: o próprio break, além do grafite, do MC e do DJ. “Tem várias modalidades na dança, desde o um contra um, o dois contra dois, até em grupos de oito pessoas, por exemplo. E não são apenas batalhas. Também tem pessoas que trabalham com oficinas de breaking, com aulas, espetáculos de dança. São muitas portas abertas para conseguir viver do esporte”, elucida Kels.

No Brasil, o breaking chegou na década de 1980, com novas influências. “É uma dança que nasceu na rua, com muitos movimentos acrobáticos e teve inspiração na capoeira aqui, em saltos mortais. O breaking não tem um certo passo definido. Você cria o seu e passa pra frente. É uma dança livre. E quanto mais você conseguir realizar movimentos autorais, inesperados, cada um consegue se desenvolver de uma forma nele. Cada um dança de um jeito.”

Competições desde 2015

Kels conta que cruzou as fronteiras de Minas Gerais pela primeira vez aos 14 anos de idade, justamente por conta do breaking. “Fui em um evento de Campinas (SP) chamado Tha Battle Of The Year, A Batalha do Ano, um torneio mundial. Não competi porque era muito novo, tímido, tinha vergonha da rapaziada que já possuía um alto nível e eu não tinha nenhum. Mas, além de eu ter gostado da dança, isso me deu mais vontade ainda de voltar pra Juiz de Fora, treinar e chegar ao patamar deles.”

Pouco depois, ele já estaria nos palcos. “A primeira vez que competi foi em 2015, em Cordeirópolis (SP), em uma batalha de crews, sem limite de pessoas. Até o início da pandemia, eu ia todo mês para São Paulo, porque em 2019 entrei para o grupo da Mac Fly Mob. Trabalhamos muito com audiovisual também, fazendo vídeos em YouTube, aberturas de shows. Já fizemos uma produção em parceria com a Asics, por exemplo. Nós mostramos o nosso trabalho e fazemos parcerias”, detalha.

Atualmente ele participa de campeonatos representando o estado como um dos principais nomes da cena mineira, como o deste fim de semana, o Red Bull BC One SP, que reúne os principais dançarinos do país em eliminatória para competição na Polônia, em novembro.

O conteúdo continua após o anúncio

Sobre a cena do breaking em Juiz de Fora, Kels conta que, pela experiência que possui, a modalidade não está do tamanho que a cidade merece. “Pelo que comentam comigo, antigamente tinha muito mais b-boys do que hoje. O pessoal de lá fora não conhece tanto a cena daqui ainda, infelizmente.”

Contrariando as estatísticas

“Moro em um bairro periférico, muito mal falado, com alta taxa de homicídio, mas quero mostrar que lá não tem só elemento ruim. Possui muita gente talentosa e querendo seguir bons caminhos. Sou mais um que está contrariando a estatística, mesmo aos 21 anos de idade. A dança me afastou do crime, me salvou disso.” O importante relato de Kels mostra parte da inspiração do juiz-forano para mudar sua vida com o freestyle nas danças. “Assim como a gente vê o Cristiano Ronaldo, o Lewis Hamilton, meu sonho é bater o recorde das pessoas mais antigas. Com todo o respeito sempre, claro, mas quero treinar para viajar, ganhar os campeonatos mundiais, como a Red Bull BC One, um evento de que conheci quando criança e que sempre quis competir. Existem eliminatórias para finais que te levam, todo ano, a uma competição como se fosse a Copa do Mundo. É como se o b-boy fosse um jogador, e eu trabalho com o sonho de disputar a Copa. Meu sonho é esse e tenho investido tudo o que posso para disputá-lo e viver da dança, meu objetivo principal.”

Para isso, Kels acredita que os próximos anos serão de maior apoio do setor privado. “Preciso conseguir patrocínios, e acho que as coisas podem melhorar agora que o breaking vai estar nas Olimpíadas. Muitas marcas vão querer apoiar, e portas irão se abrir para que a gente possa viver do breaking.”

Enquanto isso, o b-boy se mantém motivado com objetivos traçados. “Para esse ano, minha meta é estar entre os 16 melhores do Brasil. Só de conseguir isso já vou estar muito feliz. Depende tudo da minha preparação, do quanto eu treinar.”

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.