Comércio movimenta R$ 40 milhões em salários por mês

Tribuna faz um resgate da história do setor que se tornou o maior empregador de Juiz de Fora e enfrenta tempos de difíceis atuais com otimismo e confiança


Por Fabíola Costa e Gracielle Nocelli

27/08/2017 às 06h00- Atualizada 21/12/2017 às 16h46

Fabíola Costa e Gracielle Nocelli – Repórteres

Foi no berço da indústria de Juiz de Fora, batizada de Barcelona mineira por Rui Barbosa há quase cem anos, que o comércio de bens e serviços ganhou força. Ao longo do tempo, o setor se consolidou como a principal atividade econômica e social da cidade, sobrevivendo ao sobe e desce dos ciclos econômicos do país. E é nas horas de recessão, com o consumo em baixa, que o segmento revela sua força. Mesmo com a crise que provocou a perda de quase mil empregos entre janeiro e julho deste ano, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o atacado e varejo movimentam R$ 40 milhões por mês em pagamento de salários aos seus mais de 33 mil trabalhadores – o equivalente a 14,68% da renda municipal. Com esses números, ainda é o principal empregador do município, respondendo por 22% da força produtiva formal. São 4.860 estabelecimentos, alguns com as portas abertas há mais de oito décadas. Rui Barbosa esteve em Juiz de Fora em 1919, em visita à construção da sede da Associação Comercial e Empresarial. Na época, Barcelona era a cidade que mais crescia na Europa.

Só o comércio de rua emprega cerca de 33 mil trabalhadores; é no quadrilátero da região central que se concentra o maior volume de lojas (Foto: Fernando Priamo)

O setor que se desenvolveu sob o fomento da cadeia industrial teve no tráfego ferroviário um dos suportes de crescimento. As primeiras práticas de comércio surgiram em 1856, quando a cidade ainda era o povoado de Santo Antônio do Paraibuna, mas foi a movimentação intensa de juiz-foranos e visitantes na Praça da Estação que favoreceu a abertura de lojas, diversificou a oferta de produtos e fez da parte baixa das ruas Halfeld e Marechal Deodoro os principais pontos comerciais da cidade. Após a enchente da década de 1940, teve início a ocupação na parte alta destas ruas, antes residenciais.

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A expansão, primeiro para a parte alta do quadrilátero central, permitiu a formação, principalmente entre as décadas de 1950 e 1990, do chamado shopping a céu aberto, com suas tradicionais galerias interligadas – um traço marcante da urbanidade juiz-forana. “Quando recebemos um turista e damos uma volta pelo Centro, ele fica encantado”, ressalta o presidente da Associação Comercial, Aloísio Vasconcelos. Um diferencial da cidade é exatamente a convivência entre o comércio de rua e as residências na região central. “É por isso que tantos preferem morar no Centro”, avalia Aloísio. “Enquanto os consumidores se beneficiam com a comodidade de contar com produtos e serviços por perto, para o setor é muito positivo ter a população residente no entorno, contribuindo para sustentar o negócio.”

Já o avanço para os bairros possibilitou o surgimento de centros de compras em Benfica, São Mateus, São Pedro, Manoel Honório e Santa Luzia, direcionando a ocupação, atraindo investimentos e contribuindo para o desenvolvimento. De coadjuvante da indústria, o comércio se tornou a principal atividade econômica nas décadas de 1970 e 1980. “Foi quando Juiz de Fora assumiu um papel importante na região. O varejo dos municípios do entorno ainda não estava desenvolvido, e muita gente vinha comprar aqui. Foi a fase áurea, quando as lojas se consolidaram”, destaca o presidente do Sindicato do Comércio (Sindicomércio-JF), Emerson Beloti.

 

Impactos

No momento em que o país inteiro sofreu um processo de desindustrialização, a cidade sentiu. “O comércio foi afetado. As dificuldades levaram à extinção de lojas tradicionais”, lembra Beloti. Para ele, desde então, o segmento tem sentido os impactos negativos da interferência política na economia. “A criação do Plano Cruzado, o congelamento de preços e a inflação alta prejudicaram o setor. O comércio nunca mais prosperou como na época.”

Com a criação do Plano Real e a estabilidade da inflação, na década de 1990, o setor voltou a ganhar fôlego. No cenário local, surgiram shoppings e franquias, que trouxeram mais oportunidades de emprego. No entanto, com o aparecimento do e-commerce, as lojas físicas passaram a sofrer nova concorrência. Outro desafio enfrentado tem sido a alta rotatividade dos funcionários, situação contrária à época áurea do comércio, em que era comum profissionais fazerem carreira no setor.

 

Economia pautada no comércio tem prós e contras

O professor de economia da UFJF Fernando Perobelli observa que a vulnerabilidade do comércio diante das oscilações da economia é uma dificuldade própria do setor. “Num momento de desaceleração como o que vivemos hoje, o comércio é um dos primeiros a sentir o impacto.” Esta também é a avaliação do economista da Fecomércio MG, Guilherme Almeida. “Por lidar diretamente com o consumidor final, o desempenho do comércio está atrelado aos indicadores macroeconômicos.” Com o aumento do desemprego, a queda na renda real, a alta inflação e as elevadas taxas de juros, há recuo na demanda familiar e forte deterioração no resultado do setor.

Marca registrada: rede de galerias que cortam o Centro de Juiz de Fora, criando um verdadeiro shoppping a céu aberto, é um traço marcante da urbanidade local (Foto: Fernando Priamo)

Na avaliação de Perobelli, as dificuldades irão continuar, pelo menos, até o próximo ano. “A tendência é termos crescimentos sazonais de vendas com as datas comemorativas. O fim deste ano também será melhor do que o de 2016. Mas, mesmo assim, a instabilidade política e econômica que se instala até as eleições de 2018 irá tornar o processo de retomada muito lento.”

Perobelli analisa que a modificação da vocação econômica de Juiz de Fora, de industrial para comercial, é uma evolução natural. “A maioria dos municípios passa por esta situação. São Paulo, Londres e Chicago são exemplos de cidades que, no passado, foram industriais e, hoje, nelas, a atividade de comércios e serviços tem maior destaque.” Segundo ele, isto ocorre por conta do processo de crescimento que torna as terras mais escassas e caras. “As indústrias, com exceção daquelas de base tecnológica, precisam de espaço físico para se instalarem.”

A economia pautada no comércio confere vantagens e desvantagens. “É uma atividade que tem evoluído ao longo dos anos. No passado, as lojas de rua, comandadas por famílias, predominavam no comércio local. Com o passar do tempo, chegaram os shoppings e as grandes redes de franquias, que trouxeram diversidade e mais oportunidades de empregos”, exemplifica. Para ele, esta diversificação é responsável por atrair consumidores de toda a região. “Muitos buscam as marcas que não possuem na própria cidade.” A estimativa do Sindicomércio-JF é que Juiz de Fora tem um público potencial consumidor de 2,5 milhões localizados em municípios do entorno.

 

Equilíbrio e diversificação são importantes

Tendo por base o perfil da cidade como polo regional, o economista e professor André Zuchi considera natural que comércio e serviços tenham uma participação maior no Produto Interno Bruto (PIB) municipal, na comparação com o setor industrial. Apesar de o valor agregado nesses segmentos ser menor ante o da indústria, o economista avalia que o segmento é importante para o desenvolvimento local. Na opinião de Zuchi, no entanto, é importante restabelecer o equilíbrio.

“Uma cidade, sendo polo e com a responsabilidade de liderar uma região, tem que preservar a sua matriz econômica, dando a devida importância a todos os setores. É necessária a diversificação, inclusive com um setor industrial forte.” Para ele, Juiz de Fora precisa ser plural, para que exista resultado positivo na geração de emprego e no aumento da renda média. Zuchi defende adoção de estratégias para atração de empresas, em especial as de base tecnológica.

Sobre o comércio, o economista avalia que o segmento necessariamente passará por uma transformação, em função do crescimento do e-commerce. A chegada de grandes shoppings, na sua avaliação, qualifica o setor, trazendo outra linguagem comercial para o empresariado e exigindo uma requalificação do segmento.

 

Peso na base arrecadatória do município

O secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, João de Matos, destaca o peso significativo do setor de comércio e serviços na base arrecadatória do município, equilibrando as forças com a indústria. O segmento responde hoje por cerca de 61,5% do Valor Adicionado Fiscal (VAF) e mantém, em conjunto, mais de cem mil empregos em mais de 25 mil estabelecimentos, considerando os serviços.

De olho nessa importância, garante, a Prefeitura trabalha para fomentar os negócios que gerem emprego. Entre os projetos, João de Matos destaca a requalificação da área central, revitalizando o núcleo e estimulando uma ocupação diferenciada, visando a atrair consumidores às principais ruas do quadrilátero, além das galerias, cuja importância histórica é destacada.

 

‘O comércio vive de eterna esperança’

Reconhecendo as dificuldades atuais, o presidente do Sindicomércio-JF, Emerson Beloti, defende que a capacidade de inovação dos empresários será fundamental para a permanência no mercado. “O cenário muda, e precisamos estar sempre nos reinventando. O diferencial das pequenas empresas é o contato direto, encontrar o dono atrás do balcão. Por isso, a importância de investir no bom atendimento.”

Assim é que comerciantes da Rua São João têm procurado surpreender clientes nas principais datas comemorativas. A proposta é criar ambiência para atrair o público. No sábado, véspera do Dia dos Pais, quem passou pelo local se deparou com a presença de trucks com cervejas especiais e petiscos. No Miss Gay, o calçadão da via foi decorado com colunas de bolas nas cores do arco-íris.

“O diferencial das pequenas empresas é o contato direto, encontrar o dono atrás do balcão. Por isso, a importância de investir no bom atendimento”, Emerson Beloti, presidente do Sindicomércio-JF. (Foto: Felipe Couri)

Essa capacidade de resistência e adaptação é uma das características do empreendedor juiz-forano destacada pelo presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Marcos Casarim. “O comércio vive de eterna esperança. Não podemos perdê-la.”

E foi a esperança de uma vida melhor que despertou o empreendedorismo de muitas famílias naturais da cidade ou juiz-foranas de coração, cujas memórias são exemplo para as novas gerações. Beloti cita o exemplo da própria família, iniciada pelo pai José Beloti de Souza, natural de Descoberto, município distante cerca de 80 quilômetros de Juiz de Fora. Antes de fundar a loja juiz-forana, José trabalhou em sorveteria, foi baleiro de cinema, lavador de pratos e garçom.

Aos 18, começou a trabalhar como representante comercial no Rio de Janeiro e foi exercendo esta profissão que se mudou para Juiz de Fora em 1952. No ano seguinte, casou-se com Maria da Aparecida. “Minha mãe foi esposa e também uma verdadeira sócia. Foi graças aos dois que as coisas aconteceram.”

Depois que José passou a representar produtos como plásticos, estofado e colchões, ele decidiu criar a loja Beloti, em 1967, na Rua Mister Moore. “Meu pai atendia os clientes da região, meu irmão ficava no caixa da loja, e minha mãe passou a dirigir uma Kombi para entregas da Beloti. Isso em 1972, época em que a maioria das mulheres estava restrita a cuidar da casa e dos filhos.”

Emerson enumera outras várias famílias, cuja trajetória foi escrita em torno do comércio e pode ser referência para os novos tempos.

 

‘Nasci numa caixa de sapatos’

Era uma tarde de quarta-feira. Sentado no caixa da loja, Oddone Villar Turolla, 82 anos bem vividos, como ele mesmo diz, conversava com um dos muitos amigos que, todos os dias, faz questão de passar na Casa Orion para bater papo. “Não é só uma loja. É um ponto de referência e de encontro também. Quem quiser me ver vem aqui e me acha.” Oddone recebeu a Tribuna com a simpatia característica, tão cara aos que estão ao seu redor. “Nasci numa caixa de sapatos”, iniciou a conversa, com a mesma seriedade com que lembrou que perdeu visão de um olho aos 7, ao tentar abrir uma caixa com um estilete.

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“O comércio conseguiu sobreviver graças à pujança, ao investimento dos empresários e à força trabalhadora”, Oddone Turolla, 82 anos (Foto: Felipe Couri)

Neto e filho de comerciantes, Oddone seguiu os passos do avô, a quem homenageia com o nome, e do pai, Victório Justo Turolla, que inaugurou, há 87 anos, na Rua Marechal Deodoro, a Orion. O nome da loja, mantido ao longo de tantos anos, deriva da constelação de Órion, com quatro estrelas brilhantes – entre elas as Três Marias, admiradas pelo pai. Os calçados sempre foram o forte da marca, e o material esportivo foi incorporado com o tempo. O negócio de família, que já está na quarta geração, inclui também uma unidade fabril. “Ver que o negócio está nas mãos da família prova que não estou trabalhando até hoje em vão.”

A família de Oddone morava nos fundos da loja, onde cresceu entre as caixas de sapato e as vendas. Quando jovem, trabalhava durante o dia, estudava à noite e ainda encontrava tempo para jogar futebol no time juvenil. Férias? Só três vezes na vida. O empresário sempre gostou de ficar na linha de frente. “Gosto de ter contato com o público, de conversar, do bate-papo.” De uma memória privilegiada, alimentada por fotos em preto e branco, guardadas – e mostradas – com carinho, Oddone lembra que, como o meio de transporte era o trem (ônibus só era usado para viajar para o Rio de Janeiro), os compradores desciam na Praça da Estação e, na parte baixa, encontravam um pouco de tudo do que precisavam. A maioria das lojas funcionava como comércio e moradia também. “Era muito comum, quando fechavam as portas, as famílias colocarem as cadeiras no passeio e conversarem, enquanto as crianças brincavam, jogando futebol.”

 

Memórias

Da loja, o comerciante aponta para a parte baixa da Marechal e enumera, com clareza, onde estavam a Renascença, o Hotel Avenida, a Casa Pinho, a Pavan Casa de Máquinas, a Luminosa e a sede do Banco do Brasil. Na Rua São João, ele lembra da Delmonte, do Bazar São João e das Confecções Rainha. “Hoje, nos fins de semana, o comércio fica às moscas. Antigamente, não era assim. As lojas abriam aos sábados, domingos e feriados – e compensava.” As vendas em dezembro eram uma “loucura”, como diz. Às vésperas do Natal, conta, a família trabalhava até meia-noite e não ceiava, por conta do cansaço após o dia inteiro dedicado às vendas.

 

Momento atual é de renovação

Oddone lembra também do tempo em que era preciso deixar a mercadoria alta, em cima de uma banqueta, porque toda chuva alagava a rua. Ele destaca que não está se referindo à conhecida enchente da década de 1940. “Era um problema sério. A água descia com uma força tremenda. Não dava tempo de subir os produtos”, diz, para logo depois sorrir ao ver a imagem de trabalhadores “nadando” em plena Marechal. Entre os benefícios do progresso, cita, estão as galerias pluviais criadas pelo então prefeito Itamar Franco, que acabaram com o problema.

Segundo Oddone, por Juiz de Fora ter uma indústria forte, os trabalhadores podiam consumir no comércio, diversificado e aquecido. Na sua avaliação, o segmento vive uma renovação, especialmente por conta da chegada das grandes redes varejistas, com grande potencial de negociação, que acabam concorrendo com o tradicional comércio de rua. Apesar das dificuldades enfrentadas – que não são poucas -, Oddone destaca a força do setor nos campos econômico e social. “O comércio conseguiu sobreviver graças à pujança, ao investimento dos empresários e à força trabalhadora.” Com uma vida inteira dedicada às vendas, Oddone não titubeia ao garantir que faria tudo de novo.

 

O início da ocupação na Rua Floriano

Uma das mais tradicionais lojas de Juiz de Fora, que completa 80 anos em 2018, A Luminosa carrega em sua história o pioneirismo da ocupação comercial na Rua Floriano Peixoto. “Construí este prédio para trazer a loja para cá, pois queria sair do aluguel. Naquela época, não havia comércio nesta rua, então, precisei ir à Câmara pedir autorização”, relembra o proprietário Pedro Ladeira Halfeld. Depois disso, outros estabelecimentos se instalaram ao redor, e a rua se tornou um dos principais pontos comerciais da cidade.

Quando criada em 1938, a loja ficava na Rua Halfeld. “As ruas Halfeld e Marechal sempre foram áreas comerciais muito ativas. A parte baixa teve uma história muito forte quando existia o tráfego por estrada de ferro. Nós chegamos a criar uma filial na Praça da Estação”, recorda. “Depois, a movimentação atingiu também a parte alta, onde existiam lojas como Delmont, Pavan e Gattas Bara.” Pedro se tornou único proprietário da Luminosa em 1969, mas sua trajetória no comércio começou muito antes dessa época e revela todas as dificuldades e conquistas de quem teve a vida interligada ao setor.

“Problemas sempre vão existir, é preciso estar preparado para enfrentá-los”, Pedro Halfeld, 85 anos (Foto: Felipe Couri)

Natural de Guarani, a cerca de 70 quilômetros de Juiz de Fora, Pedro se considera juiz-forano de coração. Chegou à cidade aos 8 anos, onde começou a trabalhar em uma barraca de frutas no Centro. “Meu pai vivia do trabalho na roça, e minha mãe cuidava dos oito filhos. Todos nós tivemos que nos virar desde cedo. Já fui entregador de farmácia, baleiro de cinema e engraxate.” Na adolescência e juventude, trabalhou para pagar o segundo grau e a Faculdade de Farmácia.

“Um dia ouvi que o meu estudo não valia de nada, que estava jogando dinheiro fora, pois não trabalhava na área. Fiquei chateado e decidi tentar uma seleção em São Paulo, na cara de pau.” O processo seletivo era para uma empresa francesa de farmácia e bioquímica. “Eram duas vagas e mais de 20 candidatos. Fui com o dinheiro contado, indo diariamente da capital para Santo André de trem. À noite, retornava com muita fome e sentia o cheiro de comida nos restaurantes. Um dia cheguei em um deles e pedi para poder lavar os pratos no final do expediente em troca de uma refeição”, conta emocionado. “Quando vi que o dinheiro havia acabado e estava apenas com o valor da passagem de volta para Juiz de Fora, perguntei ao responsável pela seleção se teria chances de ser contratado, pois não tinha mais como ficar. Ele pediu que eu aguardasse uns minutos e, em seguida, me deu a resposta de que estava aprovado.”

Pedro foi farmacêutico por 13 anos, mas no comando da área de vendas. “Foi a minha segunda faculdade. Aprendi muito sobre administração e gestão, conhecimentos que apliquei nos meus negócios.” O retorno para Juiz de Fora aconteceu quando a mãe adoeceu. “Mas guardo com carinho uma carta que recebi dos executivos da empresa: ‘Seu interesse pelos nossos negócios são dignos de registro e de exemplo para os nossos colaboradores’. A verdade é que sempre fui comerciante, tornei-me farmacêutico por acaso.”

Aos 85 anos, Pedro continua à frente da loja. “Gosto de trabalhar. Cheguei a ter seis lojas na cidade, mas com o tempo vi que estava me consumindo muito.” Pai de três filhas e avô de duas netas, dedica o tempo livre à família e aos amigos. “Gosto muito de um bom samba e uma cervejinha.” Segundo ele, para o comércio sobreviver às oscilações econômicas, é preciso trabalho e observação. “Ouvir os mais experientes e aprender com os caminhos que já foram traçados é muito importante. Problemas sempre vão existir, é preciso estar preparado para enfrentá-los.”

 

De empregado a proprietário: trabalho 24 horas por dia

Para Rogério Galil Silva, 72 anos, o comércio conseguiu unir a vida pessoal à profissional. Foi no setor que ele fez carreira, começando como vendedor em uma joalheria, onde passou a relojoeiro. Mais tarde, aplicou os conhecimentos adquiridos para a abertura do próprio negócio. Proprietário da Galil Jóias, uma das lojas mais antigas existentes na Rua Mister Moore, no Centro, ele hoje realiza o trabalho ao lado da família. Junto com a esposa, Dulcinéia, comanda a matriz, enquanto o filho Vinícius é responsável pela filial, localizada na Rua Halfeld. “O comércio nos permite estar sempre juntos. Passamos por bons momentos, por dificuldades, mas sempre unidos.”

“A gente se adapta, se reinventa para sobreviver”, Rogério Galil, 72 anos (Foto: Marcelo Ribeiro)

Natural de Juiz de Fora, Rogério cresceu com os avós no Bairro Retiro. Aos 17 anos, ingressou no comércio. “Fui trabalhar na Joalheria Farinazo. Comecei no balcão e, depois, tive a oportunidade de aprender a profissão de relojoeiro.” No estabelecimento, permaneceu por quase dez anos. “Juntei meu dinheiro e com a ajuda do meu avô consegui comprar a loja na Mister Moore, em 1971. A rua não tinha quase nenhum comércio, mas era o que eu podia pagar. Onde hoje é o Mister Shopping havia um enorme estacionamento e, ao lado, um posto de gasolina. Na esquina com a Avenida Getúlio Vargas, era um ponto de rodoviária.”

Ele narra que o início da Galil Jóias exigiu esforço e dedicação. “Cheguei a morar na loja e trabalhar 24 horas por dia”, relembra. “Comecei apenas com o serviço de oficina e, aos poucos, consegui colocar meia dúzia de xícaras de porcelana e relógios de pulso à venda.” Ele conta que a loja que comprou havia sido ocupada anteriormente por outra joalheria, o que ajudou a impulsionar os negócios. “Além disso, os vendedores que me conheciam da Farinazo me deram credibilidade. Sou grato a muita gente.”

 

Sobrevivência com otimismo

Rogério diz que acompanhou a evolução do comércio na rua. “A chegada do Mister Shopping, no final da década de 1980, trouxe uma série de melhorias em infraestrutura e uma vida comercial que não existia.” Há dois anos, a Galil Joias mudou-se para uma das lojas de um prédio próximo. “No comércio, a gente tem que aprender a dançar conforme a música. As coisas mudam muito, e as pedras no caminho sempre vão existir. A gente se adapta, se reinventa para sobreviver.” Segundo ele, quase todos os estabelecimentos que iniciaram a ocupação na Mister Moore não existem mais. “Daquela época, só nós continuamos ativos.”

O empresário concorda que foi nas décadas de 1970 e 1980 que o comércio viveu a fase áurea. “Foi uma época próspera. Construí o que tenho naqueles anos. A gente trabalhava e conseguia obter retorno. Depois, as coisas mudaram muito, principalmente, pela interferência da política na economia. As lojas que trabalham com produtos mais supérfluos sentiram bastante.” Nos últimos anos, precisou reduzir o quadro de funcionários. “Nós já passamos por outras crises e sabemos que depois de uma fase difícil vem um momento bom. A gente vive sempre com esperança.”

Para ele, o otimismo é um dos segredos para o comércio se manter vivo. “A experiência de mais de 50 anos no setor me permitiu entender que os momentos difíceis sempre vão existir, e é preciso enfrentá-los sem medo.” Com o suporte da família, Rogério acredita que fica mais fácil. “Casei em 1976 e trouxe minha esposa para trabalhar comigo. Ela é meu braço direito, metade do esquerdo e minhas duas pernas”, brinca. “O comércio me deu mais que uma profissão, é a extensão da minha casa, da minha família. Temos profissionais que estão com a gente há mais de 30 anos. É muito emocionante viver essa história.”

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