Salário mínimo de R$ 1.320 ainda depende de negociações
Aumento com ganhos reais para trabalhadores pode gerar processo de ‘inflação inercial’, avaliam economistas
Considerada uma promessa de campanha do então candidato e atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o aumento do salário mínimo para R$ 1.320 ainda é alvo de incertezas e discussões entre o Governo federal e as centrais sindicais brasileiras. De acordo com informações da Agência Brasil, ainda que esse valor já esteja previsto no Orçamento de 2023, a falta de garantia da existência de recursos disponíveis para o pagamento do aumento tem impedido que a União bata o martelo nesta questão. O último reajuste no mínimo, entretanto, foi decretado em dezembro pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e começou a valer no dia 1º de janeiro de 2023, quando o valor saltou de R$ 1.212 para R$ 1.302, representando um aumento percentual de 7,43%.
Ao contrário do movimento adotado em toda a administração anterior, que reajustou o salário mínimo apenas com base na inflação acumulada no mesmo período nos anos em que esteve à frente do poder, o mais recente aumento do mínimo chegou a ser superior à inflação acumulada desde o último reajuste, aferida em 5,81% pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Desta forma, mesmo que as discussões entre o Governo federal e as centrais sindicais determinem um novo aumento, o valor atual de R$ 1.302 já representa um ganho real de aproximadamente 1,5% em relação à quantia anterior, conforme explica o economista da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernando Agra.
“Ainda que o Governo federal deseje alcançar o valor de R$ 1.320 no salário mínimo, o valor vigente já representa um ganho real aos trabalhadores. Por um lado, ao mesmo tempo em que esse aumento acima da inflação venha a aumentar o poder de compra da população mais pobre, essa política tende a ser insustentável a longo prazo, tendo em vista a existência de uma massa salarial maior sem que exista, entretanto, uma contrapartida no aumento da produtividade dos trabalhadores em nosso país. Desta forma, podemos dizer que a balança não fica equilibrada”, avalia Agra, que também indica que o mesmo movimento pode gerar uma condição de “inflação inercial”, quando existe um processo de realimentação dos preços na maioria dos itens devido ao repasse do aumento dos custos de produção.
Sindicatos defendem retomada de política de valorização do salário mínimo
Sendo uma parte indissociável nas discussões relacionadas ao aumento das remunerações básicas, as centrais sindicais brasileiras defendem a retomada de políticas que valorizem o salário mínimo. O tópico foi considerado uma das principais pautas reivindicadas pelos movimentos sindicais na Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada em abril de 2022. Em um documento entregue a todos os candidatos ao Palácio do Planalto no último ano, as entidades defenderam a instituição de “uma política de valorização do salário mínimo, que assegure a recomposição da inflação e um considerável aumento real para que, no médio prazo, o piso nacional seja capaz de atender às necessidades vitais básicas dos trabalhadores e trabalhadoras e de suas famílias, conforme definido na Constituição”.
Em nota enviada à Tribuna por meio de sua assessoria, o presidente nacional da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antonio Neto, que também esteve presente no Conclat, reafirmou a posição defendida pelas entidades sindicais ao Governo federal. “A CSB defende a aplicação da política de valorização do salário mínimo exercida em governos anteriores, que considerava a soma do INPC acumulado mais o valor do PIB de dois anos anteriores. Desta forma, chegaríamos assim a algo próximo dos R$ 1.320. Vamos buscar com diálogo junto ao presidente Lula e aos ministros Marinho e Lupi para que esse novo reajuste aconteça”, assegurou Neto, que também defendeu que a política de ganhos reais no salário mínimo também contribui para o aquecimento do mercado de consumo interno e a geração de empregos.
Para economista, ausência de reajuste no Imposto de Renda prejudica população mais pobre
Ainda que o aumento do poder de compra seja um dos principais pontos defendidos por aqueles que argumentam pela recomposição de ganhos reais no salário mínimo, a mesma condição tende a gerar outro problema que não é revisto há anos. De acordo com o economista Weslem Faria, a ausência de revisões ou reajustes na tabela do Imposto de Renda (IRPF) tende a prejudicar os próprios trabalhadores beneficiados com os reajustes no salário mínimo.
“Na previsão orçamentária de 2023, não está prevista uma correção na tabela do Imposto de Renda. Ou seja, esses aumentos no salário mínimo acabam por empurrar, cada vez mais, que trabalhadores entrem na faixa de recebimentos anuais não isenta. Isso significa que, de certa forma, cada vez mais teremos trabalhadores que recebem menos pagando mais impostos. Com um salário mínimo e meio, praticamente, o trabalhador já começa a ter que declarar e pagar o Imposto de Renda”, revela. Isso porque o valor de rendimento anual máximo para o trabalhador ficar isento do Imposto de Renda é de R$ 28.559,70 por ano, o equivalente a cerca de R$ 2.380 por mês.
Por outro lado, o economista também afirma que os reajustes criam um “efeito cascata” diante de toda complexidade e grandiosidade das folhas de pagamento públicas e privadas. “Existe também, por outro lado, um efeito compensatório neste possível aumento com ganho real do salário mínimo, ao ponto de que a arrecadação do Governo federal também aumenta consequentemente. O porém, entretanto, é que justamente esses aumentos valem para toda a base de empregados do país, sejam eles funcionários públicos, do setor privado, ou até mesmo os beneficiários e aposentados do INSS”, alerta Faria.