Redução do ICMS em serviços de telecomunicação deve gerar desconto na fatura

Em Minas Gerais, alíquota passou de 27% para 18% após serviços serem considerados essenciais, e abatimento nas contas é obrigatório desde o ano passado


Por Tribuna

16/03/2023 às 08h04- Atualizada 17/03/2023 às 09h33

Desde os primeiros meses de 2023, as faturas de serviços de telefonia e internet vêm apresentando redução de cerca de 9% no valor. A medida, que era para ter sido adotada ainda em 2022, tem relação com o desconto no preço do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que começou a ser repassado aos consumidores após o serviço passar a ser classificado como essencial no ano passado. Apesar disso, a Tribuna verificou que apenas neste ano as prestadoras de serviço de telecomunicação implantaram os descontos de forma oficial nas faturas dos consumidores da cidade.

Em junho de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou a Lei Complementar 194/22, que passou a considerar bens e serviços sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo como essenciais. Com isso, os 26 estados e o Distrito Federal ficaram proibidos de cobrar uma alíquota acima da mínima, que era de 17% ou 18%, dependendo da unidade da federação. Em Minas Gerais, um decreto assinado pelo governador Romeu Zema (Novo) em setembro daquele ano estipulou a redução da alíquota de 27% para 18%.

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A lei também prevê que o desconto gerado por essa redução no imposto seja repassado integralmente ao consumidor final. No entanto, no que diz respeito às empresas de telefonia, o desconto na fatura demorou a acontecer. Tanto que, em setembro do ano passado, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) emitiu um comunicado às operadoras determinando o desconto imediato aos seus consumidores. Caso contrário, elas estariam sujeitas a multa de até R$ 50 milhões se comprovado o descumprimento da decisão.

A Tribuna teve acesso a contas telefônicas de consumidores das principais operadoras de telecomunicação em Juiz de Fora. Nelas, o que se pode perceber é que o desconto do ICMS passou a ser informado a partir dos meses de janeiro e fevereiro. Em dezembro, muitas das faturas não vieram com o desconto indicado como relativo ao ICMS. Em outros casos, houve descontos indicados como ‘especiais’ ou com outros termos, sem relação direta com o imposto.

Em uma dessas contas, relativa ao mês de fevereiro, o valor total a ser pago era de R$ 32,49. No detalhamento da fatura, a operadora descontou R$ 5,01 referente ao desconto do ICMS, com o abatimento explicitado no documento. Já em outra, cujo valor total era R$ 96,99, a redução do ICMS foi de R$ 10,30. No entanto, é difícil perceber um padrão no desconto aplicado pelas operadoras. Em uma fatura de serviço de internet referente a janeiro, por exemplo, cujo valor original era de R$ 57,64, o desconto do ICMS foi de R$ 26,55, o que representa cerca de 46% da conta. O valor pode indicar desconto retroativo do imposto, devolvido pela operadora ao consumidor. No entanto, essa manobra não foi explicitada.

A Tribuna questionou a Claro, a Tim e a Vivo acerca de como tem sido feito o repasse do desconto aos assinantes de serviços de telefonia e internet. Em nota, a Tim afirmou que “procedeu com a redução da alíquota do ICMS para 100% de sua base de clientes. No mês de fevereiro, foram feitos os ajustes relativos aos valores referentes aos meses entre a promulgação da lei e o início do repasse, em outubro de 2022. O ajuste será percebido pelos clientes de acordo com cada ciclo de fatura”. Já a Vivo afirmou que atuou no desenvolvimento e ajuste técnico de múltiplos sistemas, com processamento plano a plano. Em nota, a empresa afirmou que, no momento, esses ajustes estão “em fase de finalização”. A Claro chegou a retornar o e-mail da Tribuna dizendo que iria apurar as questões, mas não se posicionou acerca das demandas apresentadas até o fechamento desta edição.

Percentual do desconto pode variar

A economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni, explica que não é possível definir um percentual fixo no desconto das faturas, visto que não é informado quais outros impostos estão embutidos nos valores que já vêm fechados na conta. “Não há um padrão, mesmo comparando contas que já estão vindo com o desconto. A gente parte do pressuposto que é a empresa de telefonia que calcula o percentual a ser abatido da conta.” A estimativa que se tem, portanto, é que o desconto fique em torno de 9%, que é a diferença que foi determinada na redução de 27% para 18% na alíquota do ICMS.

Com a redução do imposto, as empresas estão deixando de contribuir com valores milionários ao Estado, dinheiro esse que poderia ser investido em infraestrutura, educação, entre outras ações públicas. Carla Beni explica que, ao não repassar essa redução do ICMS ao consumidor, as empresas podem ser acusadas de enriquecimento ilícito. “No despacho da Anatel fica bem claro que a demora do repasse dos valores, causando dano imediato ao consumidor, pode caracterizar enriquecimento ilícito das prestadoras de serviços de telecomunicações.”

Questionada, a Anatel respondeu, em nota, que a definição das alíquotas do ICMS fica a cargo do governo dos estados. Já os valores e bases de cálculos do ICMS nas faturas é de responsabilidade das empresas, cuja fiscalização é de atribuição das respectivas secretarias de fazenda estaduais. Sobre os atrasos, a agência afirmou que, desde a publicação da medida cautelar, tem acompanhado os procedimentos adotados para a realização da devolução, bem como o número de reclamação dos consumidores encaminhados aos canais de comunicação da Anatel. “O monitoramento das respostas às reclamações registradas nos canais da agência tem se dado de maneira detalhada, com sensível melhora da conduta das prestadoras e queda da quantidade de reclamações sobre o tema, sem prejuízo da adoção de novas medidas específicas caso seja necessário.”

Repasse integral é um direito do consumidor

Conforme relato de consumidores, uma prática que tem sido adotada por algumas operadoras é a tentativa de mudança de plano para compensar o desconto gerado pelo ICMS. A prestadora de serviço oferece mais internet, por exemplo, para compensar o desconto de 9% que teria na fatura. Isso, no entanto, trata-se de uma prática ilegal. Como explica a advogada do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Camila Contri Leite, o repasse do benefício de redução dos impostos tem que ocorrer de maneira integral aos consumidores e diretamente no valor da fatura, ainda que haja a necessidade de pagamento retroativo. “O benefício deve necessariamente ser repassado por meio de redução do valor final da fatura e sem necessidade de alteração do plano. Caso o repasse não seja integral, poderia estar caracterizada cobrança indevida e enriquecimento ilícito.”

Caso o benefício não seja repassado, o consumidor pode registrar reclamações nos canais de atendimento da Anatel, tanto em seu site quanto no telefone 1331. Este é o canal de monitoramento do cumprimento da medida cautelar por parte desta autoridade. O consumidor também pode recorrer a reclamações em órgãos de defesa do consumidor, como nos sites dos Procons e na plataforma consumidor.gov.br.

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Serviço essencial

A lei complementar que determinou os serviços de telecomunicação como bens essenciais foi aprovada pelo Congresso Nacional com o apoio do então presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL). A norma resultou na queda imediata nos preços dos combustíveis e na conta de luz, e foi considerada por especialistas como uma manobra para abaixar a inflação e elevar a aprovação durante a campanha de Bolsonaro, que estava em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O advogado tributarista, Tancredo Aguiar, explica que, historicamente os serviços de telecomunicações, assim com o próprio serviço de energia elétrica e combustíveis, são “supertributados”. “Falar ao telefone e tudo aquilo que é correlacionado às telecomunicações já é mais do que essencial, claro que não para sobreviver, mas para trabalhar, para aprendizado, e diante de tudo isso, esses serviços estavam tendo uma aplicação muito alta do ICMS. No Brasil, os tributos têm que estar de acordo com o nível de essencialidade. Os medicamentos por exemplo, que são essenciais para a saúde, precisam ser menos tributados que o cigarro, que é um artigo que traz malefícios à população.”


(Errata: por um equívoco da reportagem da Tribuna, foi creditada ao advogado tributarista a informação que os medicamentos precisam ser mais tributados do que o cigarro, e não o contrário. A correção foi feita às 8h55. Pedimos desculpas pelo ocorrido.)

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