Mudanças na economia refletem no bolso dos juiz-foranos
Queda de juros e alta do dólar impactam preços, acesso ao crédito e rendimento da poupança; especialistas orientam cautela no consumo.
Nos últimos dias, a economia nacional passou por alterações intensas. A taxa básica de juros (Selic) sofreu mais um corte, indo de 4,5% para 4,25% ao ano, e atingiu a mínima histórica. O dólar disparou e chegou a R$ 4,37 na quinta-feira, a maior cotação já registrada. Ambas as situações impactam diretamente a vida e o bolso dos juiz-foranos. Se, por um lado, os juros baixos tornam o crédito mais acessível, por outro, diminuem a rentabilidade de aplicações, como é o caso da caderneta de poupança. A alta do dólar, por sua vez, é responsável por desencadear aumento de preços ao consumidor, que podem ser sentidos na alimentação, no transporte, na saúde e no turismo. A expectativa é que este cenário econômico seja mantido pelos próximos meses, por isso, é fundamental compreendê-lo para tomar as melhores decisões com relação ao dinheiro.
A redução da taxa Selic foi definida durante a primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 2020, realizada no dia 5 de fevereiro. Este foi o quinto corte consecutivo desde julho do ano passado, quando a taxa estava fixada em 6,5% ao ano. A medida tem como principal proposta incentivar o consumo. A queda da Selic influencia diretamente outras taxas de juros, como cheque especial, cartão de crédito e empréstimos. Logo, quando ela reduz, o crédito fica mais barato. Em contrapartida, o país se torna menos atrativo para os investidores estrangeiros. Assim, o dólar fica mais escasso e, consequentemente, mais caro.
Além do efeito esperado pelo corte na taxa de juros, outros fatores contribuíram para a escalada da moeda norte-americana. No âmbito internacional, o aumento dos casos de infecção pelo coronavírus intensificou o clima de insegurança entre investidores. Na esfera nacional, o dólar reagiu à polêmica fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o assunto. Durante evento em Brasília, na última quarta-feira (12), ele afirmou que “o câmbio não está nervoso, ele mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada”.
Poupança
Os reflexos do momento econômico são sentidos pelos juiz-foranos. Quem tem dinheiro aplicado na poupança viu o retorno financeiro diminuir bastante. “Quando a Selic está abaixo de 8,5%, a poupança rende apenas 70% dela”, explica a professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Fernanda Finotti. Na prática, com a Selic a 4,25%, isto significa que quem optar pela caderneta terá retorno de cerca de 3% ao ano.
Avaliando o rendimento como “baixíssimo”, a especialista explica que, mesmo o fato de a poupança ser isenta do Imposto de Renda, não a torna mais atrativa. Fernanda analisa que, se a inflação ficar acima de 3%, há redução do poder de compra. “No momento, é melhor buscar outras alternativas.” Ela alerta que os investimentos em renda fixa que também possuem o rendimento atrelado à Selic, como é o caso dos títulos públicos do Tesouro Direto, não são boas opções. “É melhor correr mais riscos investindo em renda variável e garantir maior retorno financeiro.”
Momento é propício para pagar dívidas
A queda de juros tem como principal proposta incentivar o consumo, mas especialistas alertam que é preciso cautela. “Com as aplicações financeiras rendendo pouco, como é o caso da poupança, e a oferta de crédito mais acessível, muitas pessoas podem optar em não guardar dinheiro para gastá-lo”, analisa a professora Fernanda Finotti. “Mas esta é uma decisão perigosa. A economia ainda está debilitada de várias formas. Há muitas pessoas superendividadas, o nível de desemprego é alto e há muita incerteza. O ideal é frear o consumo, quitar as dívidas e limpar o nome.”
Em Juiz de Fora, há 110 mil pessoas com nome negativado, conforme dados da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL-JF). De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Educação Financeira (Abefin), Reinaldo Domingos, o momento é propício para sair do vermelho. “O ideal é conversar com os credores e buscar uma renegociação com juros mais baixos”, aconselha. “Antes de realizar qualquer compra, também é importante analisar se é realmente necessário. Não vale a pena tomar crédito para se complicar depois.”
Ele ressalta que quem realizou empréstimos de médio e longo prazos, como financiamento de casa e automóvel, pode buscar a reparação dos contratos que foram firmados sobre juros maiores. “É uma boa hora para fazer a portabilidade e pagar menos.”
Do pão às viagens, dólar impacta preços
A alta do dólar traz efeitos em cascata. Alguns setores sentem o impacto de forma imediata, como a panificação e o turismo, outros em médio e longo prazos. “O trigo é comprado no dólar, por isso, o pão é um dos primeiros produtos afetados quando a moeda fica mais cara. Estamos muito temerosos, pois, além da questão do preço, também enfrentamos uma escassez da produção”, explica o presidente do Sindicato das Indústrias da Panificação e Confeitaria de Juiz de Fora (Sindipan-JF), Heveraldo Lima.
Segundo ele, se o trigo sofrer um “aumento excessivo” será difícil absorvê-lo. “O dólar vem encarecendo há um tempo, e nós não estamos repassando ao consumidor para não diminuir as vendas. Mas não sei até quando conseguiremos suportar. O trigo representa um dos principais gastos das padarias”, justifica. “A nossa esperança é o dólar recuar.” Na cidade, há cerca de 300 padarias, responsáveis por cerca de quatro mil empregos diretos, conforme o Sindipan-JF. O preço do quilo do pão francês varia de R$ 9,90 a R$ 16,90.
No turismo, o impacto imediato consiste no encarecimento de viagens ao exterior. A tendência é que os consumidores troquem os destinos internacionais pelos nacionais, como explica a economista da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Minas Gerais (Fecomércio-MG), Bárbara Guimarães. “Esse movimento pode ser considerado positivo, pois contribui para o aquecimento da economia brasileira, sobretudo, em segmentos como transporte, hotéis, restaurantes e agências de viagens, dentre outros.” No entanto, se esta movimentação perdurar, a tendência é que as viagens nacionais também passem a custar mais caro.
Bárbara destaca que o comércio sente a alta do dólar em duas etapas. “Inicialmente, os empresários identificam aumento de preços nos produtos e insumos importados. O repasse aos consumidores não é feito de forma instantânea, dado que a economia ainda se encontra instável. Para não prejudicar as vendas, os empresários optam por diminuir a margem de lucro ou não repor o estoque. A longo prazo, o repasse se torna inevitável.”
Combustível
Outro possível impacto é o aumento de preços do combustível. “O petróleo é cotado em dólar”, explica a professora da Faculdade de Economia da UFJF, Fernanda Finotti. “Nós transportamos tudo por meio rodoviário, se a gasolina ficar mais cara, os efeitos serão abrangentes.”
Especialistas orientam controle financeiro
O cenário exige, mais do que nunca, controle financeiro. Quem possui algum dinheiro economizado pode buscar informações sobre investimentos com maior rentabilidade em comparação com a poupança. Os fundos multimercado, imobiliários e de ações são apontados como as melhores opções. “Além de conseguirem rendimentos muito interessantes, que podem chegar a até 20% ao ano, estes fundos têm gestão profissional, o que torna o processo mais fácil”, diz Fernanda Finotti.
Quem ainda não tem dinheiro economizado deve analisar a realidade financeira para definir quais medidas serão tomadas. A especialista em finanças comportamentais Aline Soaper alerta que, para ter controle financeiro, é necessário mudar os hábitos com relação ao dinheiro. “O brasileiro não tem o costume de poupar, e investir ainda é um obstáculo para a maioria. Precisamos aprender a viver com menos e pensar no futuro.”
Se as contas estiverem no azul, este é o momento de começar a economizar. “O primeiro passo é reservar uma parte do recebimento. Quem consegue poupar e investir, pelo menos, 10% de tudo o que ganha, a longo prazo terá mais qualidade de vida e conforto porque abriu mão de um prazer no presente para ter uma recompensa no futuro”, diz Aline.
Quem está endividado deve priorizar o pagamento das dívidas. “É preciso entender qual o motivo do endividamento. É desorganização? Descontrole? Foi uma situação isolada ou é recorrente? Com base nessas respostas, a pessoa vai traçar um plano para sair dessa situação. É preciso mapear todas as dívidas e escolher qual pagar primeiro, levando em consideração as que são mais perigosas. A renegociação, no momento de juros mais baixos, é uma boa opção.”
Aline também orienta as pessoas que perderam o emprego. “Quem foi demitido e possui reserva financeira para se manter por seis meses passa por essa situação com mais tranquilidade e pode usar o dinheiro da rescisão para empreender em algo que tenha pouco risco, caso já tenha alguma habilidade”, diz. “Mas se não tiver reserva alguma, a prioridade é garantir que o valor da rescisão dure pelos próximos seis meses, que é o tempo médio necessário para se recolocar no mercado de trabalho.”