Preço de alimentos triplica em JF
Além da necessidade – consciente ou forçosa – de alterar hábitos para economizar água, o consumidor já percebeu, nas gôndolas e no bolso, os efeitos práticos da crise hídrica que preocupa o país. Em Juiz de Fora, o preço de alimentos chegou a triplicar de um ano para o outro. Além do comportamento do mercado, a dificuldade de irrigação de culturas tem reduzido a quantidade e comprometido a qualidade dos produtos que chegam à mesa. Por enquanto, o efeito imediato concentra-se no preço, mas pode evoluir para o desabastecimento, caso o período de chuvas, iniciado tardiamente, permaneça aquém do esperado e necessário.
A Tribuna comparou os preços médios praticados na Ceasa/JF nos boletins dos dias 29 de janeiro deste ano e 30 de janeiro de 2014 e identificou produtos cujo custo mais do que dobrou de um ano para o outro. A romã foi a recordista da lista (206,2%), seguida por batata lisa (150%), salsa (100%) e pepino caipira (100%). Entre os dez mais estão, ainda, abacate (77,7%), banana (77,7%), limão siciliano (75,5%), uva itália (75%), abóbora (66,6%) e gengibre (56,8%). Em contrapartida, houve alimentos que ficaram mais baratos, como couve chinesa (-50%), melão (-48,5%), coco (-43,5%), maracujá (-42,8%), pinha (-41,3%), manga ubá (-40%), farinha de mandioca (-37,5%), mamão (-35%), abobrinha (-33,3%) e vagem (-33,3%), conforme o quadro.
Na avaliação da CeasaMinas, apesar da estiagem, a oferta de hortifrutigranjeiros no atacado subiu 4,7% em janeiro ante igual mês do ano anterior. Em média, os preços subiram 7,8% no estado, tendo como justificativa a entressafra de produtos importantes na mesa do consumidor. “Em 2015, a entressafra de batata, tomate e cebola está mais forte. Estes alimentos estão com a oferta reduzida, mas os outros produtos permitiram que a oferta crescesse”, considerou o chefe da Seção de Informações de Mercado, Ricardo Martins. Em média, as frutas ficaram 2,8% mais baratas no período avaliado. Na lista dos dez alimentos que apresentaram maior queda nos preços de um ano para o outro em Juiz de Fora, seis são frutas.
Para o gerente da Ceasa/JF, Vinícius Dias Barros, a crise hídrica não afetou muito o mercado local, mas há a possibilidade de que isso aconteça, caso a escassez de chuvas permaneça. “Estamos até com algum receio. Em Contagem, a previsão é que, se continuar do jeito que está, pode faltar produto a partir de agosto.” Conforme o gerente, a região de Barbacena é uma das principais fornecedoras de Juiz de Fora. Lá, diz, a falta de água não foi considerada grave, minimizando os reflexos no mercado local. Segundo Vinícius, o tomate é o carro-chefe da mesa brasileira, assim como a construção civil é considerada o termômetro da atividade econômica. Por enquanto, o fruto apresenta queda média de 25%. Outro alimento destacado pelo gerente é a batata, que subiu 150% na cidade. Na sua opinião, as folhosas devem ser as primeiras a apresentar queda de qualidade. Ele pondera, no entanto, que, se começar a chover intensamente, tudo pode mudar.
Na opinião do presidente da Associação de Produtores da CeasaMinas/Juiz de Fora, Élcio Miguel Ferreira, o prejuízo em Barbacena foi menor ante o de outras cidades da região, como Guiricema, Ubá e Tocantins, por serem municípios mais quentes. Segundo Élcio, a maioria dos produtores conta com captação de água própria, geralmente nascentes nas propriedades, restringindo o prejuízo ao período de chuvas atípico. “É o terceiro ano que chove pouco. Não serão duas ou três semanas de chuva que vão reverter o quadro.” Apesar de a produção ser considerada satisfatória, Élcio já identifica perdas em qualidade.
Risco real
Para o presidente do Sindicato de Produtores Rurais de Juiz de Fora, Domingos Frederico Netto, o risco de alguns produtos faltarem nas prateleiras é real. Na sua opinião, a redução da água disponível para irrigação prejudica a qualidade e impacta os preços há várias semanas. O tomate, mais uma vez, foi citado além das verduras de folha, que precisam de mais água durante o cultivo. Na avaliação de Domingos, a entressafra este ano está mais “agressiva”. “Todo ano temos problema de excesso de água que estraga as plantações. Esse ano foi o contrário.” Conforme o presidente, o município responde por cerca de 30% do abastecimento local. O restante, segundo ele, vem da região de Petrópolis e cidades da região, como Tocantins, Guarani, Ubá, Visconde do Rio Branco e Barbacena.
A Associação Mineira de Supermercados (Amis), por meio de sua assessoria, avalia que a estiagem não prejudicou estados com grande volume de produção e que abastecem o mercado mineiro. Os prejuízos, explica, teriam se concentrado em culturas de ciclo rápido como os hortifrutis.
Crise no abastecimento eleva custo de vida
A crise no abastecimento de água já refletiu no custo de vida do brasileiro. Segundo o Custo de Vida por Classe Social (CVCS), apurado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio/SP), enquanto os preços de produtos e serviços cresceram em média 6% no acumulado de 2014, o subgrupo refrigerante e água mineral registrou incremento de 13,3% no período. Em 2013, a elevação foi de 6,73%. Os subitens somados levaram ao impacto de 0,1 ponto percentual no total do índice em 2014. Em 2013, a contribuição foi de 0,08%.
Na avaliação da Fecomércio/SP, além de encurtar o poder de compra das famílias, tanto a água como a energia são essenciais para a sobrevivência humana e para o setor produtivo. A avaliação é que, este ano, os preços desses bens essenciais tendem a se manter elevados até que exista reversão da atual situação.
Cesta básica regional
Em Juiz de Fora, apesar de a cesta básica regional (os produtos mais consumidos na Zona da Mata) ter subido quase 10% de um ano para o outro, de R$ 263,53 em 31 de janeiro de 2014 para R$ 289,79 na pesquisa mais recente (29 de janeiro deste ano), o coordenador de Pesquisas da Secretaria de Agropecuária e Abastecimento (SAA), Júlio Alvarenga, avalia que a cesta agrega poucos produtos que sofrem impacto imediato da crise hídrica. Na comparação semanal, a alta foi de R$ 4,01 impulsionada por produtos, como o leite tipo C (20,82%), a banana prata (18,32%) e o alho (8,32%). Na semana anterior, o valor da cesta básica regional era de R$ 285,78.
Alvarenga avalia os efeitos globais da crise hídrica. Com a falta de chuvas, explica, o produtor que precisa usar mais água requer maior consumo de energia, se não elétrica, a diesel, cujos custos foram majorados em função da alta dos combustíveis. Também em função da escassez de chuvas, as plantas ficam mais suscetíveis a fungos, sendo necessário utilizar mais fungicida, com preço atrelado ao dólar, altamente volátil. “Essa produção cara será transportada com petróleo reajustado, gerando uma combinação em cadeia.” Na sua opinião, o consumidor deve continuar absorvendo altas nos alimentos por um período que chega a 50 dias.
Comércio e indústria consomem 13%
Dos cerca de 2,4 milhões de metros cúbicos de água consumidos por mês em Juiz de Fora, 81,3% são da categoria residencial, 10,5% comercial, 2,5% industrial e 5,7% pública. Atualmente, há 205.563 unidades consumidoras (economias) residenciais, 23.126 comerciais, 689 industriais e 1.689 públicas. O rodízio no abastecimento de água, por considerar região e não categoria, atinge todos os segmentos de forma igualitária, explica a Cesama. A estimativa é que a medida já tenha levado à redução de 6% no consumo, ante igual período do ano anterior.
Conforme a Cesama, há vários usuários (indústrias, escolas, hoteis e clubes) com fonte própria de abastecimento, em especial poços artesianos. A outorga para uso de fontes alternativas, o controle e a fiscalização são de responsabilidade do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). A companhia informa que não dispõe de cadastro completo sobre estas concessões. “O problema relacionado a esta prática é que, em muitos casos, não há controle da qualidade da água consumida, gerando risco à saúde pública, principalmente em locais onde há grande número de pessoas, como escolas e clubes.” Segundo a Cesama, nem sempre há outorga para exploração destas fontes alternativas, e o esgoto gerado é lançado na rede sem a devida cobrança. “Há casos em que há a “mistura” de água fornecida pela Cesama com águas de qualidade duvidosa, o que é proibido.” A avaliação é que, de forma geral, a prática não prejudica o abastecimento dos demais consumidores da cidade.
O presidente da Fiemg Regional Zona da Mata, Francisco Campolina, comenta que as grandes empresas captam água diretamente do Rio Paraibuna e do Ribeirão do Espírito Santo e, conforme prevê a outorga, precisam “devolver” a água, na forma de efluentes líquidos industriais, em melhor estado do que quando foi retirada. “Temos ainda uma reserva hídrica suficiente para a produção. Não houve impacto nas grandes empresas.” Campolina cita que há empresas que reciclam 100% da água utilizada, enquanto outras mantêm estações de tratamento de esgoto, garantindo o retorno adequado.
Nas pequenas e médias que utilizam o abastecimento da Cesama, a avaliação é que, por enquanto, o rodízio não comprometeu as atividades. Os setores de lavanderia e tinturaria, por terem a água como insumo, estão entre os principais consumidores. Nestes casos, explica Campolina, caso exista aumento do preço ou corte do fornecimento haverá aumento do custo de produção, repassado ao consumidor. A regra vale para malharias, fiações e tecelagens que, juntas, empregam quase cinco mil pessoas na cidade, calcula o presidente. Para Campolina, o encarecimento do produto final pode impactar as vendas e levar a demissões.
Após as pancadas de chuva registradas nos últimos dias em Juiz de Fora, as três represas que abastecem o município apresentaram elevação nos seus níveis de acumulação. Na Represa Dr. João Penido, a capacidade total de abastecimento subiu de 33% para 36% até quinta-feira. Já a Represa de Chapéu d’Uvas registrou aumento de 41% para 43%, enquanto a Represa de São Pedro subiu de 80% para 83% no mesmo período. O Ribeirão do Espírito Santo, um manancial de passagem, também apresentou aumento na vazão e continua operando de forma satisfatória. Ainda assim, o rodízio de abastecimento segue por tempo indeterminado na cidade, reforça a Cesama.