De primeira necessidade, gás de cozinha vira artigo de luxo

Alta paga pelo consumidor já é de 10,6% na comparação com igual período do ano passado. Revendas no país já amargam perdas na ordem de 40%. Projeção futura é preocupante


Por Fabíola Costa

05/11/2017 às 06h35

Foto: Marcelo Ribeiro

Os sucessivos aumentos do gás de cozinha continuam estrangulando o orçamento doméstico. O produto de primeira necessidade, na prática, está quase virando artigo de luxo para a população. Prova disso é que o gás liquefeito de petróleo (GLP) para uso residencial vendido em botijões de até 13kg (GLP P-13) já bate a casa dos R$ 80 em Juiz de Fora. Neste domingo (5), o produto sofre mais um aumento, que, se for integralmente repassado, pode elevar o preço médio em, pelo menos, R$ 1,21.

Considerando o valor médio em outubro (R$ 68,73, variando de R$ 60 a R$ 80, de acordo com o estabelecimento escolhido), a alta paga pelo consumidor já é de 10,6% na comparação com o mesmo período do ano passado. Em outubro de 2016, o valor médio praticado no mercado local era R$ 62,11, com variação de R$ 55 (mínima) e R$ 72 (máxima). Além de identificar perda de mercado na ordem de 40%, a Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg) faz uma projeção preocupante: se continuar nessa escalada, o botijão pode atingir a cifra de R$ 100 ainda este ano.

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Se o uso do gás de cozinha é imprescindível para a esmagadora maioria dos consumidores e conter as altas é uma missão que foge ao alcance de todos, pesquisar preços e racionalizar o uso tornam-se fundamentais neste momento. Após ouvir especialistas, a Tribuna reuniu dicas que podem promover resultados positivos no final das contas. Entre elas, ficar atento à coloração das chamas e otimizar o uso do forno, que divide com a Petrobras o papel de vilão da história – ver quadro.

A dona de casa Sônia Mota comprou gás de cozinha pela última vez há cerca de dois meses, por R$ 65. Na sua casa, ela costuma adotar hábitos para racionalizar o consumo, como esquentar alimentos no micro-ondas e usar o forno em último caso. O fato de passar boa parte do dia fora de casa também ajuda. Sônia mantém dois botijões em sua residência e cada um costuma durar cerca de três meses. A consumidora está acompanhando a movimentação do mercado e se mostra preocupada com os aumentos sucessivos. “Só vou comprar gás novamente em janeiro. Nem quero ver qual preço estará até lá”, diz. Já na casa da aposentada Laudelina Dias da Silva, a situação é bem diferente. Ela costuma comprar dois botijões por mês para dar conta do consumo de seis pessoas que dividem a residência. Laudelina, que costumava pagar R$ 65 por cada um, viu o preço subir para R$ 70. Apesar de a revenda do seu bairro já ter elevado o preço para R$ 80, ela negociou a manutenção do preço antigo, pelo menos, para os próximos 30 dias. “O botijão está caríssimo. É uma situação difícil, porque os vencimentos não estão subindo no mesmo percentual.” Como medida de controle, o forno foi abolido e o uso do fogão, racionalizado.

Escalada

A escalada tem sido percebida pelo consumidor desde junho, quando a Petrobras anunciou a nova política de preços para a comercialização às distribuidoras, que não tem como referência a paridade de preços internacionais e está em linha com os parâmetros do Planejamento Estratégico 2017/2021. O preço final, explica a estatal, é formado pela média mensal das cotações do butano e do propano no mercado europeu convertida em reais pela média diária das cotações de venda do dólar, acrescida de margem de 5%. Desde então, o preço médio do GLP P-13 que era de R$ 64,49 em junho em Juiz de Fora, subiu progressivamente, para R$ 64,62 (julho), R$ 63,61 (agosto), R$ 64,37 (setembro) e R$ 68,73 (outubro). Os números levam em conta a média e são apurados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Mediante o aumento significativo no preço do produto, a presidente do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais (MDC-MG), Lúcia Pacífico, ressalta a importância da pesquisa de preços. Ela, que já encontrou botijão a R$ 85 em Belo Horizonte, costuma buscar o produto diretamente nos depósitos, ao preço de R$ 50, levando a uma economia significativa. “Não é toda hora que podemos buscar o produto no depósito, por isso é importante pesquisar o preço nas revendas.” Além da atenção aos preços, a presidente destaca, também, a importância do cuidado com a segurança. Lúcia ressalta a necessidade de verificar se a válvula está lacrada com a marca da empresa engarrafadora. Solicitar a identificação do entregador e não aceitar botijão enferrujado ou amassado são outras recomendações, além da exigência da nota fiscal. Manter o botijão em local arejado, aberto e protegido do sol, da chuva e da umidade também é importante. “É um produto que não dá para ficar sem ele. Ninguém quer voltar para o fogão à lenha.”

‘População precisa dar um basta’

Pelas contas da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg), a perda de mercado chega a 40% nas revendas de GLP. “O tradicional botijão de gás está saindo da categoria de utilidade pública e se tornando um produto de luxo para o povo brasileiro”, comenta o presidente Alexandre José Borjaili. Só em setembro, cita, foram dois aumentos praticados pela Petrobras e um terceiro pelas companhias distribuidoras, o último sob a alegação de futuros acordos coletivos. Outubro teve início com aumento do ICMS em vários estados, além de um novo reajuste autorizado pela estatal. Segundo o presidente, o preço do produto para fim residencial sempre foi mantido em condições que atendessem em especial a classe com menor poder aquisitivo, o que não está acontecendo agora. “Tenho quase 30 anos de mercado e nunca vi um cenário como esse. Com o amparo da liberdade de preço, raro foi o caso em que o repasse foi apenas o praticado pela Petrobras. Os ajustes de custos são acrescidos a cada autorização de elevação do preço.”

Para as revendas de GLP, avalia Borjaili, lidar com esta nova política de preços está gerando perdas irreparáveis, como a saída de revendas legalizadas do mercado e a abertura de espaço para um mercado ilegal, “crescente e com sentimento de impunidade”. “É necessária uma intervenção do Governo federal, que garanta o livre comércio das revendas e o poder de compra dos consumidores.” O presidente destaca, ainda, o agravante da falta de segurança gerada pela busca de alternativas para se cozinhar o feijão, como engenhocas movidas a misturas com gasolina e álcool, lenha e serragem em substituição ao tradicional botijão. “A Asmirg esclarece que esta política de preços, até então ignorada pelas autoridades, está gerando e poderá provocar uma grande crise no abastecimento do gás de cozinha, afetando em especial quem mais necessita, as famílias com baixa renda.”
Em protesto contra as altas sucessivas, está prevista uma manifestação pública em novembro. O grupo pretende apresentar, na Assembleia Legislativa, ofício com solicitação de medidas urgentes para conter os elevados aumentos. Para Borjaili, se continuar nessa escalada, o gás de cozinha pode chegar ao final do ano custando R$ 100. “A indignação é grande. Convidamos a população a dar um basta.”

Valor influencia inflação

Pressionada pelas altas consecutivas no preço do botijão de gás, a prévia da inflação oficial do país, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), fechou o mês de outubro com variação de 0,34%. Em relação a setembro, o índice subiu 0,23 ponto percentual. O IBGE destacou a influência do preço dos combustíveis, em especial o gás de cozinha, que fechou outubro com elevação de 5,72%. Foi o terceiro aumento consecutivo e a maior alta desde outubro de 2015. O impacto no IPCA-15 no mês foi de 0,07 ponto percentual. O IPCA-15 fechou o acumulado no ano (janeiro-outubro) em 2,25%, resultado que chega a ser 3,86 pontos percentuais inferior aos 6,11% do mesmo período do ano passado.

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Na sexta-feira (3), a Petrobras autorizou aumento médio de 4,5% às distribuidoras, sob a alegação de alta cotação do produto nos mercados internacionais e oscilação do câmbio. Pelos cálculos da estatal, o impacto sentido pelo consumidor pode ficar em torno de 2%. No dia 10 de outubro, a Petrobras autorizou aumento médio de 12,9%. Se fosse integralmente repassado ao consumidor, a estimativa é que o preço fosse reajustado, em média, em 5,1% ou pouco mais de R$ 3 por botijão, isso se mantidas as margens de distribuição e de revenda e as alíquotas de tributos. Após esse aumento, o preço médio do gás de cozinha (considerando a pesquisa da ANP) subiu para R$ 68,85 em Juiz de Fora. A última pesquisa sobre o mercado local divulgada pela ANP refere-se ao período de 15 a 21 de outubro. No país, a alta chega a 15,58% no ano.

O reajuste anterior ocorreu em 26 de setembro, quando o aumento médio autorizado foi de 6,9%. Naquela época, se a elevação fosse repassada integralmente ao consumidor final, o preço do gás de cozinha poderia ter alta, em média, de 2,6% ou cerca de R$ 1,55 por botijão. No dia 5 de setembro, a Petrobras autorizou o reajuste médio de 12,2% no GLP de até 13kg. Em 5 de agosto, também houve reajuste do GLP residencial, que ficou no patamar de 6,9% em média.

Diante dos reajustes sucessivos, o Sindigás, por meio de sua assessoria, tem mantido o posicionamento de que as correções aplicadas não repassam integralmente a variação de preços do mercado internacional, ficando o preço do produto abaixo da paridade de importação, o que serviria para inibir investimentos privados em infraestrutura no setor de abastecimento.

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