Dificuldade de crédito ameaça pequenos negócios em JF

Bancos rejeitaram empréstimo a 56% das MPEs mineiras. Em JF, 20% das empresas de comércio e serviços podem fechar até dezembro


Por Gracielle Nocelli

05/07/2020 às 06h59

A dificuldade de acesso às linhas de crédito trouxe mais um entrave aos micro e pequenos empresários, que sofrem com problemas financeiros provocados pela pandemia da Covid-19. O que seria uma solução para enfrentar o momento de crise tem se transformado em motivo de transtorno. Pesquisa do Sebrae mostrou que 56% dos pequenos negócios mineiros tiveram o pedido de empréstimo negado neste período. Em Juiz de Fora, esta realidade ameaça a sobrevivência das empresas. Os setores de comércio e serviços estimam perda de 20% dos estabelecimentos neste segundo semestre.

O estudo realizado pelo Sebrae, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, identificou que entre os principais motivos para a negativa dos bancos estão a presença da empresa no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) ou Serasa (14%), a falta de garantias ou avalistas (14%), as condições de juros acima da capacidade de pagamento (13%) e a não aprovação do cadastro mediante os documentos exigidos (7%).

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De acordo com o analista técnico do Sebrae, Tarcísio Fagundes, esta inacessibilidade tornou-se um problema em âmbito nacional. “As micro e pequenas empresas (MPE) constituem 99% dos negócios no Brasil. Muitas delas não têm fluxo de caixa suficiente para arcar com compromissos diante da ausência de receita. O endividamento decorrente da pandemia gerou restrições, que são empecilhos para a concessão de empréstimo pelos bancos.”

“O empresário pede o empréstimo porque está com dificuldades para honrar os compromissos neste momento, mas os bancos têm como premissa que, para a concessão, a empresa esteja com as contas em dia. Esta controvérsia não tem deixado o recurso chegar”, diz Emerson Beloti, presidente do Sindicomércio-JF (Foto: Felipe Couri/Arquivo TM)

Em Juiz de Fora, as MPEs correspondem a 90% dos setores de comércio e serviços, principais atividades econômicas da cidade. Para os empresários, a burocracia do processo de contratação de crédito pode ser devastadora para economia local. “O empresário pede o empréstimo porque está com dificuldades para honrar os compromissos neste momento, mas os bancos têm como premissa que, para a concessão, a empresa esteja com as contas em dia. Esta controvérsia não tem deixado o recurso chegar”, analisa o presidente do Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio-JF), que também representa parte do setor de serviços, Emerson Beloti.

Sem alternativa de solução para a crise econômica, Beloti afirma que as perdas irão se intensificar a partir deste mês. “As empresas foram fechadas, abruptamente, em março. Não deu tempo de cancelar pedidos ou negociar prazos com os fornecedores. De portas fechadas e sem vendas, as contas continuaram chegando. Quem tinha uma reserva conseguiu se segurar até agora, mas não tem como garantir a continuidade sem o crédito. Infelizmente, vamos perder em torno de 20% das empresas no segundo semestre.”

Incerteza
Uma empresária do comércio, que preferiu não se identificar, relata a incerteza sobre o futuro. “A minha loja é a realização de um sonho que eu não quero abrir mão. Fiz todo o possível até agora para manter o negócio, que é fonte de renda da minha família e dos meus funcionários há quase dez anos. Mas se eu não conseguir a aprovação do crédito, não sei o que pode acontecer.”

‘Caminhos só existem no papel’

Na hora da contratação do crédito, os bancos priorizam o relacionamento com o cliente. No entanto, empresas juiz-foranas que estão presentes no mercado há décadas também afirmam que tiveram dificuldades para conseguir o recurso.

A Lusar atua na fabricação de componentes de freios para veículos pesados e no mercado de peças de reposição desde 1953. “Operamos com dois bancos, um deles, há mais de 50 anos, e o outro, há mais de 30. Buscamos, em ambos, informações sobre crédito. Sabíamos que havia critérios e restrições, só não sabíamos que isso inviabilizaria a concessão”, relata a administradora Lúcia Adélia Reis. “Procuramos o Sebrae e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) para conhecer os caminhos, e entendemos que, na prática, eles existiam só no papel.”

Segundo ela, a jornada para manter a sobrevivência da empresa tem sido árdua. “Em dois dias da pandemia, o cenário era de guerra: cancelamento de pedidos, fornecedores suspendendo entregas e funcionários sem saber se teriam salários, empregos. O Governo apresentava várias possibilidades sem que qualquer uma tivesse um mínimo de consistência.”

A Lusar interrompeu as atividades por dez dias. “Instalado o pânico, essa foi a alternativa para dimensionar os problemas e buscar soluções. Voltamos a trabalhar em abril com uma insegurança absurda. O crédito nos ajudará a respirar, a contar com um mínimo de segurança e planejamento financeiro.”

Para ela, a preservação das empresas deveria ser prioridade neste momento. “Cada emprego é importante. As empresas ainda sobreviventes são uma rede de proteção aos que estão diretamente ligados a ela e geradoras de possibilidades para que outras redes sejam mantidas e criadas. Se o pouco que resta dessa estrutura não se fortalece, o primeiro a quebrar é o Governo. Quanto mais ele demora a colocar o dinheiro na ponta, mais aumenta sua própria dívida.”

O empreendedor Cássio Elízio diz que recurso é essencial para a sobrevivência da empresa (Foto: Fernando Priamo)

Pronampe
No mercado desde 1995, a empresa de serviços Videosol Produções também identificou a necessidade de contratação de crédito para manter as atividades. “O setor de eventos foi um dos primeiros impactados pela pandemia. O que tem garantido a continuidade do negócio são as demandas de produção de vídeos para redes sociais e o contrato com uma empresa pública”, avalia o empreendedor Cássio Elízio.

A partir de orientações do Sebrae e da contabilidade, Cássio buscou informações sobre a linha de crédito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criada pelo Governo através da Lei 13.999, no dia 18 de maio. De acordo com a legislação, o Governo federal aportou R$ 15,9 bilhões no Fundo Garantidor de Operações (FGO) para servir como garantia nas operações de crédito contratadas junto às instituições financeiras.

O Pronampe oferece empréstimos de até 30% da receita anual registrada pela MPE em 2019. A contratação deve ser realizada até três meses a partir da publicação da Lei 13.999, podendo ser prorrogada por igual período. O prazo é uma das queixas de Cássio. “A oferta foi criada apenas em maio e passou a ser oferecida quase um mês depois só pela Caixa. Eu ainda não era cliente pessoa jurídica do banco, o que tornou o processo ainda mais burocrático.”

Ele diz que o crédito será essencial para a sobrevivência da empresa. “Pensar em fechar um negócio é uma dor, pois representa o fim de um sonho. Esta é a última decisão de qualquer empreendedor, mas, infelizmente, tem sido o caminho de muitos. Para mim, o crédito será um respiro, um alívio para poder continuar.”

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Febraban reconhece demanda descoberta

Na última quarta-feira (1º), a Caixa Econômica Federal informou que superou a marca de R$ 1 bilhão em recursos ofertados pelo Pronampe. Desde que a instituição aderiu à linha de crédito, no dia 16 de junho, mais de 16 mil empresários fizeram a contratação em todo o país. Os números em Juiz de Fora não foram informados. No dia 22 de junho, o Banco do Brasil também aderiu ao programa nacional.

Outras linhas de crédito destinadas aos empresários também foram disponibilizadas pelos bancos (ver quadro). A assessoria do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) informou que, de janeiro a maio, a instituição ofereceu R$ 155,6 milhões em crédito às MPEs. “O desempenho reflete o plano de minimização dos impactos da pandemia de Covid-19. O BDMG foi o primeiro banco de desenvolvimento brasileiro a implantar um sistema digital para requisição de crédito.”

Bancos privados, como Itaú, Santander e Bradesco, também informaram a criação de soluções para os pequenos negócios, como prorrogação de prazos e oferta de crédito.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reconhece que, apesar das iniciativas, a necessidade das MPEs não tem sido suprida. “A demanda por novos financiamentos ainda não foi plenamente atendida”, declarou em nota. “As novas medidas anunciadas pelo Banco Central nesta semana, focadas nas empresas de pequeno porte, revelaram que o Governo reconheceu a necessidade de melhor canalizar os esforços e recursos para esse importante segmento da economia. Os bancos continuarão empenhados para que mais recursos sejam colocados à disposição.”

Analista técnico Tarcísio Fagundes avalia que conhecer condições de prazo e juros é fundamental para a contratação (Foto: Leonardo Costa)

Sebrae promove Semana do Crédito em JF

Na tentativa de reduzir as dificuldades dos empreendedores, o Sebrae promove, a partir de segunda-feira (6), a “Semana de Crédito em Juiz de Fora”. O evento on-line será transmitido pelo site do Sebrae Minas (www.sebrae.com.br/minasgerais) e seguirá até quinta-feira (9).

Serão reunidas sete instituições financeiras locais que apresentarão as linhas de crédito e as formas de contratação. “É uma oportunidade para esclarecer dúvidas e contribuir para melhorar esta situação que tem afetado tantos empreendedores”, explica o analista técnico Tarcísio Fagundes. As inscrições podem ser feitas gratuitamente pelo site do Sebrae Minas.

Fampe
Fagundes destaca que a pesquisa é fundamental para quem deseja contratar o crédito. “É preciso conhecer as condições de prazo e juros para saber se o empresário terá como arcar com o pagamento. Por isso, o Sebrae tem orientado estas empresas a buscarem caminhos para cultivar as vendas como, por exemplo, por meio do uso do marketing digital.”

Além disso, o Sebrae também disponibiliza o Fundo de Aval às MPEs (Fampe) para complementar garantias nas operações de crédito contratadas pelos pequenos negócios junto às instituições financeiras conveniadas. “O empresário que precisa de orientação para o acesso ao crédito pode entrar em contato com os canais do Sebrae. Além do site, mantemos o atendimento por telefone (32) 3257-4702.”

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