Comércio e serviços de JF se preparam para nova realidade de consumo

Tribuna inicia série de reportagens que irá mostrar as mudanças, os desafios e as expectativas para a reabertura das atividades


Por Gracielle Nocelli

02/08/2020 às 06h55

Empresários estão ansiosos pela reabertura das lojas, sabendo que são recomendadas medidas de segurança para clientes e funcionários, como uso de máscaras e higienização das mãos com álcool em gel (Foto: Fernando Priamo)

As mudanças no programa Minas Consciente, anunciadas pelo Governo de Minas Gerais na última quarta-feira (29), sinalizam que Juiz de Fora e outros municípios mineiros devem avançar no processo de reabertura das atividades econômicas. Enquanto aguardam a autorização para voltarem à ativa, os setores se planejam para enfrentar uma nova realidade, pois sabem que uma coisa é certa: nada será como antes da pandemia da Covid-19.

A expectativa é que Juiz de Fora avance para a onda amarela a partir de quinta-feira (6). Nesta fase estarão liberadas atividades diversas, como lojas de vestuário e departamento, livrarias, salões de beleza e consumo interno em bares e restaurantes.

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Com as alterações no Minas Consciente, houve a redução e a reconfiguração das fases de reabertura das atividades, fazendo analogia às cores do semáforo. As cidades que estiverem na onda vermelha terão maior restrição, sendo permitido apenas o funcionamento de serviços essenciais, e aquelas classificadas na onda verde poderão retornar com atividades consideradas de maior risco, como academias de ginástica, teatros, cinemas e clubes.

Apesar da possibilidade de avanço na reabertura, ainda não há controle da doença. Na verdade, sem a testagem em massa não é possível traçar o panorama real do comportamento da Covid-19. Por isso, serão necessárias adaptações, adoção de medidas de segurança e mudanças culturais por parte dos estabelecimentos e da população.

O cenário econômico também não é mais o mesmo. Muitas empresas não sobreviveram à crise provocada pela pandemia, e o desemprego aumentou. Entre janeiro e junho, Juiz de Fora perdeu 6.369 empregos formais, conforme dados do Ministério da Economia. Neste contexto, emergem novas formas de trabalho e relações de consumo, que alinham o distanciamento físico, o uso da tecnologia e a redução dos custos.

A partir deste domingo (2), a Tribuna inicia uma série jornalística que irá mostrar o que podemos esperar dessa nova realidade e apresentar as mudanças planejadas por diferentes segmentos. Serão reportagens publicadas sempre aos domingos.

Sem testagem, população deve mudar hábitos

Os registros da Covid-19 em Juiz de Fora mostram avanço dos números de casos e óbitos. Até sexta-feira (31), a cidade teve 114 vidas perdidas para a doença. Os diagnósticos positivos somam 3.460, conforme dados divulgados pela Prefeitura. No entanto, os registros não detectam a real evolução da contaminação, uma vez que não há testagem em massa.

Diante da dificuldade de traçar o panorama com exatidão, ainda não é possível afirmar como será o comportamento da doença nos próximos dias. “A informação que temos e o acesso ao número de casos são limitados, já que só são testados pacientes graves. Temos apenas projeções sobre os casos assintomáticos e leves que não tiverem acesso ao exame. Estimar a realidade é difícil”, afirma o médico infectologista e chefe do Setor de Vigilância e Saúde do Hospital Universitário de Juiz de Fora (HU/UFJF), Rodrigo Daniel de Souza.

O especialista diz que há algumas semanas houve o aumento substancial de casos da Covid-19 no município, mas isto não é suficiente para afirmar que atravessamos o pico da doença. “Só vamos saber depois. O que vemos é que a ampliação de leitos permitiu acomodar a demanda da doença sem pressão e, por isso, não tivemos colapso do sistema de saúde.”

Sem contenção da doença, cabe à população mudar velhos hábitos. “A cidade parou as atividades antes da hora, o que sacrificou muito o comércio e fez com que as pessoas não aguentassem mais o isolamento social, justamente, no momento em que mais precisamos”, analisa Rodrigo. “É tudo muito novo, estamos aprendendo com erros, acertos e experiências de outros locais. A população atribui ao gestor público a fiscalização, mas cabe a nós fazermos a nossa parte. Há costumes que precisam mudar, como as filas dos bancos e os grupos para compras nos supermercados. As confraternizações também precisam ser adiadas.”

Com a possibilidade de retomada de várias atividades, o especialista alerta para a adoção das medidas de segurança. “É preciso usar a máscara corretamente, tampando o nariz e a boca, manter o distanciamento e verificar se os estabelecimentos disponibilizam álcool em gel, controlam a entrada de pessoas e têm funcionários com máscaras”, orienta. “É importante lembrar que podemos tocar as superfícies, mas não podemos levar as mãos aos olhos, boca e nariz sem termos feito a assepsia correta.”

Ele também destaca a possibilidade de reestruturação dos ambientes. “Os estabelecimentos devem se planejar, pois mudanças estruturais podem ser necessárias. Locais sem ventilação e que usam ar-condicionado precisarão ser adaptados, fazendo uma substituição por sistemas de exaustão, por exemplo.”

O especialista afirma que a conscientização é essencial. “É preciso que todos sigam as regras. Apenas abrir o comércio não gera aglomeração, mas é fundamental a mudança no comportamento. Se mais pessoas tivessem feito o isolamento, mais atividades já teriam sido retomadas.”

Vestuário e calçados planejam retorno

As lojas de vestuário e calçados correspondem a 60% do setor comercial da cidade, conforme o Sindicato do Comércio de Juiz de Fora (Sindicomércio-JF). De portas fechadas há quase cinco meses, as empresas que sobreviveram à crise anseiam pelo retorno das atividades, embora a projeção seja de uma retomada lenta das vendas.

Na expectativa pela reabertura, os preparativos já começaram com a aquisição de equipamentos de proteção para os funcionários, totens de álcool em gel e tapetes sanitizantes. Alguns estabelecimentos também planejam o revezamento da equipe para evitar aglomeração.

Mesmo com a reabertura das lojas físicas, o uso da tecnologia irá permanecer. As redes sociais e os aplicativos foram grandes responsáveis pela continuidade de muitos negócios e se tornaram realidade para empresas e consumidores.

Sobrevivência
A empresária Silvana Souza atua há 28 anos no comércio, onde começou como funcionária. Hoje ela é proprietária de quatro lojas de roupas: Drop’s, Outlet Dps, Drop’s Spazio e Moda Express. “Minha vida é no comércio. Já vivenciei várias crises, mas nada parecido com o que acontece agora.”

Segundo ela, as redes sociais foram fundamentais para que as lojas sobrevivessem e os 18 empregos fossem mantidos. “Nós já realizávamos um trabalho de divulgação na internet, mas, com a pandemia, estes canais tornaram-se o nosso maior investimento, o que tem salvado as empresas. Não estamos vendendo como antes, mas conseguindo sobreviver sem endividar e sem demitir.”

As vendas pela internet dão fôlego, mas correspondem a 40% do faturamento antes da interrupção das atividades. Silvana acredita que, mesmo com a reabertura das lojas físicas, os resultados serão demorados. “A volta será um baque grande, por conta da perda de muitas lojas e a redução dos consumidores, mas precisamos trabalhar com otimismo. O ano de 2020 não será para o comércio ganhar dinheiro, mas para sobreviver ao mercado e, para isso, são necessárias adaptações. Queremos muito reabrir com segurança.”

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‘Não somos vilões’

Há 50 anos no comércio, Eduardo Delmonte concorda que nunca viu uma crise parecida como a decorrente da Covid-19. Proprietário das lojas de calçado Arpel e da loja de móveis Jade, ele se viu obrigado a desfazer de um dos estabelecimentos. “Precisei fechar a Arpel Confort.” Apesar da decisão, os 45 postos de trabalho foram mantidos com a realocação dos funcionários. Parte das vendas foi mantida pelas redes sociais e WhatsApp.

Eduardo afirma que pretende reabrir as três lojas. “Seguiremos todos os protocolos necessários, mas sabemos que a pandemia vai nos deixar sequelas econômicas muito severas”, analisa. “Tenho medo que o comércio de Juiz de Fora se enfraqueça ao ponto de deixar de ser referência para a região, pois os moradores das cidades vizinhas já criaram outras rotinas de consumo.”

Para ele, a demora de o Poder Público autorizar a reabertura tem sido frustrante. “Estamos aborrecidos por sermos encarados como os vilões da pandemia. Não é o comércio que leva a doença, mas o comportamento da população. O comércio vai se lembrar para sempre desse momento muito trágico na sua história.”

Fiscalização
Para o presidente do Sindicomércio-JF, Emerson Beloti, o comércio pode auxiliar na fiscalização das medidas de segurança. “Precisamos muito que os consumidores também sigam as regras, e o setor pode atuar como um agente de informação e orientação. Há empresários que já adotaram a medida de comprar máscaras a mais para evitar que consumidores entrem na loja sem proteção.”

Redes comerciais e serviços personalizados são tendências

A partir das mudanças nas relações sociais e de consumo, uma nova realidade vai sendo delineada para os próximos meses. Na avaliação do professor de Economia da UFJF, Fernando Perobelli, o novo cenário irá favorecer a criação de redes de pequenas empresas, a personalização de parte dos serviços e mudanças significativas no mercado trabalho.

Para o especialista, a retomada econômica ainda está longe de acontecer. “Ainda não temos vacina e estamos entendendo que o distanciamento social é a melhor maneira de evitar a doença, isso impacta o comportamento do consumidor. Além disso, com a redução da renda, o consumo precaucionista irá continuar.”

Uma das alternativas para minimizar os impactos da crise será garantir o investimento nas relações virtuais. “A fidelização do cliente irá além do atendimento seguro nas lojas físicas, irá perpassar pelo acompanhamento on-line da experiência de compra desse consumidor. Nos últimos meses, quem não era adepto de compras pela internet passou a fazê-lo.”

Para ele, esta nova realidade irá desafiar a sobrevivência dos pequenos negócios, que passarão a concorrer com gigantes do mercado. “Este cenário favorece a criação de redes e associações para a redução de custos nas compras e oferta de preços competitivos.”

Com relação aos serviços, Perobelli afirma que, devido ao caráter heterogêneo do setor, os impactos serão diversificados. “Uma das tendências será a busca por serviços personalizados.” Ele exemplifica que, com a restrição do número de pessoas em um mesmo ambiente, parte do público pode optar por estúdios em vez de frequentar academias de ginástica. “A personalização é mais fácil de acontecer, mas tem restrição de renda.”

Mercado de trabalho
Com relação ao mercado de trabalho, a expectativa é que ocorra uma forte recessão na oferta de empregos. “O cenário macroeconômico não é positivo, e as perspectivas são de PIB zero ou negativo. A atuação difusa do Governo não transmite credibilidade, o que reduz os investimentos e a contratação de mão de obra.”

Outra mudança significativa será o fortalecimento do teletrabalho. “Empregadores contraíram dívidas para continuar os negócios e terão que reduzir custos. O home office permite esta redução com gastos de serviços terceirizados, como vigilância, limpeza e seguro, além de água e energia. É uma realidade que tende a ficar.”

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