O ‘rock de operário’ da banda paulista Vitreaux

Com show neste sábado (31) no Maquinaria, quarteto apresenta baladas rock e folk com arranjos jazzísticas que vestem suas canções populares


Por Carime Elmor

30/03/2018 às 07h00- Atualizada 30/03/2018 às 12h28

Banda prepara novo disco, “Na espera da fila”, previsto para ser lançado este ano (Foto: Everson Sá)

Caminhando contra o vento, um sol de março à tarde, o Ibirapuera estava a uma boa conversa de nós. Cantávamos no asfalto, fazíamos as calçadas de palco, as esquinas de camarim, as ervas trepadeiras dos muros, de isolamento acústico. Para qual nuvem ele estava olhando enquanto proferia aquelas palavras? Liguei o gravador, sem pedir permissão, e tasquei-lhe uma pergunta em sua boca. E na espontaneidade do caminho, compusemos de improviso nossa conversa sobre a banda Vitreaux, de São Paulo, que vem pela primeira vez em Juiz de Fora, neste sábado (31), onde está marcado um show no Maquinaria.

A “Vitreaux”, assim mesmo, pronunciada como um Romântico em paris,  é dessas bandas que nos instiga à vontade de colocar para tocar em uma jukebox para dançar levantando os pés, ou de estar entre as pilhas de LP, com a capa de papelão bem gasta, formando o sombreado do disco no encarte. A busca pela beleza das canções é a seriedade artística do quarteto formado por Lucas Oliveira (guitarra/voz), João Rocchetti (baixo), Ivan Liberato (guitarra) e Guib Silva (bateria), sendo que os dois guitarristas e o baixista formam um coro de três, dissolvendo harmonias vocais a partir da melodia composta por Lucas, que acabou se tornando uma peculiaridade da identidade musical da banda. Assim como as harmonias, os arranjos estão a serviço da poesia. Apesar de viverem todos em São Paulo, em um departamento de cordas, ora arrebentadas, ora recém-afinadas, o cantor e compositor passou sua infância e adolescência no Sul de Minas, levando para a música caleidoscópica de São Paulo um pouso de paz das oscilações de Minas Gerais.

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“Eu valorizo muito a letra e a melodia, não quero fazer um arranjo por ser difícil ou muito foda, eu procuro criar arranjos que acompanhem e respeitem muito o sentimento da canção. O rock brasileiro está em um momento muito doido. A galera está fazendo rock com pitadas experimentais, mas, no fundo, é tudo canção. Gosto muito de quando vejo a poesia quebrando com tudo e não somente aquela estética maluca musical toda torta. Quando isso vem junto com a poesia e a letra, aí é quando acontece! Vejo Negro Leo, Giovani Cidreira, Ava Rocha, entre outros, como artistas que conseguem fazer isso no Brasil”. (Lucas Oliveira)

Em 2016, a Vitreaux lançou o “Pra gente poder passear”, segundo disco do projeto, já que, em 2014, o EP “Dois por dois” começava a circular pouco a pouco nos fones de ouvido de quem segue a cena rock de São Paulo. Embora o repertório inclua canções como “Vi que”, “Eu nunca vou me apaixonar” e “A mar te”, ou até mesmo “Leve apenas o que é seu”, do trabalho de estreia, a banda está em seus últimos minutos de canções alegres e letras irônicas, destas que desvendamos a cada nova audição. O show da Vitreaux, desde 2017, começa a se impregnar de uma poesia, ainda que metafórica, com os pés no chão. Canções como “Na avenida”, “Meia luz” e “Prestes prestes” são a base do próximo disco, previsto para ser lançado este ano, mesmo que permaneça “Na espera da fila”, como foi batizado.

“O próximo disco fala sobre os absurdos que acontecem em nossa cara. Sobre a gente fazer greve hoje, mas tudo bem, amanhã será outro dia e vamos esquecer e deixar passar. Está acontecendo tanta coisa estranha no Brasil, e as pessoas estão esquecendo que precisamos todo dia relembrar e batalhar para mudar essa situação. O disco é até mesmo uma visão um pouco pessimista do momento, parece que o Brasil vai continuar da mesma forma, ao mesmo tempo em que a gente clama na canção para que não, para que um dia os poderosos sejam tocados de alguma maneira e acordem resolvendo mudar este sistema”, reflete Lucas.

Assim como foi concebido o primeiro full álbum, “Na espera da fila” será gravado em estúdio ao vivo, apenas com algumas sessões de overdub a fim de acrescentarem arranjos de metais, clarinete, quarteto de cordas e orquestrarem as melodias. “Essa é uma cama que a gente faz, nada que será preciso em muitos shows”, afirma Lucas sobre o disco de dez músicas inéditas. “A gravação ao vivo é feita com a banda em seu estado mais primitivo, mais quente, todo mundo se olhando, aquela coisa bonita que a gente conhece dos anos 1960 e 1970”.

Embora seja um disco antissistema, as letras fortes e menos ingênuas se suavizam pela sonoridade plástica, leve e cada vez mais bem costurada musicalmente. “Fala sobre os movimentos sociais e as tentativas falhas de revolução. Do cara no dia-a-dia trabalhando, representando o rock de operário. Mas tudo é dito de uma forma muito calma e poética, tem uma sonoridade meio Clube da Esquina, Beto Guedes e outros discos solos dos músicos do Clube. Duas guitarras o tempo inteiro conversando, uns momentos bem bonitos de violão, e harmonia vocal. A gente ainda não cansou de começar as músicas com ‘aaa’ e terminar com ‘uuu’, em três vozes. Apesar da gente querer mudar, essas músicas ainda têm essa essência Beatles”. A bateria do Guib também colabora para o peso da poesia do disco, ele tira um microfone de contato e coloca na caixa, passando por um efeito de guitarra que faz criar uma ambiência mais profunda, uma camada a mais de som bem ao fundo.

A Vitreaux se espalha pela música, somente. A arte é atemporal e bate nas pessoas não por uma insistência, é como se no momento da criação, ela se tornasse um organismo vivo, invisível, porém possível de ser sentido. Dessa forma, a música vai morando nos ouvidos. “A canção está chegando, ela vai viajando lentamente, no boca a boca. Um disco é uma fotografia daquele momento. Mas é preciso respeitar o tempo dele também”. Enquanto ensaiam, tocam em festivais e compõem durante o café da manhã ou cantando baixinho na madrugada de seus quartos-estúdios, a música independente cresce no Brasil pelos esforços da própria classe artística. “Parece que a galera está fazendo direito, divulgando bem, construindo um line up legal, trazendo bandas de fora para tocar, realizando essa conexão”, complementa, sorrindo pelos olhos na certeza de que não há outra vida, senão a conduzida pelo viés da música.  “A gente vai se alimentando mais de canção, do que de feijão.”

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Vitreaux
Com discotecagem do Ruan Lustosa.
Neste sábado (31), no Maquinaria (Rua São Mateus 552). Abertura da casa às 20h, show às 23h30

Escute na íntegra a conversa de Carime Elmor e lLucas Oliveira (vocalista e guitarrista da Vitreaux). A entrevista foi gravada em 25 de março de 2018 ao longo de uma caminhada do Bairro Vila Madalena em direção ao Parque Ibirapuera. *Contém barulhos de ruas, carros e avenidas.

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