Livro resgata passagens de Itamar Franco pela Prefeitura de Juiz de Fora
O ponto de partida de Itamar Franco: Obra resgata entrevistas, discursos, fotos e fatos que marcaram trajetória do político à frente da Prefeitura de Juiz de Fora nas décadas de 1960 e 1970, em gestões cujas marcas ainda hoje são identificadas na cidade
“A melhor coisa da minha vida pública, creio, foi ter sido prefeito, porque a Prefeitura, diferente do Senado, e da Presidência da República, permite-nos olhar o cidadão nos olhos”, disse Itamar Augusto Cautiero Franco. “Você pode errar, já errei olhando nos olhos, mas por mais vezes você acerta. Por quê? Por que o prefeito é solicitado, mesmo numa fila de cinema, as pessoas o abordam para reclamar da capina de rua, da falta de luz, ou lhe sugerir construções”, explicou o político na extensa entrevista ao projeto Diálogos Abertos, do Museu de Arte Murilo Mendes, em julho de 2008. A transcrição do material compõe a primeira seção do livro agora lançado “Itamar Franco: A prudência do poder no destino da cidade”, que revisa a trajetória do político à frente da Prefeitura de Juiz de Fora, cargo cuja disputa será definida neste domingo (29).
Último gesto do Instituto Itamar Franco, que encerrou as atividades após transferir todo o seu acervo para o memorial em homenagem ao político, administrado pela UFJF, o livro tem organização do professor, artista visual, gestor e curador José Alberto Pinho Neves. Nas 543 páginas do volume, além de entrevistas estão fotos, discursos proferidos durante suas passagens pelo Executivo municipal e um detalhado diário de governo, com excertos de jornais da época registrando todo o decorrer de suas gestões. Itamar tinha 36 anos quando foi eleito, estancando um longevo revezamento entre Olavo Costa e Adhemar Rezende à frente da Prefeitura. Antes, porém, concorreu, sem sucesso, aos cargos de vice-prefeito (que não funcionava em chapa como atualmente) e vereador. Seu êxito se deve, em grande medida, e ele mesmo reconheceu, ao enfrentamento de uma dura questão no município: o abastecimento de água.
Em entrevista ao projeto Diálogos Abertos – do qual participaram como entrevistadores Joaquim Falci Castellões, Murílio de Avellar Híngel, Pinho Neves, Denise Paiva, Marcello Siqueira, Rogério Mascarenhas, Geraldo Lúcio de Melo, Ismair Zaghetto e o editor geral da Tribuna Paulo César Magella – Itamar recordou a escassez e sua coragem em abdicar de uma carreira em ascensão como engenheiro para dedicar-se ao recém-criado Departamento de Esgoto e Águas. “A partir daquele momento ele começa a pensar numa sistematização da água na cidade, que já havia sido pensada lá atrás, por Menelick de Carvalho, que defendia que a cidade deveria ter outra adutora”, observa Pinho Neves. O destemor para encarar a questão convenceu a população local, à época calculada em cerca de 160 mil habitantes, menos de um terço da estimativa atual, calculada em quase 570 mil.
Hábil articulador
Na edição do dia 25 de novembro de 1966, a Gazeta Comercial informava que, após apuração das 280 urnas da cidade, Itamar Franco havia recebido 25.902 votos, com uma vantagem de 6.230 votos sobre o segundo lugar, Wandenkolk Moreira, também da legenda MDB, de oposição à ditadura. “A humanidade tem conhecido, no curso de sua longa, sofrida e incessante evolução, os mais diversos regimes de governo. Nenhum, entretanto, revelou as excelências do regime democrático, que faz repousar os seus fundamentos na liberdade de julgar e escolher do povo, sua origem e sua única finalidade. Tanto melhor será o regime quanto mais respeitar a dignidade dos seus destinatários”, exaltou o prefeito recém eleito em seu discurso de diplomação, no Salão do Júri do Fórum da Justiça, no quarto dia de 1967.
Ainda que em seu discurso anterior à posse tenha bradado pela democracia, Itamar não se indispôs com os militares que governavam o Brasil e que, em 1968, instauraram o Ato Institucional nº 5, ampliando repressões e estendendo silenciamentos. Seu vice seria um professor, que, sem conseguir o registro, foi substituído por um militar, o general Oscar Silva. “Ele se dava bem com os militares. Tinha um trânsito”, observa Pinho Neves, destacando a habilidade para a articulação, o convívio com os opositores. “Juiz de Fora naquele momento era uma cidade de extrema direita, muito conservadora”, ressalta o organizador. Assistente social convidada a integrar a Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social da Prefeitura de Itamar, Denise Paiva concorda. “A capacidade de unir contrários numa mesma mesa, como Bias Fortes e Bonifácio de Andrada de Barbacena, e Arena e MDB de todas as esferas, foi o grande feito político do Seminário da Zona da Mata, que chamou atenção da imprensa. O aprendizado de unir contrário foi fundamental em 1992 ao mandatário da nação para assegurar governabilidade num contexto institucional conturbado”, escreve, em texto que integra a seção com depoimentos de intelectuais, parceiros e contemporâneos de Itamar.
Mãos à obra, prefeito!
No dia de sua posse, Itamar Franco solicitou que seu vice o representasse em visita ao Bairro Benfica, atingido por uma tempestade, e partiu para casa para trocar a roupa e acompanhar a obra que interrompia o fluxo da Avenida Rio Branco no cruzamento com a Avenida Independência, tempos depois inaugurada por ele. Durante a cerimônia em que foi empossado, Itamar garantiu que atuaria para minimizar os transtornos causados na principal via da cidade e em menos de 24 horas o serviço estava concluído. Tanto em seus discursos quanto no diário de governo apresentado em “Itamar Franco: A prudência do poder no destino da cidade” fica impressa a disposição do político para resolver problemas antigos imediatamente. Não à toa a infraestrutura tornou-se uma marca de sua gestão. Ele abriu a Garganta do Dilermando, inaugurou a Independência – que hoje leva seu nome -, canalizou córregos como o de Santa Luzia, exterminou os alagamentos no Largo do Riachuelo e na parte baixa da Halfeld. “São obras muito importantes ainda hoje, mas que merecem manutenção. As galerias de águas pluviais nunca mais foram abertas. Em algum momento isso vai estourar. Outras obras ele não fez, mas pensou-as. Havia uma visão completa da cidade”, define Pinho Neves.
Sem pretender cristianizar o juiz-forano (nascido no mar da Bahia e batizado na cidade) que mais longe chegou na política nacional, tornando-se o 33º presidente do Brasil, o livro defende essa visão estratégica de Itamar Franco diante de uma Juiz de Fora repleta de carências e potências. Uma de suas mais ousadas formulações foi o Seminário do Desenvolvimento da Zona da Mata, que conferiu protagonismo para o município nacionalmente, trazendo a Juiz de Fora personalidades de relevo no cenário nacional e projetando um futuro possível. “O Brasil naquele momento vivia um período de modernidade exacerbada. Há um discurso no diário de governo, um editorial do Diário Mercantil que fala o que ele devia fazer na cidade. Ali dá para ver que a vontade dele era reflexo do que as pessoas pensavam”, reflete o organizador da obra, destacando os avanços também notados nas áreas da educação, saúde e assistência social.
“Na administração Itamar, Juiz de Fora conheceu uma efervescência cultural sem precedentes”, assevera, em depoimento para o livro, o compositor e produtor Daltony Nóbrega, citando que à agitação promovida pela UFJF, somava-se à do Núcleo Mineiro dos Escritores, do Teatro Universitário, do Grupo Divulgação, da Galeria de Arte Celina e dos festivais promovidos pela Prefeitura. “Por vários anos, grandes nomes da MPB frequentaram a cidade para participar de uma autêntica festa do som e do conhecimento, o que nos deu ainda mais visibilidade como polo cultural.” Para Pinho Neves, o festival de cinema da época poderia ter se tornado tão ou mais forte que o Festival de Gramado. “Toda a atuação do Itamar em Juiz de Fora foi muito boa e vou dizer que foi brilhante porque rompe com outro tempo, representa um limite entre passado e presente na cidade”, defende Pinho Neves.
Uma renovação que ainda ecoa
Era 14 de maio de 1970 quando Itamar Franco faz um pronunciamento afirmando não disputar a eleição do ano seguinte. “Combati o bom combate, guardei a fé, encerrei a jornada”, disse, ecoando um conhecido trecho bíblico. Passados pouco mais de dois anos, em setembro de 1972, decidiu concorrer ao Executivo municipal novamente. “Em termos pessoais, não me seduz a escalada de degraus do carreirismo político, como já provei. Sei das responsabilidades e sacrifícios ingentes, mas enfrento-os com denodo e coragem. Sei das forças dos meus condicionamentos pessoais, mas sobrepujo-as com a chama interior que me ilumina. Sei de minhas fraquezas e dúvidas, mas me fortaleço na certeza do amanhã”, declarou o político que não mais abandonou a vida pública, escalando todos os degraus que lhe foram apresentados. Em seu retorno à Prefeitura, Itamar venceu Mello Reis (eleito quatro anos depois) por apenas 324 votos. No meio do mandato, Itamar renunciou para candidatar-se ao Senado.
“Dessa geração do Itamar saíram três grandes prefeitos de Juiz de Fora: o Itamar Franco, o Mello Reis e o Tarcísio Delgado. Eram três pessoas que representavam a renovação naquele momento”, opina Pinho Neves sobre contemporâneos que inscreveram seu nome na transformação da cidade no século XX. “Na década de 1960, Itamar aparece impulsionando à dinâmica, o tempo lento que a cidade transparecia, impondo-lhe uma roda viva rumo à ampla modernidade, prenunciando-lhe ao futuro. Nesse conluio tempo e espaço, nos diversos cargos eletivos que desempenhou, nunca declinou do seu pacto com a cidade que evoluiu sob seu amparo, entre outros”, define o organizador em texto que precede o capítulo com discursos do político. “Como prefeito, nunca deixou de cultivar a simplicidade do homem comum. Revolucionou a administração, como se fizesse o dever de casa. Sua administração foi uma declaração de amor à cidade… em obras. E certamente constituiu marca maior na história de Juiz de Fora”, exalta, em depoimento para o livro, o fundador da Tribuna, o médico e empresário Juracy Neves.
A Juiz de Fora do prefeito Itamar Franco ainda existe. Muitos de seus feitos resistiram ao tempo, atesta o livro. Algumas de suas visões e pensamentos, defende José Alberto Pinho Neves, escassearam na cidade e no país. “Há uma frase dele que deveria ser estampada em todo lugar para alertar as pessoas. É de uma atualidade incrível”, aponta Pinho Neves, referindo-se às palavras que ocupam a orelha do livro: “O poder não muda as pessoas, o poder revela as pessoas. A reflexão que posso fazer é de que é fácil exercer o poder com dignidade. O poder não corrompe ninguém, são as pessoas sem caráter que corrompem o poder.”