Bandas juiz-foranas revisitam Guns N’ Roses

Alles Club e Martiataka participam do projeto “Apetite por desconstrução”, em que artistas independentes reinterpretam o álbum “Appetite for destruction”


Por Júlio Black

28/11/2017 às 07h00- Atualizada 28/11/2017 às 14h52

Martiataka buscou na urgência punk a semente para a versão de ‘Anything goes’ (Foto: Hercules Rakauskas)

Os anos 80 foram marcados por new wave, tecnopop, gótico, BRock, bandas inglesas e o surgimento do indie rock, entre outras modas e subgêneros da música. Mas um deles, em particular, ficou marcado pela ridicularização nos anos seguintes: o hard rock farofa, também conhecido como poser, glam metal ou “hair rock” devido aos cortes de cabelo esdrúxulos, muita maquiagem, calças de tecido sintético justinhas e uma pose de mau que não resistiria a um grunhido do Nirvana na década seguinte.

Era um reino dominado por nomes como Poison, Mötley Crue, Dave Lee Roth, Bon Jovi e Guns N’ Roses. Este último, aliás, pôde comemorar em 2017 os 30 anos de lançamento de “Appetite for destruction”, álbum que transformou o grupo liderado por Axl Rose e Slash em um dos maiores fenômenos do rock de arena graças a músicas como “Welcome to the jungle” e “Paradise City”, a ponto de figurar na trilha sonora de novelas da Globo. É este álbum que uma série de artistas independentes brasileiros reverenciam – à sua maneira – em “Apetite por destruição”, que conta com a participação de duas bandas de Juiz de Fora, a Martiataka e a Alles Club.

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A ideia do tributo surgiu com Guga Bruno, ex-Lasciva Lula, que lançou a proposta no Facebook e encontrou uma galera disposta a fazer suas versões para as músicas de “Appetite”, que podem ser conferidas aqui neste link. Há de tudo um pouco, passando por pop, reggae, blues, rock, dream pop, entre outros, cortesia de nomes como o do próprio Guga, Reverse, Ogro Jazz Band, Driving Music e Melvin & Os Inoxidáveis. Ouça todas no player abaixo:

Rodrigo Lopes, da Alles Club, conta que a participação da banda no projeto se deu de forma inusitada. “O Fred é amigo de longa data do Guga desde quando tocava na Columbia, e o Guga estava na Lasciva Lula. O convite veio depois que ele fez um post no Facebook perguntando quem curtia Guns… o Fred respondeu que ODIAVA (risos)! Acho que a combinação dessa resposta ao post com o estilo da Alles Club (que ele curte e conhece) fez com que o Guga achasse interessante a gente participar, mesmo porque no e-mail do convite para o tributo ele deixou claro para a gente fazer algo totalmente diferente do original e com o nosso estilo. Acho que deu supercerto!”

Apesar de acharem o convite “engraçado”, Rodrigo diz que em nenhum momento eles cogitaram a possibilidade de recusar o desafio, visto como uma oportunidade de explorar novas texturas musicais e a criatividade da Alles Club em arranjos. Com a possibilidade de poder escolher a música a ser revisitada, eles pensaram nas mais melódicas e que dessem margem para explorar as harmonias no lugar dos ritmos. “Inicialmente escolhemos ‘Night train’, mas como demoramos um pouco para responder ela acabou sendo feita por outro artista (Márvio). Sobraram umas cinco opções, e escolhemos ‘Rocket Queen’ muito por causa da segunda parte, que é bem melódica e épica”, explica.

Versão brasileira

Alles Club transformou ‘Rocket Queen’ em um dream pop com cara de Cocteau Twins (Foto: Marcelo Ribeiro)

As gravações foram feitas na casa de Rodrigo e Nina Hübscher, onde fica o estúdio de gravação e ensaio da Alles Club. Toda a parte instrumental foi gravada antes do retorno de Nina, que estava no exterior e gravou os vocais em um único take. O resultado é um som com a cara da Alles Club, uma desconstrução que leva ao pé da letra a proposta do projeto, evocando o trabalho de grupos de dream pop como o Cocteau Twins e outros artistas do icônico selo inglês 4AD. “Como ‘Rocket Queen’ é a última faixa do álbum, a gente pensou em desconstrução, e isso deveria ser algo bem lento e delicado. Comecei a explorar a música em dedilhado. Na tal segunda parte épica, já tem um dedilhado, o qual foi aproveitado. Acabou virando uma canção de ninar, um dream pop inspirado em Cocteau Twins.”

E qual a ligação da Alles Club com o Guns N’ Roses, uma vez que o som das duas bandas não poderiam ser mais diferentes? De acordo com Rodrigo Lopes, a história dos integrantes com o combo de hard rock é algo que faz parte do passado. “A (história) do Fred era de rejeição, ele já era ‘indie’ nos anos 90 (risos). ‘Appetite…’ foi um dos primeiros álbuns em vinil que comprei na vida. Nos anos 90, a gente tinha a mania de ouvir o mesmo álbum exaustivamente, e ele foi um desses que não saía da vitrola, conheço todas as músicas, e cantar as letras me ajudou na aprendizagem do inglês. A Nina conta que o Guns N’ Roses foi parte da infância dela, não porque gostava deles extraordinariamente, mas porque eles estavam por todos os lados na Suíça, onde cresceu. Ela gostava da figura do Slash.”

No caso do baixista Ruan Lustosa, o Guns foi mais uma das bandas que chegou até ele pelos irmãos mais velhos, assim como Faith no More, Metallica e outros nomes do período. “Apesar de o hard rock americano passar longe do meu radar, tinha simpatia pelos caras, principalmente pelas figuras de Slash e Izzy Stradlin. Mas eu ouvia mais a fase do ‘Use your illusion’, talvez por conta do ‘Exterminador do futuro 2’ (risos)”.

Com aquele toque de country gótico

Quem entrou mais à frente na história foi a Martiataka, com sua versão para “Anything goes”, que mistura blues, country e uma certa urgência punk típica da banda ao hard rock gunner. Segundo o vocalista Wendell Guiducci, quem deu a letra a respeito do projeto foi o baterista da Alles Club, Fred Mendes. Aí foi questão de conversar com Guga Bruno e mergulhar de cabeça na empreitada.

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“Ficamos todos muito felizes, pois somos fãs da banda, é uma grande influência para o Martiataka, de vez em quando levamos uma versão de ‘It’s so easy’ em nossos shows. Sou muito fã do ‘Appetite…’, pra mim está no top 10 de maiores da história. Há um genialidade ali que é muito rara e não acontece com frequência”, diz.

Foram duas as opções oferecidas ao Martiataka, “Sweet child o’ mine” e “Anything goes”. “Daí foi unânime a escolha, a gente só não sabia em que enrascada estava se metendo. Porque obviamente não queríamos melhorar a canção ou nada disso, porque o ‘Appetite for destruction’ é um Santo Graal, tentar imitar seria passar vergonha. Então sabíamos desde o início que faríamos uma versão”, conta. “Mas, para isso, era preciso aprender a música para entendê-la. E não é uma música nada fácil, ao contrário do que parece. A partir daí, foram dois ensaios para definirmos nossa versão, que vai um pouco na esteira do que fizemos no ‘Coração & Tripas’, para não desgrudar completamente da nossa estética. Dois ensaios, e estava pronta, depois gravamos tudo picado, porque nossos horários não batiam, e o prazo era, até então, extremamente curto, tínhamos algo como 15 ou 20 dias para fazer tudo.”

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