Mais séria e eletrônica, Clarice Falcão canta o novo disco em JF

“Espero que tudo tenha conserto”, diz a cantora e atriz Clarice Falcão em entrevista à Tribuna


Por Mauro Morais

28/06/2019 às 07h00- Atualizada 28/06/2019 às 07h41

Humor escondido: Clarice Falcão expõe fragilidades em novo álbum, mais sério e mais eletrônico. (Foto: Pedro Pinho/Divulgação)

“Minha cabeça”, não a minha, mas a de Clarice Falcão, é um exato retrato da artista multimídia de 29 anos. A música que abre o novo álbum, “Tem conserto”, enumera um ser tão confuso quanto complexo. A cabeça de Clarice “não é flor que se cheire”, ela “repete as mesmas coisas”, escreve mirabolâncias, é cheia de certezas, dissimula às vezes e fala mais alto. “Minha cabeça me faz/ crer que eu sou doida, e aí/ me deixa doida, vê só/ a ironia”, canta ela, que discorre sobre essa mesma cabeça nas nove faixas do álbum cheio de batidas eletrônicas. Expondo a própria fragilidade, Clarice leva para a música a depressão e a ansiedade com as quais duela desde a adolescência. Nos álbuns anteriores, Clarice também se expunha, ainda que muito mais irônica e engraçada do que no disco no qual fala sério, tão sério que também consegue fazer rir. “Você faz mal pra saúde”, canta numa das faixas.

O riso é parte de Clarice, confirma a cantora e atriz, em entrevista por telefone à Tribuna. E Brita é prova disso. A personagem naturista, que anda a todo tempo despida, ao lado do namorado interpretado por Luis Lobianco, é um dos pontos altos da série “Shippados”, que estreou este mês na GloboPlay. A atração, protagonizada por Tatá Werneck e Eduardo Sterblitch e escrita pelo casal Alexandre Machado e Fernanda Young, tem colecionado elogios da crítica e da audiência. Aparentemente distantes, os dois trabalhos, simultaneamente lançados, encontram-se ao revelar os discursos de Clarice. Tanto a atriz quanto a cantora exaltam, nas novas criações, a vida em sua plenitude. E também em sua complexidade. “Não sei como mas tem conserto/ vai que eu sou o meu conserto/ dia desses eu me conserto”, canta, na última faixa, que dá nome ao disco, cuja estreia nos palcos acontece nesta sexta, 28, no Cultural Bar.

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Capa do novo álbum, “Tem conserto”, no qual ela trata da depressão e da ansiedade sem sisudez, mas também sem meias voltas. (Reprodução)

Tribuna – Em “Tem conserto” você trata da sua experiência com a depressão e a ansiedade. O quanto você se expõe nesse disco?
Clarice Falcão – Com certeza é o trabalho em que eu mais me exponho. Ele tem uma diferença dos anteriores que é: embora tenha senso de humor, porque isso faz parte do jeito com que vejo o mundo, ele também fala e se leva a sério. De alguma forma os outros trabalhos tinham tanto senso de humor e ironia que, às vezes, funcionavam quase como um escudo. No “Tem conserto”, eu tentei me despir desses escudos.

E como fez para tornar leve assuntos tão complexos e pesados?
O que eu passei está de alguma maneira impresso ali, mas não de uma forma exagerada. O disco “Monomania” é obsessivo, o eu-lírico é muito ansioso e o disco passa por momento depressivos, mas eu nunca havia falado diretamente sobre o tema. Nesse novo trabalho eu realmente dou a minha visão sobre o tema, falo sobre o que passei, como foi para mim lidar com a ansiedade e a depressão.

O que te causou tornar pública a sua vivência?
Para mim, a decisão de explanar ou não que o disco era sobre isso foi difícil. Fiquei em dúvida. Mas achei que, já que havia usado essa experiência para fazer o “Tem conserto”, nada mais justo do que “sair do armário”. Talvez para outras pessoas que passam por isso seja legal ver alguém falando o que sente. Porque muitas vezes a gente se sente sozinho em momentos de crise de ansiedade ou de depressão. Antes ainda de eu falar sobre o assunto, quando lancei o primeiro single, o “Minha cabeça”, que é obviamente sobre ansiedade, recebi muitas respostas de pessoas dizendo: “Caramba! É exatamente o que sinto!” ou “Muito obrigado!”. Isso me deu muita força para dizer que o disco era sobre isso. Quando me perguntassem eu não poderia desconversar.

Qual a relação da depressão e da ansiedade com a arte que faz?
Não sou especialista no assunto, mas uma coisa que sinto é que para ser um artista tem que ter e incentivar uma sensibilidade muito aberta. Tem que estar muito sensível ao entorno e a você mesmo. Tem que estar em contato com alguns pedaços de si mesmo, o que nem toda profissão exige. Para um médico, por exemplo, pode ser até bom desligar o emocional e prestar atenção no lógico. O artista não, ele precisa das emoções. Não acho que ser artista deixa alguém deprimido ou ansioso, mas é uma profissão que, de alguma forma, desperta as emoções. Sou muito sensível porque sou artista? Ou sou artista porque sou muito sensível? É uma pergunta difícil de responder, mas, no fim das contas, o que vale é que uma coisa alimenta a outra.

E o que passa na sua cabeça neste momento?
Muito nervosismo. Estou fazendo o show, vou estrear e estou num momento de pensar: “Ah! Socorro! Alguém me salve! Vou desistir e me mudar para a Nicarágua!” (risos).

O novo álbum é muito eletrônico. Porque decidiu mudar a rota musical?
Muito porque eu mudei também. O “Monomia” é um reflexo do que eu ouvia na época de quando era adolescente. Nesses seis anos, conheci muita coisa, descobri outros universos, abri muito a minha cabeça. A gente, quando é adolescente, geralmente gosta de uma coisa só: “Eu sou roqueiro!” ou “Eu sou outra coisa!”. Conforme a gente vai amadurecendo, vai se abrindo. Já faz um tempo que me apaixonei pelo universo da música eletrônica. Já gostava de algumas coisas, como o pop eletrônico, mas agora tomei contato com a cena eletrônica mesmo, que é muito legal. O “Tem conserto” é muito o reflexo do que tenho ouvido e experimentado. Inclusive nisso o disco é muito pessoal. Os arranjos dele, o clima sonoro, têm muito a ver com o que estou gostando de ouvir.

Gravou o disco todo em casa?
Uma coisa muito legal da música eletrônica é que, como não tem os instrumentos acústicos, pode fazer tudo no computador. Não precisa ir para um estúdio gravar o violão ou o cello. O disco foi feito 99% em casa. Tem uma faixa com um baixo gravado em casa também, mas com um instrumento real. O resto todo foi feito com sintetizador, controlador, tudo no computador.

Não tem como não falarmos de “Shippados”, série que estreou no GloboPlay. Esse lançamento simultâneo foi uma coincidência?
Foi uma supercoincidência. Fiquei um tempo pensando: será que é bom mesmo? Porque confunde. Sai tudo ao mesmo tempo. Eu tinha que divulgar as duas coisas ao mesmo tempo. Quando fiz não sabia quando iria lançar. Fiz sem saber, no final do ano passado, e me diverti muito.

“Shippados”: Clarice Falcão é Brita, namorada de Valdir, papel de Luis Lobianco. (Foto: Divulgação)

Na série você também se expõe muito, mas fisicamente. Sua personagem, a naturista Brita, aparece nua na maioria do tempo. O que ela tem de você?
Tem alguma coisa. Estou tentando ter uma relação com o corpo de maneira diferente. Já lancei um clipe em que havia pênis, e estávamos dessexualizando, tirando a nudez desse lugar do erótico. Tenho tentado lidar com o meu corpo de um jeito mais tranquilo, mais livre. O corpo é meu, e não para os outros. A Brita é muito carente. Espero que eu não seja tão assim, mas também sou carente.

Qual o lugar do humor na sua vida?
Cresci numa família que dava muito importância para isso, gostava muito de rir. Minha mãe sempre gostou de rir, e rir das próprias desgraças, dos perrengues que passa. Mesmo quando estou falando de algo dramático, algo sério, como é o caso no “Tem conserto”, sinto que há momentos em que é possível identificar não uma piada, mas um humor, uma reversão de expectativa.

O que te faz rir hoje?
Gosto muito de rir de coisa com verdade, mais do que com ficção. Adoro ver comédia, mas gargalhada mesmo eu dou com alguém de verdade fazendo alguma coisa de verdade. Alguém caindo, por exemplo. Ou uma piada feita na hora, que sei que não foi escrita.

Entre cantar e atuar, alguma vez se cobrou de ter que escolher uma expressão apenas?
Sempre fui fazendo de acordo com o que ia acontecendo. Às vezes por surgir uma oportunidade. Apareceu o convite para “Shippados”, gostei da personagem e decidi fazer. Às vezes é uma coisa minha mesmo. Enjôo de fazer coisas como atriz e quero passar um tempo dedicado à música. Depois passo dois anos fazendo show e já quero entrar num set de filmagem. Tudo acontece organicamente. Nunca pensei em ter que escolher.

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Seus pais escrevem (são roteiristas). A escrita é algo permanente na sua vida?
Também é uma coisa que vai e volta. Gosto muito de escrever, de estar numa sala de roteiro. Já faz um tempo que não estou. A última coisa que escrevi foi o meu especial para a Netflix, que já faz dois anos. Estou morrendo de saudades. Em breve vou inventar alguma coisa para poder escrever. Sinto falta.

E as músicas, compõe sempre?
Até pouco tempo atrás ainda estava compondo o disco. A música “Tem conserto” eu compus este ano. Passei o ano passado inteiro compondo. Agora minha cabeça está meio frita de tanto compor. Vou dar uma pausa para voltar fresca. Até porque chega uma hora que a gente usa todas as experiências e tem que dar uma vivida para se inspirar de novo.

O novo disco é linear, tem uma narrativa melancólica e se encerra otimista. Esse trajeto era importante para o que queria dizer?
Hoje em dia com as plataformas digitais, com as playlists, muita gente não escuta discos de cabo a rabo. Mas o “Tem conserto” foi superpensado de forma linear. Tem uma viagem ali. Começa de uma forma, entra numa noitada, vai até o limite e, depois de tudo isso, diz que “tô quebrada, mas tem conserto”. Acho que se o disco não tivesse essa música no final, seria muito triste ou podia cair numa glamorização da depressão e da tristeza, o que nunca foi minha intenção. Queria muito dividir o que sinto, mas com uma mensagem otimista, de que vai melhorar. Sem essa música, o disco não estava pronto.

O que não tem conserto hoje?
Espero que tudo tenha conserto. Atualmente tenho achado o Brasil meio sem conserto, mas ainda tenho esperança (risos).Vamos ver!

CLARICE FALCÃO
Nesta sexta, às 23h, no Cultural Bar (Av. Deusdedit Salgado 3.955 – Teixeiras)

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