Um dia voltaremos ao cinema. Mas como será?

Há mais de um ano sem ir a uma sala de exibição, apaixonados pelas sétima arte comentam sobre a ausência da experiência imersiva proporcionada pelos anfiteatros


Por Júlio Black

27/06/2021 às 07h00

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Cinemas já estão fechados há 15 meses em Juiz de Fora (Foto: Pixabay)

A memória ainda é recente, mas não custa relembrar: em março de 2020, quase todas as salas de cinema do mundo fecharam as portas por causa da Covid-19, que começava a se espalhar pelo globo. Pouco mais de 15 meses depois, o panorama mudou, mas nem tanto. Alguns países já voltaram a abrir todas as suas salas, enquanto no Brasil a situação depende de cada estado ou cidade – em Juiz de Fora, todas as 18 salas continuam fechadas ao público. Nos municípios em que os cinemas reabriram, a média de público tem sido pífia mesmo para o padrão de redução de assentos disponíveis para cumprir as restrições sanitárias impostas.
Muito se discute sobre como será voltar ao cinema dentro desse contexto das medidas de prevenção: se voltaremos a ter todos os assentos disponíveis, a obrigatoriedade do uso de máscaras, se poderemos consumir a tradicional pipoca nas salas, higienização das poltronas, mil coisas. O que muito se diz é que ir ao cinema não será mais como antes, pelo menos por um tempo.
Entretanto, há uma questão que passa batida: a experiência de ir ao cinema será a mesma de outrora? Como será a primeira vez em que entrarmos novamente na sala escura? Conseguiremos apenas curtir o filme sem o coração bater mais rápido ao ouvirmos alguém tossindo ou espirrando? E o streaming: será que pensaremos duas vezes em ir ao cinema agora que passamos quase um ano e meio assistindo aos longas exclusivamente no aconchego do sofá ou da cama?

Cinema, só com vacina

O editor-chefe da revista “Almanaque 21”, Rodrigo de Oliveira, mora na cidade gaúcha de Canoas, que já está com cinemas abertos. Apesar de ser apaixonado pela sétima arte, prefere continuar em casa por não achar seguro voltar a frequentar um lugar fechado em meio à pandemia. “Acredito, inclusive, que os cinemas não deveriam estar abertos agora, por conta da inevitável terceira onda da Covid”, argumenta, acrescentando que se sentirá seguro a frequentar os espaços apenas quando estiver vacinado. “Quando chegarmos a um número seguro de vacinados, dá para voltar a pensar a frequentar um cinema. Mas, confesso, não pretendo abandonar a máscara tão cedo.”

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Rodrigo de Oliveira: “São duas horas em que você deixa tudo o que está acontecendo lá fora e embarca em uma história” (Foto: Arquivo pessoal)

A convicção de que ir ao cinema só voltará à sua agenda após ser vacinado não quer dizer que Rodrigo não sinta falta da experiência de imersão que o cinema dispõe, muito pelo contrário. “São duas horas em que você deixa tudo o que está acontecendo lá fora e embarca em uma história”, afirma. “Em casa, fica mais difícil. É telefone tocando, cachorro do vizinho latindo. Claro que nem mesmo no cinema tínhamos silêncio absoluto – as plateias estavam mais ruidosas – mas o tamanho da tela, a intensidade do som e todo o entorno da experiência de ir ao cinema são coisas que fazem falta.”
E como o jornalista imagina que será a emoção do retorno à sala de cinema e como será daqui para frente? “Duvido que uma lágrima não vá cair! Desde que comecei a ir ao cinema, nunca fiquei tanto tempo sem voltar”, diz, sem, todavia, esperar a presença de grandes públicos tão cedo. “Acredito que ainda vamos demorar para ter salas lotadas. Aquela experiência de ver uma pré-estreia com sala cheia e os fãs vibrando talvez demore. Espero que tenhamos isso de novo, mas não sei quando.”

Cinema em casa
Desde o início da pandemia, Rodrigo tem assistido aos inúmeros filmes disponíveis nas plataformas de streaming, além de recorrer à sua coleção de DVDs e Blu-Rays, hábito que já tinha antes da pandemia. “O que mudou realmente durante esse período foi não ir ao cinema, meus hábitos de ver filmes em casa continuam iguais. E fora os problemas que citei antes da falta de total imersão, gosto de assistir aos filmes no conforto do lar”, comenta, apontando ainda estar na torcida para que a situação volte ao normal e possa equilibrar os filmes do cinema – principalmente no momento do lançamento – com os assistidos em casa. “Esperar nunca foi meu forte. Se quero muito ver uma estreia, não vou esperar um mês ou dois para ver em casa. Hoje em dia eu espero porque não acho seguro ir ao cinema, mas, quando for possível, quero assistir o mais rápido as novidades.”

Tempos (ainda) inseguros

Morando atualmente em Belo Horizonte, o jornalista e crítico de cinema Marcelo Miranda já poderia ter voltado a frequentar os cinemas da capital mineira, mas prefere manter distância por não se sentir seguro, no momento, em frequentar ambientes fechados com muitas pessoas, justamente o caso dos cinemas. “Por mais que saiba que os cinemas têm divulgado protocolos de segurança, limitação de quantidade de pessoas, retirada de máscaras para comer, acho tudo ainda muito incerto. Apesar de estarmos há quase um ano e meio nesse drama de pandemia, a gente não conhece exatamente o comportamento desse vírus”, pontua.
“Não vou estar tranquilo assistindo ao filme, que para mim é sempre uma experiência muito intensa e prazerosa; e é o meu trabalho também, não vou conseguir me concentrar”, prossegue. “Não tenho uma confiança total nas outras pessoas. Admito que acho que muita gente ainda dá muita bobeira, não leva tão a sério as necessidades de segurança. O ambiente pode estar muito bem preparado, mas não sei se todas as pessoas na sala comigo estariam, e como não posso obrigar ninguém a fazer nada por mim, opto por não ir. É a ação que posso fazer em prol da minha segurança e da minha família.”
Para Marcelo, o cinema é o lugar em que sempre gostou de estar. Ele afirma que tem sentido falta da experiência de sair de casa, fazer todo o cerimonial de comprar ingresso, entrar na sala, sentar-se e aguardar pelo início da exibição. “Para mim, sempre foi uma coisa especial desde criança. Eu cresci numa cidade pequena em que haviam apenas duas salas, que depois fecharam, e fiquei muitos anos sem frequentar cinema até ir morar em Juiz de Fora para fazer faculdade, e depois Belo Horizonte”, conta. “Cinema é um ambiente em que gosto muito de estar; em Belo Horizonte, especificamente, temos o Cine Humberto Mauro, que é uma sala pública que tem cinema de repertório, mostras, festivais, e lá eu sempre me senti em casa, é um ambiente familiar em que fiz muitos amigos. Sinto falta da experiência ampla de estar no cinema, compartilhando aquele filme com várias outras pessoas, que você conhece ou não.”

Última preocupação

Sobre o futuro retorno aos cinemas, Marcelo Miranda diz não ter maiores expectativas. Ele vê o ambiente como sem igual para a fruição de filmes, mas não faz do espaço um altar. “Não tenho essa idealização do cinema como um espaço sagrado, mesmo achando que tenha uma importância histórica fundamental tanto de fruição quanto de experiência coletiva. Acredito que minha ida a uma sala de cinema depois de praticamente dois anos será muito legal, mas não tenho essa ânsia e pressa de ir na atual circunstância”, afirma.
Marcelo afirma que “a última coisa” com a qual se preocupa nesse momento de pandemia é quando poderá voltar ao cinema. “Se me disserem que preciso ficar mais cinco anos sem ir ao cinema em troca de me vacinar amanhã, tranquilamente pego a vacina (risos). Minha expectativa agora é me manter vivo, manter viva minha família, conseguir ser vacinado no momento adequado. Cinema, por mais maravilhoso que seja e faça parte da minha vida pessoal e profissional, não é uma prioridade agora, então vou assistindo aos filmes do jeito que é possível no momento.”

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Sem pressa, Marcelo Miranda aguarda o momento em que novamente não mais terá “controle” sobre o filme (Foto: Arquivo pessoal)

O “jeito possível”, claro, é assistir aos filmes em casa, mesmo que a atenção que possa dedicar às produções seja bem diferente da sala escura. “A casa demanda atenções que não temos na sala de cinema, que exige a sua imersão total se você vai disposto a isso; no lar não temos essa imersão absoluta, por mais que você tente”, reconhece Marcelo Miranda. “Uma coisa que sempre gostei no cinema é que ele não é um ambiente ‘seguro’ – não no sentido concreto, mas de não ser sua casa, de não ter pessoas que você conheça na maioria das vezes, de ver um filme que você não sabe o que virá. E essa é parte da emoção, pois em casa você pode parar, pausar para cuidar de alguma coisa, do filho, para comer; e às vezes você enjoa, dorme, são centenas de variáveis que alteram sua fruição.”

Reencontrando salas vazias

Proprietário da Rede CineMinas – que marca presença em Juiz de Fora com as duas salas do Cine Santa Cruz -, Fernando de Oliveira Costa Junior lamenta estar com as portas fechadas desde 18 de março do ano passado e ter dispensado funcionários que tinham até 20 anos de casa. Ele segue esperando pela reabertura – até para acabar com o “vácuo” de não ter mais em seu cotidiano a experiência de ver o público que chegava cheio de expectativas para assistir a um filme.
“Sinto falta desse convívio. Sou procurado constantemente por pessoas daí de Juiz de Fora e Caxambu (onde ele administra outras salas) perguntando quando vai reabrir”, conta. “Em Caxambu fazíamos muito projeto escola, e às vezes encontro com professores e sinto neles uma preocupação muito grande quanto ao retorno.”
Fernando mora em São Lourenço, cidade em que as salas já reabriram, e também já esteve em Itajubá – outra cidade com cinemas funcionando -, mas nessas visitas a colegas do meio ele nunca chegou a assistir a um filme até o final, tendo apenas o interesse de saber como estava o movimento. Nos dois casos, ele observou que a audiência é pequena dentro do contexto de 30% dos assentos disponíveis.
Questionado sobre a sensação de voltar a assistir a um filme em uma sala de cinema, ele acha que “faltou tudo”. “Em 70 anos de vida, não senti sensações tão esquisitas como essa. Temos a preocupação com as próximas gerações, que vão seguir com isso tudo”, diz o empresário, citando o terror “Invocação do mal 3: a ordem do demônio” como um dos longas que estavam em cartaz e que, pelo gênero, tem um público mais específico.
“Vi que jovens é que foram assistir a esses filmes. O pessoal mais velho não foi, estão afastados desse contexto. Percebi que os jovens não têm muita preocupação em se manterem afastados dos outros, ao contrário das pessoas de mais idade. Você não vê aquele público de família como no caso de ‘O Rei Leão’.”
Quanto ao futuro, Fernando acredita que o movimento demorará a voltar ao normal quando ocorrer a reabertura dos cinemas nas cidades onde atua com sua rede, pois acredita que a preocupação do público com a Covid ainda é grande. Sobre a disputa do cinema com as plataformas de streaming, ele aposta que, quando se sentirem seguras, as pessoas voltarão à sala escura, e não apenas pelo desejo de assistir a um filme.
“O cinema teve um período no início dos anos 2000 em que chegou a ter pouco mais de 900 salas por conta da concorrência das locadoras, e depois ele superou isso, chegamos a mais de três mil salas. Apesar da comodidade do streaming, acredito que as pessoas têm necessidade de sair, se encontrar, se distrair, e o cinema é a opção mais popular e acessível para todos. Sair de casa vai se tornar uma necessidade porque as famílias estão presas há algum tempo. A questão é saber a partir de quando, então temos que aguardar mais um pouquinho.”

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