Fora dos cinemas, “Carlinhos & Carlão” estreia no Prime Video

Comédia estrelada por Luis Lobianco mostra machão homofóbico “transformado” por armário mágico


Por Júlio Black

26/11/2020 às 07h00

Luis Lobianco (à direita) interpreta o machão “transformado” da comédia nacional “Carlinhos & Carlão” (Foto: Divulgação)

Há muito que as comédias nacionais são marcadas por estereótipos que ajudam a reforçar vários tipos de preconceitos: o gordo bonachão, a periguete, o suburbano desbocado e a mulher independente desesperada por um marido, entre outros, que são tão comuns nas produções de uma Globo Filmes da vida. E temos, claro, o gay espalhafatoso, aquele que transforma uma ida ao supermercado num desfile de escola de samba. Ainda bem que “Carlinhos & Carlão”, longa que estreou no Prime Video no último dia 12, busca fugir dos clichês atrelados aos homossexuais no audiovisual – e obtém sucesso na maioria das vezes.

O longa, que deveria ter sido lançado nos cinemas mas acabou no streaming por causa da pandemia, é dirigido por Pedro Amorim (“Mato sem cachorro”, “Divórcio”) e tem como protagonista Carlão (Luis Lobianco), criado pelo pai (Otávio Augusto) dentro dos padrões da “tradicional família brasileira”. Ou seja: tem que gostar de futebol, mulher e não ter frescura, que é “coisa de viado”. Ao se tornar adulto, torna-se o típico machão que joga futebol, torce pelo Flamengo e entende tudo de carros, tanto que trabalha numa concessionária. Para completar, Carlão é tão grosseiro que não se casou, vive em uma casa que está a meio limão de um chiqueiro, com roupa suja espalhada por todos os cantos, e ele e os amigos de trabalho e pelada adoram cantar todas as mulheres – em especial Glorinha (Thati Lopes), que trabalha no bar que frequentam.

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Saindo do armário

O elemento fantástico da história dá as caras quando o armário de Carlão quebra e ele precisa comprar outro, e por isso vai parar na loja de móveis usados de Evaristo (Luis Miranda), que, ao perceber a homofobia do mancebo, decide dar-lhe uma lição. O mecânico acaba por comprar, sem saber, um armário mágico: com isso, toda noite, Carlão se transforma em Carlinhos, um homossexual alegre, bem resolvido, disposto a viver tudo de bom que a vida tem a oferecer.

Parafraseando a famosa música “Maria sapatão”, o protagonista de dia é Carlão, e de noite é Carlinhos, e isso começa a dar uma série de dores de cabeça para o protagonista, que toda manhã acorda sem saber o que aconteceu e com as roupas mais estapafúrdias, com matches em redes sociais de namoro e pegação, pessoas falando o que ele fez ou deixou de fazer, e aos poucos percebe que vai ter que lidar com as feras que o armário o faz soltar.

“Carlinhos & Carlão” tem muitos méritos, e o principal deles é Luis Lobianco, que entrega “duas” interpretações muito boas, assim como a maior parte do elenco. Ao contrário de outras produções, que buscam o riso fácil ao contar “as aventuras de uma bicha louca” com toda sorte de clichês, o longa tem o objetivo de divertir e conscientizar ao mesmo tempo; e daí temos momentos tanto divertidos quanto dramáticos, como as agressões por homofobia, o discurso de que “filho homem tem que ser macho”, o homofóbico e machão que confessa o famoso “quem nunca…?”, a homofobia como repetição de costumes e busca de aceitação social.

Essas questões, às vezes, aparecem jogadas de forma gratuita e forçada no meio da história, como se fosse obrigação incluir todos os tópicos da discussão em pouco mais de 90 minutos, mas não chegam a atrapalhar o andamento do filme. Só incomodam um pouco.

Porém, por mais que tente se desviar dos estereótipos, em algumas passagens “Carlinhos & Carlão” dá suas escorregadas. Há, por exemplo, a onipresente e mais que batida – dentro do universo LGBTQI+ – “I will survive”, cantada por Gloria Gaynor; Gretchen e seu “Freak Le Boom boom”; e “Homem com H”, de Ney Matogrosso, que poderiam levar o longa para um caminho mais próximo de “Crô: O filme”, porém são desvios pontuais. Há também o clichê do glitter. E Carlão, quando se transforma em Carlinhos, chega a ser levado à beira da caricatura pelo roteiro, mas a atuação de Lobianco evita que se ponha tudo a perder. A produção é esperta, ainda, ao mostrar como contraponto Marcos (Thiago Rodrigues), gerente da concessionária que é gay assumido, gosta de futebol e não faz o estilo “destaque de carro alegórico”.

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E se alguém ainda precisa de mais motivos para assistir ao divertido “Carlinhos & Carlão”, o filme toca duas vezes “I love to love”, de Tina Charles – e todo mundo sabe que filme que tem Tina Charles na trilha sonora não pode ser ruim.

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