Ainda mais perto do público
Formado em 2013, o Corpo Coletivo tem entre seus objetivos artísticos trabalhar o conceito de “teatro íntimo”, que proporciona uma proximidade ainda maior entre artista e espectador, resultando em espetáculos que abdicam da necessidade de palco. E é dentro desse espírito que o grupo dá um passo além e aproveita o Corredor Cultural para apresentar, entre sexta-feira (26) e domingo (28), o espetáculo “(IN)Cômodos” em diferentes pontos de Juiz de Fora de forma simultânea e nas casas e apartamentos das pessoas que se dispuseram a receber o projeto. É a ideia de “teatro em casa” levada ao pé da letra.
“A ideia em si não é inédita, já foi realizada em diversas partes do mundo tanto no teatro quanto na dança; até mesmo bienais já experimentaram o formato”, explica Carú Rezende, uma das integrantes do Corpo Coletivo. “Temos esse projeto pensado há três anos, sempre conversamos sobre como poderia ser feito, organizar, e com o Corredor Cultural vimos a oportunidade de fazer a experiência. Ver como vai ser para a pessoa nos receber e a gente ir até a casa do espectador, apresentar o trabalho.”
As inscrições para os interessados ficaram abertas por cerca de cinco dias em maio, e a resposta foi melhor que a esperada pelo grupo, com 30 interessados em receber o espetáculo. Como a ideia era diversificar o máximo possível o público, foram escolhidas 18 casas e apartamentos em 15 bairros diferentes: São Pedro, Aeroporto, Ipiranga, Centro, Santa Efigênia, JK, São Bernardo, Bairro de Lourdes, São Mateus, Paineiras, Ladeira, Democrata, Bom Pastor, Monte Castelo e Francisco Bernardino. “Foi surpreendente ver as pessoas se jogarem assim, abrindo seus lares; gente que não conhecemos em sua maioria, que são plateia mesmo. Não são amigos, conhecidos. Algumas sequer viram outros espetáculos do Corpo Coletivo. Antes mesmo de acontecer já estamos felizes com a resposta, isso anima a continuar com o projeto”, comemora Carú.
Espalhados pela cidade
“(IN)Cômodos” é composta por três micropeças, escritas e dirigidas por Hussan Fadel, monólogos interpretados por Carú, Pri Helena e Raphaela Ramos e apresentados simultaneamente em locais diferentes – o que exige uma preparação logística para tudo dar certo. Na sexta-feira e no sábado, por exemplo, serão três sessões, às 18h, 20h e 22h, com dois monólogos ao mesmo tempo. No domingo, as sessões estão marcadas para as 18h e 20h, e aí as três micropeças serão realizadas de forma simultânea. De acordo com Carú, serão três equipes acompanhando as atrizes. “Montamos tudo, apresentamos, depois fazemos um bate-papo acompanhado de café. Cada texto tem aproximadamente 20 minutos, e depois vamos discutir com a plateia o texto, a ideia de receber o espetáculo em casa. Tudo deve demorar mais ou menos uma hora, e fizemos uma logística para que pudéssemos ter cada equipe atendendo uma região.”
Cada história se passa num cenário diferente. “Flor do campo”, por exemplo, acontece na cozinha e terá Raphaela Ramos interpretando uma mulher que não se sente parte do mundo ao qual pertence e tenta se adaptar a essa realidade, representada por um emprego em que convive com pessoas descoladas, divertidas e antenadas a uma moda que ela não conhece. “A personagem decide receber em casa pessoas que não conhece, que convidou pela internet, para um jantar em sua casa. Ela quis experimentar essa modinha de chamar desconhecidos para comer em casa, pois se acha quadrada e quer experimentar ser moderninha. A personagem vive esse dilema de ver tanta gente moderna, descolada, até perceber que isso não é para ela”, diz Carú Rezende.
Pri Helena é a atriz escolhida para “Gaveta vazia, peito vazio”. Passada em uma sala, a micropeça tem como tema a falta de uma pessoa e o sentimento de solidão que essa ausência pode provocar, até mesmo nos pequenos detalhes. “A mulher desse monólogo está sozinha numa casa em que a luz acabou, o chuveiro queimou, e que ela tenta consertar enquanto o marido não chega. Ela tem essa angústia de esperar por ele e também não saber o que fazer em relação a essa ausência, que é constante.”
O último monólogo é “Tomates, morangos e drogas homeopáticas”, encenado pela própria Carú e que tem como tema a necessidade de as pessoas acreditarem algo – no caso da personagem, dietas, mesmo que seja uma que a faça deixar de sorrir por dias a fio. “A história se passa em um quarto e mostra a personagem adotando essa ‘dieta da felicidade’, em que não pode mais rir. Por isso, ela deixa de comer alimentos que a fazem sorrir, como brownies, morangos, chocolates. Na verdade, porém, é tudo um pretexto, pois ela tem dificuldade em lidar com as coisas fugazes da vida, é muito solitária e com dificuldades para dormir. Ela só consegue interagir com outras pessoas por meio do Facebook e diz que vive bem assim, mas vive essa angústia da solidão, de não conseguir compartilhar com as pessoas. ?Sua fuga é por meio dos remédios.”
Em busca da intimidade cênica
Segundo Carú, cada atriz criou sua cena com uma estrutura maleável, sem marcação fixa, e com apenas alguns elementos cênicos definidos previamente para adaptar a apresentação às dimensões dos cômodos em que as micropeças serão encenadas. “A ideia não é transformar a casa da pessoa num teatro. Nossa proposta é que o monólogo aconteça com a menor adaptação possível. Pode ser que tenhamos que arrastar um sofá, mas a ideia é que o cômodo sirva de cenário do jeito que encontrarmos, tanto que não vamos levar iluminação. O cenário vai ser composto pela intimidade da pessoa, que receberá em troca a nossa”, destaca a atriz, lembrando que quem se inscreveu pôde optar por um cômodo para a encenação ou deixar a escolha por conta do Corpo Coletivo.
O tamanho do ambiente nunca foi um elemento delimitador imposto pelo grupo. No máximo, vai definir apenas a “capacidade de público” para cada apresentação. “Nós indicamos dez pessoas para cada micropeça, mas se no espaço da casa couber mais, ela poderá chamar um número a mais de pessoas. São convidados do anfitrião, e ele pode chamar quem quiser, mas pedimos apenas que seja um máximo de 20 pessoas.”
O título do projeto, “(IN)Cômodos”, é uma brincadeira com as palavras. Como lembra Carú, “In”, em inglês, significa “dentro”, que poderia remeter a histórias “dentro de casa”. Ao mesmo tempo, pode passar para o espectador a ideia do incômodo vivido por cada personagem. “Todas as micropeças falam sobre pessoas que passam por incômodos dentro de casa, angustiadas com alguma coisa, seja no quarto, na cozinha, na sala. Ela compartilha esse incômodo com a plateia, que passa a ser confidente desse discurso, desse relato, dessa confidência que o fazemos em cena.”