Último filme de Chadwick Boseman, “A voz suprema do blues” chega à Netflix

Ator – morto em agosto – e Viola Davis brilham em grandes atuações no longa sobre famosa cantora dos primórdios do blues


Por Júlio Black

25/12/2020 às 07h00

Chadwick Boseman (ao centro) interpreta o músico ambicioso Levee em sua última atuação no cinema (Foto: Divulgação)

“A voz suprema do blues” estreou na Netflix na última sexta-feira (18) com a expectativa gerada pela morte, em agosto, do ator Chadwick Boseman, que teve no longa sua última atuação. O filme, porém, vai milhares de quilômetros além da curiosidade em ver o Pantera Negra dos filmes da Marvel em seu trabalho derradeiro: trata-se de um dos melhores filmes de 2020, do mesmo nível de “Destacamento Blood” ou “Mank”, e que deve render uma penca de indicações ao Oscar, incluindo o próprio ator e a protagonista, Viola Davis.

A produção tem mais atrativos na sua ficha técnica além da presença de Boseman. O filme é a adaptação da peça homônima escrita por August Wilson, vencedora do Pullitzer e que levou três prêmios Tony; ela é, ainda, a segunda parte de dez da série “American Century Cycle”, sobre a nada fácil vida dos negros nos Estados Unidos no século passado. Wilson já teve outra de suas peças levadas para o cinema: “Um limite entre nós” (2016), com o qual Viola Davis levou o Oscar de melhor atriz. A direção é de George C. Wolfe, dramaturgo e diretor que fez fama na Broadway, tendo vencido o Tony de direção por “Angels in America” e “Bring in ‘da noise, bring in ‘da funk”.

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Viola Davis é a protagonista do longa que relembra a polêmica cantora Ma Rainey (Foto: Divulgação)

Calor e tensão no estúdio

“Ma Rainey’s Black Bottom” (título original) é sobre Ma Rainey (Davis), uma das primeiras grandes cantoras de blues, conhecida pela personalidade forte e por ser autora das próprias canções. O filme se passa em 1927 e mostra a cantora em Chicago, onde foi gravar suas próximas canções em meio a um calor de derreter asfalto.

O clima das gravações, além de quente, é tenso: Rainey bate de frente com o empresário e o produtor, que querem que ela grave versões mais palatáveis ao público branco. Além disso, ela precisa lidar com o ambicioso trompetista de sua banda, Levee (Boseman), que sonha em ter o próprio conjunto para gravar suas composições e entra em conflito tanto com a cantora quanto com seus colegas de quarteto, entre outros motivos por ter adaptado as canções de Ma Rainey ao gosto dos “patrões”.

Atuações arrebatadoras

“A voz suprema do blues” mostra uma panela de pressão prestes a explodir, com o calor, as personalidades fortes de Ma Rainey e Levee, a pressão do produtor e empresário e discussões sobre religião e racismo elevando o tom até a história chegar num clímax violento e catártico.

Levar o teatro para o cinema é tarefa difícil, mesmo quando o cenário em que se passa a história é restrito, pois é muito fácil roteiro e direção ficarem presos ao formato original _ ainda mais com o diretor sendo egresso dos palcos e tendo escrito um roteiro muito “teatral” para a adaptação de “Um limite entre nós”. No cinema brasileiro, por exemplo, não faltam exemplos de “teatro filmado” mesmo quando o roteiro é original.

Porém, no caso do longa da Netflix, o roteiro de Ruben Santiago-Hudson evita essas armadilhas que, junto à direção de George C. Wolfe, o cenário e elenco, fazem com que “A voz suprema do blues” seja uma experiência cinematográfica única, um dos melhores filmes de 2020, que leva para a tela temas como racismo, desigualdade social, preconceito, a exploração do artista negro e a violência sofrida pela população preta na época.

Sobre o elenco, aliás, o filme não seria o mesmo sem a presença de Viola Davis e Chadwick Boseman, além dos músicos interpretados por Colman Domingo, Glynn Turman e Michael Potts. A Ma Rainey da atriz sabe qual é seu valor, que tem o controle da situação, não abaixa a cabeça para ninguém e intimida só de olhar para o “inimigo”, mesmo que sob toneladas de maquiagem e com o suor a escorrer por todo o corpo.

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Chadwick Boseman, por sua vez, tem a urgência de quem sabia que tinha pouco tempo neste mundo. O Levee do ator é ainda mais impressionante que o Stormin’ Norman de “Destacamento Blood”, em uma interpretação arrebatadora, cheia de nuances, em que o jeito “malandro” é substituído por um crescente de amargura, ressentimento, ilusão, violência, descrença em Deus e desejo de vingança. Um desfecho emocionante para uma carreira que terminou tão cedo.

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