‘Ninguém mais vai ser bonzinho’: Quando o teatro é para todos (mesmo)

Espetáculo com recursos de acessibilidade e atores com ou sem deficiência é apresentado nesta quinta-feira (26) no Paschoal Carlos Magno


Por Júlio Black

25/04/2018 às 07h00- Atualizada 25/04/2018 às 20h06

Peça utiliza diversos recursos de acessibilidade para permitir a imersão profunda na história a todo o público (Foto: Divulgação)

Todo mundo, em algum momento da vida, passou por uma situação em que sua passagem por algum lugar foi prejudicada por um obstáculo. Um carro irregularmente estacionado na calçada que obriga a passar pela rua, uma porta trancada que obriga a dar uma volta, um buraco, uma passagem enlameada. Para outras tantas pessoas, porém, a questão da acessibilidade é problema cotidiano: seja uma deficiência auditiva, visual, motora, elas ficam prejudicadas em seus direitos de ir e vir, e também de desfrutar de espaços e opções de lazer.

Mas não precisa ser assim, e é isso que o espetáculo “Ninguém mais vai ser bonzinho” procura mostrar. Com apresentação gratuita nesta quinta-feira (26), às 15h, no Teatro Paschoal Carlos Magno, a peça encenada pelo grupo Os Inclusos e os Sisos – Teatro de Mobilização pela Diversidade, conta no palco com quatro atores, com ou sem deficiência, que apresentam sete esquetes com situações corriqueiras em que pessoas com e sem deficiência se deparam com alguma reação ou atitude de discriminação, usando o humor para desconstruir essa situação. Além da peça, o projeto realiza nesta quarta-feira (25), às 14h, no CCBM , uma oficina – também gratuita – voltada aos profissionais de ensino (e demais interessados) com o objetivo de promover reflexões sobre o que é uma sociedade inclusiva.

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Para provar que é possível, sim, que o teatro seja para todos, o espetáculo conta com dez recursos de acessibilidade que vão além das já conhecidas rampas e espaços para cadeirantes: entre eles estão letreiros, intérprete de Libras, fones para audiodescrição, material de comunicação em braile e formatos digitais, visita tátil ao cenário, banheiros adaptados e atendimento acessível desde a fila.

Segundo o coordenador do projeto, Pedro Prata, tudo começou em 2002, quando a jornalista Cláudia Werneck criou a ONG Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, desdobramento do trabalho que ela já fazia na área e que inclui outros projetos, todos com o objetivo de mostrar a importância de uma sociedade inclusiva, em que todos exercem seus direitos. “Um ano depois da criação do projeto, a filha dela, a (atriz) Tatá Werneck, sugeriu a criação do grupo de teatro a fim de apresentar espetáculos que atendessem a todas as pessoas”, detalha Pedro.

Para além dos cem mil

A primeira apresentação de “Ninguém mais vai ser bonzinho” foi em 2003, no Rio de Janeiro, e desde então foi assistida por mais de cem mil pessoas, contando com diversas reencenações e atualização do texto, que teve participação de Tatá em sua criação. “É nosso maior sucesso, e a gente resgata esse espetáculo em momentos que sentimos necessidade, pois as pessoas se conectam com ela com facilidade. São esquetes em que os atores apresentam situações de discriminação em várias ocasiões. Mostramos como o mundo deveria ser, tanto que não fazemos piada com a discriminação, mas sim com quem discrimina”, diz Pedro Prata, ressaltando que é feita uma seleção de atores, tanto com ou sem deficiência. “Já tivemos, por exemplo, uma atriz que era cega e ninguém percebeu, outro com Síndrome de Down. Para nós, é uma característica como qualquer outra.”

A atual turnê conta com o apoio da MRS Logística e percorre as cidades por onde passa a ferrovia de empresa – além de Juiz de Fora, fazem parte da atual temporada Conselheiro Lafaiete (MG), Itaquaquecetuba e Suzano (SP), Barra Mansa, Paracambi e Pinheiral (RJ). “Procuramos oferecer uma imersão completa na experiência, por isso oferecemos todos os recursos de acordo com a legislação. Só realizamos o espetáculo, por exemplo, em espaços em que cadeirantes possam entrar, com banheiros adaptados. Não basta apenas o espetáculo ser acessível, isso também tem que passar pelo atendimento, como deveria ser em todos os lugares”, ressalta.

“Por isso, sempre trabalhamos com o poder público nas cidades em que nos apresentamos. Acho importante mostrarmos para os governos municipais como pode ser feito, e esperamos que num próximo evento a prefeitura ofereça esses recursos.”

Reconhecimento das Nações Unidas

O trabalho feito pela ONG fez com que a Escola de Gente – Comunicação em Inclusão fosse premiada em 2014 durante a Conferência Projeto Zero, que acontece anualmente na sede da ONU (Organização das Nações Unidas) em Viena, na Áustria, em que são reconhecidas as experiências mais inovadoras do mundo no que tange aos direitos das pessoas com deficiências. Por mais que o reconhecimento internacional seja importante, Pedro Prata destaca o impacto que o trabalho no teatro tem na vida das pessoas.

“Todo espetáculo nosso, nesses 15 anos, tem pelo menos uma pessoa que nunca foi ao teatro na vida, e não por falta de recursos, mas porque o espaço não foi feito pensando em todas as pessoas, é uma experiência que não se esquece. Para nós, isso é muito marcante. Além disso, para quem tem o costume de ir ao teatro e não tem deficiência, entender o que é um ambiente com acessibilidade torna-se um aprendizado imediato, simples, de como o mundo deveria ser. A acessibilidade vai muito além da rampa.”

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Ninguém mais vai ser bonzinho
Quinta-feira (26), às 15h, no Teatro Paschoal Carlos Magno (Rua Gilberto de Alencar s/nº – Centro) – Entrada franca (ingressos esgotados)

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