Conheça o novo projeto da Prefeitura para o carnaval de JF
Projeto foi aprovado pela Lei Rouanet para financiamento dos desfiles de escolas de samba. Para a Liga, não há tempo de realizar. Para a Funalfa, simboliza adoção de novo modelo, requalificado, para as agremiações
Há poucas semanas do carnaval, o desfile das escolas de samba juiz-foranas é compasso impreciso, samba de uma nota só que tocou ao longo dos últimos meses e anos. “E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó. Fica sempre sem nenhuma, fica numa nota só.” Ilustração exata de uma cena recorrente e, por isso, previsível, é a canção de Tom Jobim com letra de Newton Mendonça. Aprovado em setembro, o projeto inscrito pela Funalfa na Lei Rouanet prevê um aporte de R$ 2.184.302,50, mais de 80% do valor praticado para os desfiles deste ano. Com a possibilidade de captar os recursos até o quarto dia de abril de 2018, a fundação aguarda o posicionamento de duas empresas locais, interessadas em destinar parte de seus impostos de renda ao evento. “Por mais que seja destinação tributária e falemos de empresas que movimentam bilhões, é um valor muito alto, que demanda uma cultura de aporte e existe um pé atrás, ainda mais em se tratando de um produto cultural que já sofre muitos ataques”, comenta o superintendente da Funalfa, Rômulo Veiga, citando o carnaval carioca, que passa por um revés após a Prefeitura do Rio de Janeiro retirar importante apoio para os desfiles.
Enquanto para a PJF mantém-se a possibilidade de realização dos desfiles, mesmo que remota, para a Liga Independente das Escolas de Samba de Juiz de Fora, a Liesjuf, o cancelamento é dado como certo, desarticulando as próprias tentativas de patrocínio. Segundo Rômulo Veiga, ainda que o cronograma do projeto aponte para a necessidade de uma antecedência de 45 dias dos desfiles – o que inviabiliza a realização durante o carnaval -, é viável considerar um atraso. Mais que a coerência, vale a formalização de uma parceria com a iniciativa privada, garantindo, assim, a execução de um projeto cuja tônica é a requalificação de uma festa em crescente agonia nos últimos anos.
“Não temos mais tempo. Não conseguimos mais realizar os desfiles para 2018. Nesse momento já deveríamos estar finalizando”, lamenta o diretor de eventos da liga, José Adriano da Silva. “Acho que deveria ser feito um amplo seminário, logo depois da Quarta-feira de Cinzas, para mostrar aos empresários que vale a pena patrocinar os desfiles de carnaval”, pontua, para logo reconsiderar: “O correto mesmo seria usar a verba do tesouro”. O que o projeto para a Rouanet aponta, porém, é a construção da independência das agremiações e, consequentemente, o fortalecimento dos desfiles. “Acho que as escolas precisam de uma reestruturação completa, que começa com um fundo que estamos tentando criar, para requalificação das escolas e suas quadras, compra dos instrumentos e manutenção de trabalhos sociais. As escolas de Juiz de Fora já foram muito organizadas, já tiveram cada uma seu carnavalesco, sua equipe, já fizeram desfiles muito bonitos e, principalmente, já tiveram representatividade dentro de suas comunidades. Essa cultura que hoje evidencia uma falência por dentro, com problemas acumulados ao longo dos anos, e que vai muito além do local do desfile, mostra que não existe um senso de coletividade, e a Prefeitura nunca cobrou isso”, avalia Rômulo Veiga.
Mobilização comunitária: ausente!
Prevendo a realização de seis dias de ensaios técnicos abertos ao público, dois dias de desfiles para as 12 escolas e uma terceira data para a apreciação das agremiações campeãs, o projeto “Desfile das Escolas de Samba de Juiz de Fora – MG – Carnaval 2018” considera, ainda, uma contrapartida social para cada escola, que deverá realizar oficinas para crianças. Seguindo o mecanismo federal, a realização do evento exige, portanto, uma detalhada prestação de contas, o que por si só impõe um novo perfil de gestão para as escolas.
“Quando estudamos os modelos de requalificação dos desfiles e os modelos que o Ministério da Cultura entende como os melhores, percebemos que ele (o MinC) não acredita em repasse para as escolas de samba. Ele entende que posso contratar profissionais para executar serviços ou adquirir insumos. A escola tem o custo de pagar seu mestre-sala e porta-bandeira, por exemplo. Ao invés de eu repassar um dinheiro para ela, recebo um plano de trabalho para mestre sala e porta bandeira, vamos avaliar dentro de parâmetros e, se estiver tudo certo, pagamos esses profissionais. Aí a escola vai ter consumido esse apoio nosso, dentro de um limite. Para o casal, estão previstos R$ 3 mil, mas se a escola quiser um de R$ 4 mil, vai ter que tirar R$ 1 mil do próprio bolso”, explica Rômulo.
Inibindo que um prestador seja contratado por mais de uma escola, o projeto acaba por esbarrar na dificuldade de mobilização das agremiações, que atualmente “compartilham” componentes e profissionais, numa já reduzida malha de “operários do carnaval”. Para José Adriano da Silva, a justificativa está na desarticulação resultante do fechamento da maioria das quadras na cidade, por sugestão do mesmo Corpo de Bombeiros que indicou a limitação de uso do Centro Cultural Bernardo Mascarenhas e do Cine-Theatro Central.
“O Poder Público, quando quer, ajuda. Nosso principal problema está relacionado às interdições”, pontua o diretor de eventos da Liga, apontando para Juventude Imperial, Real Grandeza, Partido Alto, Turunas do Riachuelo, Rivais da Primavera, União das Cores e Feliz Lembrança como algumas das agremiações que perderam seus espaços. “A quadra é o convite do pessoal de cada bandeira. Como vamos fazer trabalho social com os espaços interditados ou com dívidas?”, questiona José Adriano, apontando para as desordens que da prática impregnaram, também, as administrações.
“A Turunas do Riachuelo, onde tive uma participação mais direta, por exemplo, sem fazer nada, evento algum, gasta pelo menos R$ 1,5 mil. Por isso precisamos fazer eventos. O carnaval continua durante o ano todo. E gera emprego, ainda mais num momento de crise como a que vivemos”, observa o diretor de eventos. De acordo com o superintendente da Funalfa, essa conta é pesada demais para ser partilhada com a Prefeitura, que inicialmente já doou a maioria dos terrenos onde foram edificadas as quadras. “O dinheiro não gera legado nos últimos anos. Basta ver que nos últimos 30 anos a Prefeitura aportou quase R$ 50 milhões nos desfiles e quase todas as escolas têm problemas nas quadras, nas comunidades, dívidas”, critica Rômulo.
Burocracia, rigidez e organização
Autora do projeto de incentivo fiscal e, por consequência, única gestora da verba repassada, a Funalfa assume um compromisso que confere burocracia aos desfiles – agindo por licitações, editais e contratos – e, sobretudo, organização. “Não conseguiríamos aprovar no Ministério da Cultura um projeto que contemple as escolas da forma que elas funcionam hoje”, diz Rômulo Veiga.
“Quando pesquisamos as cidades que têm modelos exitosos de desfiles, a grande maioria que tem verba pública abre edital. A escola deve ter certidões negativas. Dá certo em vários lugares. Porque não daria aqui? A exigência da organização cria uma realidade empreendedora. O convite que fizemos aos presidentes é de requalificação, tanto estética, quanto numa ordenação de processos benfeitos e uma atividade interna bem organizada. Nesse sentido, não avançamos muito”, lamenta o gestor, apontando para a relevância da acessibilidade prevista no projeto, que inclui presença de intérprete de Libras e sinalização em braile em todo o complexo da Passarela do Samba, prevista para se manter no Parque de Exposições.
“Quando pensamos num desfile organizado, ele deve ter planejamento. A ideia, que entendi conversando com os consultores do MinC, é que o desfile é resultado, não é fim. A atividade é feita ao longo do ano para que o desfile aconteça. Então, esse planejamento que obrigaríamos as escolas a ter deveria ser o mínimo”, defende Rômulo, que propôs, inclusive, a criação de um fundo para projetos, mas com a obrigatoriedade da apresentação de plano de trabalho. Cancelado no início deste mês, o concurso Rainha do Carnaval 2018 deveria, segundo o superintendente da Funalfa, ter sua arrecadação revertida para o fundo. Nos planos da Funalfa, em março, a PJF cederia o Parque de Exposições, colocando palco e som, com o dinheiro contratariam um artista para um show, para arrecadar ainda mais.
“Tendo um calendário de eventos, até o final do ano teríamos entre R$ 150 mil e R$ 200 mil. Com esse dinheiro, conseguiríamos subvencionar um plano de recuperação das quadras. Para lançar mão da subvenção, a contrapartida seria ceder a quadra às atividades do fundo (para eventos). Por aí seguiríamos, recuperando todas as quadras. Mas essa proposta perdeu por 12 votos a 1 na Liga. A ampla maioria prefere continuar com a política de rateio. Não acredito que isso seja política pública e acho que ter essa visão é continuar marchando para o fim dos desfiles”, lamenta o gestor, demonstrando que as divergências só contribuem para manter o samba no mesmo compasso. “E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó. Fica sempre sem nenhuma, fica numa nota só.”