Filmado como um plano-sequência de quase duas horas, drama de guerra “1917” estreia nesta quinta

longa de Sam Mendes tem conquistado os principais prêmios antes do Oscar


Por Júlio Black

23/01/2020 às 18h36

“1917”, longa dirigido por Sam Mendes que estreia nesta quinta-feira (23), tem sido apontado como o grande favorito para levar a estatueta de melhor filme, principal categoria do Oscar, que terá a cerimônia de premiação em 9 de fevereiro. Entre os motivos estão o fato de ser baseado em fatos reais; ser um drama de guerra, tema ainda caro à Academia – e contar uma história da Primeira Guerra Mundial, tão pouco registrada, ajuda -; e o desafio imposto de filmar a história como se fosse um único plano-sequência – na verdade, dois, como se observa no meio do filme, missão que o diretor de “Beleza americana” (vencedor do Oscar em 2000) cumpre de forma poucas vezes vista na sétima arte.

Não à toa, “1917” foi indicado em dez categorias ao Oscar, junto com “Era uma vez em… Hollywood” e “O irlandês”, e uma a menos que “Coringa”. Porém, a produção viu seu favoritismo crescer ao levar os prêmios de melhor filme em drama no Globo de Ouro e o Darryl F. Zanuck de melhor produção cinematográfica de 2019, na cerimônia do Sindicado dos Produtores de Hollywood (PGA). Este último é considerado o principal termômetro do Oscar, pois nos últimos 30 anos as duas premiações escolheram o mesmo vencedor em 21 ocasiões.

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George MacKay e Dean-Charles Chapman interpretam os soldados recrutados para adentrar território inimigo e impedir o massacre de toda uma divisão (Foto: Divulgação)

Uma história de guerra

Para muitos, o sul-coreano “Parasita”, de Bong Joon-ho, deveria ser o grande vencedor do Oscar, mas o fato de ser uma produção estrangeira deve dar ao longa a “consolação” da estatueta de melhor filme internacional. Apesar de “injustiça” antecipada, o prêmio principal para “1917” jamais entraria na lista de erros históricos do Oscar, como “Spotlight”, que desbancou “Mad Max: Estrada da fúria” em 2016 ou “Shakespeare apaixonado”, que levou o prêmio de melhor filme em 1999 no lugar de “O resgate do soldado Ryan”. No caso de “1917”, Sam Mendes entrega uma história carregada de drama, tensão, ação, grandes atuações e momentos em que a habilidade do diretor para filmar longas sequências salta aos olhos.

A trama de “1917” não é o relato fiel de fatos históricos, mas sim inspirada numa história que o avô paterno do diretor, Alfred Mendes, contava a partir de suas experiências na Primeira Guerra Mundial, da qual participou servindo ao Exército Britânico – e que sob muitos aspectos lembra a trama de “O resgate do soldado Ryan”. A história se passa no Norte da França, um dos principais cenários do conflito, num momento em que não havia maiores avanços na chamada guerra de trincheiras. As forças alemãs, entretanto, recuam alguns quilômetros em uma de suas linhas, o que anima o Exército Britânico a preparar o ataque com uma de suas divisões. O que seus comandantes não sabem, todavia, é que o recuo faz parte de um estratagema inimigo, numa emboscada que pode matar todos os 1.600 soldados da Grã-Bretanha envolvidos.

Outra divisão, que está na retaguarda, é informada da emboscada, mas numa época em que os meios de comunicação – em especial o telefone – eram escassos, precisa correr contra o tempo para avisar os seus colegas, muitos quilômetros além. A melhor forma de levar a mensagem é recrutar dois jovens de baixa patente como mensageiros, que terão que atravessar a chamada “terra de ninguém” e as linhas inimigas para entregar a nova ordem ao coronel Mackenzie (Benedict Cumberbatch). O general Erinmore (Colin Firth) dá a missão para o cabo Blake (Dean-Charles Chapman, de “Game of Thrones”), que terá como parceiro o também cabo Schofield (George MacKay, de “Capitão Fantástico”). Juntos, eles terão que passar por trincheiras coalhadas de cadáveres, campos abertos, fazendas abandonadas e cidades destroçadas pela guerra, tudo isso sem nenhum tipo de cobertura.
Detalhe importante: para ter certeza que a mensagem chegará às mãos certas, Erinmore escolheu Blake pelo fato de ele ter um irmão (Richard Madden, também de “GoT”), servindo na divisão que prepara o ataque aos alemães. Mais “Soldado Ryan”, impossível.

Produção foi filmada na Inglaterra e contou com centenas de figurantes, que precisaram de longa preparação para os planos-sequência (Foto: Divulgação)

Uma experiência cinematográfica

Com pouco menos de duas horas de duração, “1917” poderia ser mero exibicionismo técnico de Sam Mendes com sua ambição de filmar a história como dois grandes planos-sequência. O que se vê na tela, porém, não é apenas esmero técnico em detrimento da arte. É preciso destacar, claro, o bem-sucedido desafio de criar vários planos-sequência de menos de dez minutos como se fossem apenas dois, de quase uma hora cada, que fazem o espectador não desgrudar os olhos da tela, sem jamais causar sensação de cansaço.

Do início ao fim, o longa exibe uma carga de tensão, de suspense e até mesmo reviravoltas surpreendentes. Em nenhum momento a câmera parece se distanciar mais de dois minutos de um dos protagonistas, levando o público para o centro da ação. Mesmo quando eles apenas caminham e conversam entre si, a sensação de urgência permanece, com a impressão de que algo vai explodir a qualquer instante. Méritos, também, para a trilha sonora de Thomas Newman.

Dois momentos de ação se destacam no longa. No primeiro deles, passado à noite em um vilarejo destruído, o trabalho de câmera cria uma sensação de labirinto, de que não existe saída, e que fica ainda mais tensa com o jogo de sombras e do amarelo das chamas que atravessam os escombros, trabalho excepcional do diretor de fotografia Roger Deakins. O outro é próximo ao final, a grande cena de batalha do longa, em que centenas de figurantes se misturam à ação – é possível, aliás, conferir em um vídeo no Twitter a comparação entre o que se vê no cinema e como a cena foi gravada. Alguns podem dizer que se trata de mero malabarismo cinematográfico, mas o momento impressiona.

Por fim, vale destacar a opção de Sam Mendes por protagonistas pouco conhecidos. Dean-Charles Chapman e George MacKay têm grandes atuações, provocam empatia entre o público, mas principalmente dão uma cara de “soldado desconhecido” aos personagens, o que seria impossível com um Tom Hanks ou Matt Damon. “1917” conta também com as participações especiais de Benedict Cumberbatch, Colin Firth, Mark Strong e Andrew Scott, que aparecem em momentos pontuais mas fundamentais para a história.

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Para quem for ao cinema – local obrigatório para aproveitar a produção em sua plenitude -, “1917” é uma soberba experiência cinematográfica, em que técnica, roteiro, elenco, história e memória estão a serviço de um grande filme.

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