Influenciado por experiências vividas na pandemia, Rodrigo Santos lança “Livre”

Trabalho, disponível nas plataformas digitais desde 28 de agosto, reúne canções compostas desde março


Por Júlio Black

22/09/2020 às 07h00- Atualizada 22/09/2020 às 10h35

Rodrigo Santos é daqueles artistas que não param e, principalmente, não gostam de parar. Com 36 anos de carreira nas costas, tendo tocado em bandas como Barão Vermelho, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, Kid Abelha, Blitz, além de artistas como Lobão e Léo Jaime, o cantor, baixista e compositor estava acostumado com uma rotina de até 20 shows por mês em seus diversos projetos.

Porém, foi preciso fazer uma parada abrupta logo após 14 de março, sua última apresentação ao vivo, quando a pandemia forçou a parada de todas as atividades culturais. Exceto um show em julho, em Barra do Piraí (RJ), no esquema drive-in, o que restou? Ficar em casa com a família, dividir os afazeres domésticos, acompanhar o noticiário, aos poucos pedalar em volta da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, e lidar com o luto de perder pessoas queridas para a Covid-19.

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E compor, muito, a ponto de mudar os planos de gravar material novo apenas em 2021 e lançar “Livre”, seu 11º álbum como artista solo. O trabalho, disponível nas plataformas digitais desde 28 de agosto, reúne canções compostas desde março e com parcerias das mais variadas searas, como Roberto Menescal, Guto Goffi, Mauro Sta. Cecília, Andy Summers e George Israel, entre outros. Uma dela, “Quem sabe mais”, foi composta por Rodrigo em 29 de julho, quando o disco já estava virtualmente fechado, para homenagear o jornalista Rodrigo Rodrigues, grande amigo do músico, que havia morrido no dia anterior devido ao novo coronavírus.

Parcerias do rock à bossa nova

Rodrigo conta que “Livre” foi gravado com os parceiros musicais espalhados pelo Brasil e exterior, ele mesmo trabalhando em um estúdio que montou em sua casa. Segundo o músico, a interrupção das atividades culturais foi o gatilho para que mudasse seus planos. Se antes estavam previstos a turnê com o projeto Call The Police e a divulgação do álbum “Cazuza em Bossa”, gravado com Leila Pinheiro e Roberto Menescal – além de concluir seu próximo livro -, o isolamento social foi o gatilho para mudar tudo.

“Mudou minha vida e minha cabeça também, assim como a de tantas pessoas. Eu me vi dentro de casa, sendo que estou acostumado a viajar em turnê desde 1984. Pensei, ‘é hora de começar outras coisas’. Fiquei em casa compondo, limpando a casa e dividindo as tarefas, como todo mundo”, conta. Rodrigo detalha o quanto a pandemia mudou sua rotina no que diz respeito ao ofício de artista. “Eu costumava compor muito no avião, nos aeroportos, gostava até de pegar os voos nos primeiros horários para ter mais tranquilidade. Minha vida sempre foi na estrada, às vezes quatro cidades diferentes por semana, três shows por noite, e de repente não tinha mais isso.”

Ao perceber que o mundo estava mudando, Rodrigo decidiu que precisava começar a fazer música sobre o que estava acontecendo, mesmo que não tivesse mais aeroportos e aviões como “local de trabalho”. Primeiro veio o single “Heróis de carne”, parceria com o médico e amigo particular Gustavo Gouvêa – que também deu a ideia para a capa de “Livre”, inspirada no filme “Beleza americana” – lançado em maio e que homenageia os profissionais de saúde que estão na linha de frente contra a Covid-19.

Em paralelo, vários amigos começaram a mandar letras, melodias, e ele foi no embalo. Algumas músicas foram pensadas para um de seus projetos, Os Britos, mas como os demais integrantes também estavam envolvidos com outras coisas, a solução foi dedicar-se ao inesperado trabalho solo, que se tornou essencial para o momento. “Pensei: ‘a música vai me salvar, a arte vai me salvar.”

Sem aeroportos e aviões para compor, Rodrigo trabalhou em casa e com vários parceiros em seu novo e inesperado álbum (Foto: Divulgação)

‘O amor vai curar’

Na opinião de Rodrigo, “Livre” é um disco “urgente”, para o qual precisou pesquisar muito a fim de escrever letras como a de “Arca de Noé 2020”, parceria com o guitarrista Andy Summers, ex-The Police, sobre as notícias de animais que voltaram a circular por locais de onde foram expulsos. “Três bilhões de pessoas tendo que ficar em casa e os animais fazendo a festa (risos). Essas crônicas, esses pensamentos, saíram enquanto estava olhando pela janela, pensando nos dias que não podia sair de casa. Mas sei que é só uma fase, que vai passar, que o amor vai curar”, afirma, esperançoso.

Outro momento que elevou a moral do músico foi a apresentação realizada em Barra do Piraí, em 11 de julho, com o público em seus carros. Para a apresentação, ele abriu mão de qualquer regalia e dirigiu o próprio carro até a cidade do interior fluminense, levando microfone e outros equipamentos, uma quantidade imensa de roupas e os obrigatórios itens de higiene para evitar ser infectado. “Foi muito emocionante. O pessoal estava nos carros, mas podíamos sentir a vibração. Foi a primeira vez que tocava com meu guitarrista e baterista desde março. Desde então estava apenas fazendo lives, algumas com até seis horas, tocando tudo que gosto, além das minhas músicas autorais.”

Porém, pouco mais de duas semanas depois, veio o baque da notícia da morte do jornalista Rodrigo Rodrigues, em 28 de julho, e que rendeu a última música a entrar em “Livre”. “Tinha um projeto musical com o Rodrigo, e a gente se falava quase todos os dias desde 2018. Várias pessoas que conheço, amigos, da família, tiveram Covid, mas não tinha ninguém próximo que houvesse morrido. Então, de repente, ele me ligou e falou ‘me fodi’. Tentei argumentar que já estava numa fase em que não teria uma carga viral tão grande, que seria mais tranquilo… A gente se falou na quinta-feira (23), na sexta (24) recebi notícias que tinha piorado, e no sábado que estava muito mal. Na terça (28) recebi a notícia da morte e dei duas voltas na Lagoa chorando. Tinha mostrado algumas coisas do novo disco pra ele, e fiz a música para o Rodrigo naquela mesma noite. Fiquei sem chão, sem conseguir dormir, peguei o violão e saiu a música, que é uma reflexão sobre a vida e sobre os bons irem tão cedo.”

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Mais rock para 2020

Ainda sem saber quando poderá retomar os shows e terminar seu próximo livro, Rodrigo Santos decidiu colocar outros projetos como prioridade. Um dos objetivos é lançar nada menos que mais três volumes de “A festa rock” até dezembro, dando continuidade ao bem-sucedido álbum de versões lançado em 2015. “Eles foram gravados há poucas semanas, e é uma forma de homenagear o rock and roll e os artistas que fizeram minha cabeça desde a infância. Vai dos anos 1950 até os dias atuais, incluindo nomes da MPB e outros gêneros também”, antecipa, a exemplo do primeiro volume, que homenageava de Legião Urbana a Jorge Ben Jor.

Em um momento tão difícil, ele destaca as possibilidades que a tecnologia oferece para entregar em tão pouco tempo, sem necessidade de reunir artistas em estúdio, prensar o álbum, tanto o álbum de inéditas quanto o projeto de versões. “Pretendo lançar os discos no formato físico assim que for possível. Mas, realmente, cada vez menos compramos discos, pela praticidade de ter tudo à mão, no celular. O lado bom é que todo mundo pode fazer sua música e já está na nuvem; o ruim é que não há espaço para todos. A internet pode parecer infinita, mas há um limite para consumir. Pelo menos você pode direcionar para um público que gosta de você em qualquer lugar do mundo. Ter esse espaço democrático na internet incentiva os artistas.”

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