“Dois estranhos”: o racismo que acontece dia sim, outro também

Vencedor do Oscar de curta-metragem, produção é visceral ao mostrar os efeitos trágicos das racismo estrutural na sociedade


Por Júlio Black

21/05/2021 às 13h38

Carter (Joey Badass, à esquerda) terá que reviver diariamente sua morte pelas mãos de policial racista (Andrew Howard) (Foto: Divulgação)

“Dois estranhos”, vencedor do Oscar de melhor curta-metragem em 2021, no catálogo da Netflix desde 1º de abril, é, sem questionamento, um dos melhores filmes que chegaram ao streaming este ano, pelo seu tema atual e a forma com que a história é contada. O curta dirigido por Martin Desmond Roe e Travon Free (que também assina o roteiro) tem como tema o racismo estrutural que ainda é muito forte em sociedades como a norte-americana e a brasileira.

Apesar de ter pouco mais de meia hora de duração, “Dois estranhos” tem tempo suficiente para que seu protagonista, Carter (Joey Badass), sinta o racismo na pele. Ele é um jovem designer negro que, depois de uma noite romântica com Perri (Zaaria), precisa passar em casa para alimentar o cão antes de ir trabalhar. Porém, na saída do prédio da “ficante”, ele esbarra em um outro pedestre e sem querer derruba café na camisa do rapaz.

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A situação banal é tudo o que o policial Merk (Andrew Howard) precisava para abordar Carter e revistá-lo de forma ilegal. Como o jovem reage, o policial tem a ajuda de outros dois colegas para algemar Carter e imobilizá-lo da mesma forma que aconteceu com George Floyd na vida real. Apesar dos apelos de que não conseguia respirar, o jovem negro continua com o joelho do policial a pressionar seu pescoço até morrer sufocado.

A cena já seria suficiente para um ótimo curta de menos de dez minutos, mas a partir daí os diretores se valem de uma estrutura parecida com a clássica comédia romântica “Feitiço do tempo” para mostrar o quanto o racismo pode se manifestar nas mais diversas formas e sempre ter o mesmo trágico resultado final. Carter acorda novamente na cama de Perri, e, com a lembrança do “dia” anterior, tenta evitar o esbarrão que resultou na abordagem violenta do policial – porém, sem sucesso, e lá vai ele morrer outra vez nas mãos do agente da lei.

A partir daí, “Dois estranhos” tem uma narrativa envolvente, com Carter tentando dezenas de formas diferentes de evitar que morra ao cruzar com o policial racista. Esse inúmeros encontros e reencontros de Carter com Merk permitem que os dois atores brilhem em suas atuações, à medida que a ação truculenta vai cada vez mais dando espaço ao embate ideológico de duas pessoas tão diferentes.

Final chocante

O desfecho surpreendente de “Dois estranhos” atinge o plexo solar emocional de quem luta contra as injustiças sociais e raciais. E de qualquer pessoa que acredita que a sociedade pode se tornar melhor a partir do momento que crimes como o que resultou na morte de George Floyd possam servir de exemplo para que a sociedade repense suas posturas e visões racistas.

“Dois estranhos” tem apenas 32 minutos de duração, mas trata a questão do racismo estrutural de forma tão visceral que renderá reflexões muito mais profundas e duradouras. Essencial para quem deseja entender ou explicar como todos nós, que nascemos iguais perante a lei, podemos ser menos iguais que os outros se nascermos com uma característica que nos torne “inimigos” de quem não aceita ou teme o que é diferente aos olhos.

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