Roberto Carlos e a crítica: Todos estão surdos?

Livro “Querem acabar comigo”, de Tito Guedes, analisa a relação nem sempre amistosa da crítica com a obra do “Rei”


Por Júlio Black

21/04/2021 às 07h00

Livro mostra como a crítica foi severa ou condescendente com a obra de RC, dependendo muitas vezes da chancela da MPB (Foto: Reprodução)

Com 80 anos de vida completados na última segunda-feira (19), Roberto Carlos já trafegou pelos mais variados estilos nas diversas fases de sua carreira, e por causa disso já cantou praticamente todos os assuntos possíveis. As centenas de canções gravadas tratam de temas como o amor pela namoradinha do amigo, as baleias, a Amazônia, as mulheres de 40 e as gordinhas, caminhoneiros, o meio ambiente, Jesus Cristo, a dor pela perda da mulher amada, amigos, a amada amante, o quanto ele pode ser terrível, o pacifismo, o pai, a mãe, o trágico acidente na infância, as roupas pelo chão, Nossa Senhora, as curvas da estrada de Santos, muitas vezes a 120… 150… 200 quilômetros por hora.

Porém, ainda que tenha milhões de fãs de todas as faixas etárias, o astro-rei de Cachoeiro de Itapemirim jamais conseguiu chegar além do horizonte da aprovação geral da crítica especializada. Desde que se tornou o maior fenômeno surgido durante a Jovem Guarda, não importava o estilo musical ou a fase, sempre havia alguém para criticar o Rei: no início era um “debiloide” e insignificante, depois foi considerado brega, mau cantor, acomodado, repetitivo, romântico demais.

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A (pouca) aprovação vinha quando era elogiado ou regravado por algum medalhão da MPB, e aí ele passava a ser um cantor excepcional e grande compositor capaz de traduzir o Zeitgeist de determinadas épocas. Não à toa, bastava mudar as gerações de críticos para sua obra ser reavaliada de forma positiva.

Pois é essa complicada (e geralmente pouco generosa) relação da crítica musical com o artista capixaba o tema do livro “Querem acabar comigo: Da Jovem Guarda ao trono, a trajetória de Roberto Carlos na visão da crítica musical”, de Tito Guedes. Publicado pela editora Máquina de Livros, a obra é uma versão revisada e ampliada do seu trabalho de conclusão de curso da graduação em estúdios de mídia pela UFF (Universidade Federal Fluminense), em 2019. O trabalho inicial de pesquisa acadêmica teve como recorte as críticas entre os anos de 1965 a 1994, mas para o livro Tito Guedes ampliou o escopo até os mais recentes lançamentos de Roberto.

RC desde criança

Para entender o que levou o escritor a escolher o tema – principalmente se pensarmos que Tito, por ter apenas 23 anos, faz parte de uma geração que acompanhou apenas lançamentos bissextos do cantor -, é preciso voltar ao passado não tão distante, em que a influência dos pais foi fundamental.

“Ele não lança mais novas músicas com tanta frequência, mas suas canções de todas as fases estão por aí o tempo todo. Eu ouvia por influência dos meus pais, que adoram música, em especial a brasileira. Sempre ouvia muita música brasileira – e do Roberto – em casa, e à medida que cresci fui me interessando por música brasileira de forma ativa. O Roberto Carlos sempre me interessou, seja pela música, por sua história e pelo lugar que ele tem na história da música brasileira”, conta.

Ao mesmo tempo, entretanto, Tito cresceu num período em que a crítica musical foi perdendo espaço nas publicações impressas, e o fato de Roberto Carlos ter diminuído sensivelmente sua produção tornava o artista ainda mais raro entre as resenhas feitas. Porém, Tito explica que ele também tinha interesse na discussão sobre as diferenças entra a opinião da crítica e do público em geral, que, o escritor destaca, sempre pareceram caminhar em direções opostas, numa “soma” de visões em que dois e dois sempre dão cinco.

“Geralmente, o que a crítica costuma elogiar não está no topo das paradas de sucesso, e vi que poderia juntar esses dois pontos que me interessavam”, explica. “O Roberto sempre sofreu muito com a crítica, mas ao mesmo tempo seus discos nunca deixaram de ser comentados. Era relevante, mas sempre sofria com as críticas negativas.”

Tito Guedes pesquisou mais de 50 anos de críticas aos álbuns de Roberto Carlos nos principais veículos de imprensa do Brasil (Foto: Divulgação)

Escavando os detalhes

A pesquisa para o TCC que se transformou em livro teve início em 2018, e o jovem escritor teve seu trabalho facilitado – pelo menos a princípio – pelo fato de que o acervo digital das grandes publicações brasileiras está disponível na internet. Com isso, foi possível encontrar resenhas a respeito dos álbuns de Roberto Carlos em jornais e revistas como “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “Folha de São Paulo”, “Estado de São Paulo”, “Veja”, “Manchete” e portais de internet como o G1.

Com esse acervo disponível, foi possível lembrar que o Rei teve sua obra analisada por nomes de peso, entre jornalistas, escritores e críticos: Sérgio Cabral (o pai), Flávio Marinho, Augusto de Campos, Fausto Wolff, José Miguel Wisnik, Antonio Carlos Miguel, Tárik de Souza, Carlos Calado, Mauro Ferreira, Jotabê Medeiros e outros.

Se não faltava material para facilitar atingir o objetivo da pesquisa, também pode-se dizer que esse material era abundante. Aí, era questão de observar os detalhes que valeriam a pena ser garimpados. “A dificuldade maior foi justamente a quantidade. Fui escavando tudo do Roberto que tinha ali para fazer minha análise. Apesar de todo o trabalho, acabei amando o TCC, tanto que depois continuei pesquisando para o livro. Aprofundei um pouco mais nos anos 80, pesquisei as críticas posteriores a 1994. Mesmo agora quero continuar a pesquisar, pois ainda há muita coisa a se falar.”

Reconhecimento, só com as “bênçãos” da MPB

Com pouco mais de cem páginas, “Querem acabar comigo” mostra que a imprensa especializada, em geral, foi muito dura com a carreira de Roberto Carlos, criticando aspectos variados de suas composições. Alguma condescendência – na falta de outra palavra mais adequada – com o “Inimitável” vinha nos momentos em que o cantor capixaba era regravado por nomes como Nara Leão ou Maria Bethânia, ou, quando ainda nos anos 60, Caetano e Gil, dois dos expoentes da Tropicália, chancelavam sua obra.

Questionado se a crítica, em retrospectiva, foi injusta, precisa ou condescendente com a carreira do Roberto, Tito afirma que seu livro não tem a pretensão de dizer se os críticos estavam certos ou errados, mas acredita que faltou uma visão desapegada de pré-conceitos. “Acho que os críticos musicais desse período analisado (no caso, a Jovem Guarda e o início da fase romântica) sempre fizeram parte de um universo social parecido, que estudou e se dizia entendedor de música, e por isso tinham uma régua de gosto muito definido, tendo como base a MPB e a bossa nova”, analisa.

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A partir desse raciocínio, Tito Guedes aponta que o que se aproximava da MPB era visto de forma positiva, e o que se distanciava era criticado. “O Roberto teve isso em diversos períodos da carreira. Na Jovem Guarda era execrado, mas aí Caetano e Gil, a Tropicália, passaram a elogiar, ele passou a ter valor. Em 1978, a Nara Leão gravou um disco com músicas dele e a crítica passou a ver com bons olhos. Foi o mesmo em 1993, quando a Maria Bethânia regravou canções dele numa época em que o Roberto estava sendo muito criticado, e passaram a repensar a obra dele.”

“Tem uma frase do José Miguel Wisnik, de 1979, que diz que a crítica não estava preparada para a obra do Roberto”, acrescenta. “Ou seja: que a crítica estava presa a certos preconceitos, de achar que ele era muito popular, brega, que se prendia a estilos e se repetia, e às vezes, por isso, deixava de ir mais a fundo e tentar entender por que a música dele fazia tanto sucesso e afetava as pessoas”, defende.

Muito a ser (re)valorizado

Mergulhado por tanto tempo nesse universo particular, cabe perguntar se a obra de Roberto se tornou, para Tito, um retrato amarelado na parede ou se ele segue na contramão de boa parte da crítica musical, que até hoje ainda acha que o Rei não é papo firme, muito menos uma brasa. Mora?

“Eu passei a admirar (o Roberto) ainda mais, espantado até pelo volume de coisas que encontrei. A partir do final dos anos 60, os discos dele passaram a ganhar resenhas de grandes críticos, e o Roberto passou todos esses anos sem ter de encarar o ostracismo como o Tom Zé, por exemplo, que ficou anos sem gravar, tocar em rádio. O Roberto lançava um disco por ano, fazia sucesso, aparecia na imprensa, e isso é um mérito”, diz o escritor, que ainda comenta qual seria sua fase preferida do astro maior da música brasileira.

“Gosto muito da fase dos anos 70, mas nos anos 90 aconteceu um fenômeno da crítica em que eles resgataram os álbuns da Jovem Guarda com outro olhar, como a fase áurea dele. E aí batiam na fase dos anos 90, dizendo que ele estava decadente, era brega, e eu discordo. Gosto muito dos álbuns de 1991, 1994 e 1996, é uma fase dele que merece ser revista. Assim como a Adriana Calcanhoto regravou nos anos 90 músicas da Jovem Guarda, esse período (90s) poderia ganhar regravações para ser valorizado.”

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