Histórias de carnaval para não esquecer
A Tribuna reuniu cinco casos carnavalescos dos nossos leitores, com espíritos bem diferentes, mas que revelam a espontaneidade do período
O carnaval é uma festa diversa e que cada um vive à sua maneira. Parte da beleza da festa é justamente o inesperado, a confusão, o que pode acontecer no meio de uma tarde e ninguém sabe como vai acabar. São quatro dias difíceis de descrever, e só as memórias podem tentar recuperar um pouco dessa magia toda.
É por isso que a Tribuna reuniu cinco histórias de carnaval dos nossos leitores, com espíritos bem diferentes, mas que revelam muito da graça do período.
Era uma casa muito engraçada
Em 2018, a estudante Marina Quelhas e seus amigos foram para Mar de Espanha, cidade do interior de Minas, conhecida por ter um bom carnaval. A maioria tinha acabado de completar a maioridade e estava recém-formada no ensino médio, e também por isso todos queriam um lugar em que fossem aproveitar com intensidade todos os dias. Encontraram uma casa, então, que ficava próxima da praça central da cidade, onde todo o agito acontecia. “Eram 12 pessoas. O ponto era ótimo, daria muita praticidade pra gente. Na descrição da casa, tudo indicava que caberia todo mundo”, relembra.
Quando o grupo chegou, no entanto, se deparou com uma casa com apenas “dois quartos minúsculos”. Em um deles, só cabiam duas pessoas. Praticamente não tinha chuveiro e a descarga não funcionava – parte do grupo passou a ter que frequentar, nos dias seguintes, banheiros de restaurantes e de sorveterias por perto. A solução que eles encontraram foi “tirar todos os móveis que não eram ‘deitáveis’ da casa”, e substituí-los pelos colchões de ar que levaram. “A casa virou uma grande cama, porque qualquer lugar que coubesse um colchão, tinha um para alguém dormir. O corredor estava cheio, foi uma confusão, não tinha onde pisar”, relembra e ri. A cozinha também foi ocupada por um colchão, e amigas de longa data inclusive brigaram por uma das camas mais confortáveis disponíveis.
Pulando carnaval todos os dias, ela explica que eles também precisavam tomar um bom banho, o que era impossível no chuveiro que havia – ainda mais considerando que ele tinha que ser dividido por todos. A turma toda, então, passou a tomar banho também do lado de fora da casa, em uma bica. “Na época, tinha viralizado um vídeo na internet de um rato tomando banho na pia, muito engraçado. Como o banheiro era precário, a gente falava que era o banho de rato”, ri mais uma vez. Ela conta que aquele carnaval, mesmo assim, ou talvez também por causa disso, foi inesquecível – aproveitaram até o fim e, quando voltaram para o conforto de suas casas, ficaram ainda mais felizes.
Amor de carnaval
Quem nunca escutou que namoro de carnaval não dura? A folia, com muita gente dançando, se conhecendo e aproveitando, de fato nem sempre forma um cenário propício para encontrar um romance mais sólido. Foi exatamente essa questão, em forma de lamento, que Denise Mendonça de Souza escutou, das amigas de sua mãe, quando ela conheceu um rapaz “muito bonito” durante um dos bailes de carnaval de São João Nepomuceno – “era uma pena como aquele amor não iria pra frente, com os dois se conhecendo daquele jeito”.
“No meu tempo, não tinha muito carnaval de rua, tinha só as escolas de samba, e São João era referência de carnaval. A gente ia sempre para os clubes, e bem fantasiado”, relembra. Em um desses carnavais, precisamente no primeiro dia de um deles, a então jovem de cerca de 20 anos conheceu Jairo. “Cheguei ao clube quando ainda estava começando a encher, e trocamos uns olhares”, relembra. Jairo era do Rio de Janeiro, e tinha ido passar o carnaval lá com amigos.
A mãe dela, que estava sentada em um banco próximo, reparou a cena e comentou com a filha: “Nossa, que moço bonito, parece um bom rapaz”. Logo que Denise se levantou, ele já estava lá a postos, esperando para falar com ela. Perguntou se podiam conversar, e logo começaram um namoro de carnaval. “Depois eu pensei que aquilo fosse acabar ali mesmo, todo mundo fala que namoro de carnaval acaba assim, e depois ninguém se vê mais”, lembra. Mas ele disse pra ela que voltaria à cidade em cerca de 15 dias, e uma semana depois, enquanto ela estava no salão, trabalhando, recebeu uma ligação dele pedindo ajuda com hotel pra poder ficar na cidade. “E aí se iniciou nosso namoro mesmo. Um ano e oito meses depois já nos casamos. Tivemos uma troca muito boa, combinamos muito bem até hoje. Já temos três filhos, duas meninas e um menino”, diz. Já são 36 anos juntos. “Dessa vez a amiga da minha mãe errou, né?”.
Hora do descanso
No carnaval de 2020, pouco antes do início da pandemia de Covid-19, em Belo Horizonte, Pedro Itaboray e um grupo de amigos se propuseram a aproveitar tanto o dia quanto a noite da cidade. Saíam cedo para os blocos e voltavam tarde das festas. Foram quatro dias assim, dormindo pouquíssimas horas ou nem dormindo, para não perderem nada.
Na terça-feira, último dia de folia, eles tinham chegado às 7 horas da manhã ao apartamento em que estavam. Comeram qualquer coisa e tomaram banho, mas não pararam na cama. “Já fomos às 9h pra rua de novo”, lembra. Logo que caiu a tarde, simplesmente três pessoas do grupo não aguentaram. “Sentamos na rua, em uma praça, e dormimos ali mesmo. Totalmente estirados no chão, dormindo daquele jeito que não dá pra acordar”, ri. Um dos amigos, um pouco mais responsável, teve que ficar em pé, de braços cruzados, vigiando os três que estavam apagados para não serem assaltados ou coisa pior. “Ficamos umas 3 horas assim, nessa exata posição, sem nem mexer. Depois acordamos e voltamos a zoar normalmente”.
Grávida no trânsito
Em 1970, Sheyla Brasileiro conta que o carnaval de Juiz de Fora era vivido intensamente. As principais escolas de samba Juiz de Fora eram Feliz Lembrança e Turunas do Riachuelo, e ela se lembra que os desfiles traziam “o barulho de carnaval que permanecia dia e noite”. Naquele ano, ela estava grávida da sua primeira filha, que estava prevista para nascer no final de fevereiro – já mais distante da data.
“Eu havia tido uma gravidez sem problemas. Era funcionária pública e tinha entrado de licença para gestante no dia seis de fevereiro de 1970, uma sexta-feira”, relembra. Essa era justamente a última sexta-feira antes do carnaval. Ela passou os dias quieta, em casa, até que sua sogra trouxe como visita a irmã dela, que “tinha fama de ser médium”. Nesse momento, ela falou para Sheyla que o neném ia nascer antes do que o casal pensava. “Fizemos então uma aposta sobre a data do nascimento. As datas previstas variavam entre o dia 15 e o final de fevereiro”, lembra.
Quando as visitas foram embora, ela e seu marido ficaram em casa, vendo televisão, assistindo ao desfile do Rio de Janeiro. Ela acabou dormindo, tranquila. ” De madrugada, lá pelas 4 horas, acordei assustada, pois havia molhado a cama. Me dei conta de que a bolsa havia estourado”, lembra. O pai da minha filha pegou o carro e me levou para a Casa de Saúde na Rua Delfim Moreira, e passou pela Avenida Rio Branco no caminho. Tudo ocorreu certo no parto, mas ela sempre se lembra do caminho que fez para chegar lá. “Vi que, apesar da hora, ainda havia desfiles em Juiz de Fora. Era domingo de carnaval”, diz.
Tinha um gatinho no meio do caminho
Marina Veloso também passou o carnaval de 2020 em Belo Horizonte. Ela ficou alguns dias em um hotel no centro, mas, durante os outros, foi para um bairro mais afastado, e ficou na casa do tio de um amigo. No último dia de carnaval, depois de muitos blocos, eles foram para um bar lá em Contagem – o lugar era tão longe que era mais fácil ir para lá do que para o centro de BH. “A gente estava bebendo e conversando, e, quando vimos, tinha um gatinho bem pequenino passando na nossa perna”, relembra. Ela não era fã de gato na época, e ficou até meio com nojo. Mas o gatinho não desistiu.
“Saímos do bar porque precisávamos sacar dinheiro, fomos andando até um caixa 24h, e, quando saímos de lá, o gato começou a seguir a gente. Não parava. “Ele era bem pequeno. Quase era atropelado toda hora, pois não sabia atravessar a rua”, relembra. O grupo começou a ficar impressionado com a cena, e Matheus, namorado de Marina, ficou preocupado com o gatinho e o pegou no colo. “Eles logo criaram um vínculo”, diz. Quando o grupo entrou no banco, o gato ficou do lado de fora, só aguardando os dois. Foi um choque para eles. “Começamos a procurar no facebook se ele estava perdido, e não achamos. Aí começamos a divulgar pra ele ser adotado, e nada”, diz.
Começaram, então, a oferecer o gato na rua, ali mesmo, para ver se alguém podia cuidar dele. “Estavam ali quatro bêbados, cheios de glitter na cara, oferecendo um gato para as pessoas”, relembra. Não achavam ninguém para ficar com o bichinho, e na casa em que estavam mal cabiam. Mesmo nessa situação, eles começaram a cogitar ficar realmente com o gato, mas iam voltar de ônibus, o que complicava tudo. Marina então convenceu sua mãe a ficar com o gato em casa – e ela disse que, devido à reforma que estavam fazendo, o gato podia ir quando estivesse tudo concluído.
Foi decidido, então, que o gatinho ficaria na casa de Matheus. Mas antes disso tiveram que deixar o bichinho na Savassi, bem longe da onde estavam, para que ele ficasse até o casal poder ir embora. “A gente não sabia nada de gato. Compramos umas coisas aleatórias pra ele na farmácia”, diz. O gato teve que vir de carona para Juiz de Fora, mas aqui ficou. “Agora, ele é nosso gatinho de carnaval”, diz sua tutora, que cuida dele com todo o carinho. Eles nomearam o gato de Oreia, porque na época, o rapper com esse nome havia feito um show em BH pouco antes deles adotarem o bichinho, e o desenho que o rapper exibia na cabeça se parecia muito com a pelagem do gatinho encontrado.