Ana Frango Elétrico lança primeiro livro de poesias

“Escoliose: Paralelismo miúdo” chega com elogios de nomes como o da escritora Heloísa Buarque de Hollanda


Por Júlio Black

20/10/2020 às 07h00- Atualizada 20/10/2020 às 08h01

Ana Frango Elétrico lança primeiro livro de poesias depois de ter seu interesse despertado por poema “doido” de Salgado Maranhão (Foto: Hick Duarte/Divulgação)

Quem já ouviu os dois álbuns de Ana Fainguelernt – ou melhor, Ana Fango Elétrico – sabe que a cantora e compositora tem predileção pelo uso inusitado das palavras, ou de palavras inusitadas dentro do contexto da canção. Pois a predileção por palavras “com significado” e surpreendentes marcam o seu primeiro livro de poesias, “Escoliose: Paralelismo miúdo” (Editora Garupa), lançado em setembro, que mistura poesia, frases curtas, ilustrações e gravuras criadas entre 2019 e 2019.

O trabalho poético de Ana Franga Elétrico caiu nas graças de figuras como a escritora e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda, que escreveu o posfácio de “Escoliose”. Ao se deparar com versos como os de “Cólica” (que começa assim: “A torneira pinga / O sangue desce / Meu hamster interno corre / E me acorda”), Heloísa viu na artista a representante de uma nova geração de poetas mulheres “decidida a fazer boa poesia”.

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“É uma honra para mim, fiquei muito feliz. Acho muito lindo e incrível como a Heloísa – que é uma jovem senhora no sentido de que viveu tanto e conheceu tanta gente – se interessar por tantas coisas, como o feminismo, buscar entender novas questões que estão em pauta e devem estar em pauta. Ela, que estudou tanto, considerar o que faço digno, é uma honra tremenda”, anima-se. “E ter essa questão da diferença de idade e a gente se entender é muito incrível também.”

O poema “doido”

Mais incrível, talvez, seja saber que Ana Frango Elétrico até hoje não tem o costume de ler muito, e que só foi interessar por poesia, na adolescência, ao cruzar caminho com um poema do poeta Salgado Maranhão.
“Sinto que foi muito importante um poema especifico dele, que tem entre seus versos o trecho ‘galo sideral a zen milhas milharando estrelas doidonauta’, pois nunca tinha lido uma poesia ‘doida’, sempre era aquela coisa clássica de colégio. E me marcou muito porque tinha apenas três linhas e despertou em mim um interesse pela possibilidade das palavras”, explica.

“Passei a gostar de certas palavras, e que faziam sentido quanto ao que elas representavam. A palavra ‘crocante’, por exemplo, foi marcante pra mim, a própria palavra é crocante, ‘chiclete’ também me marcou. Daí fui me interessando por essas palavras que tinham ‘significado’, e também comecei a ver que você podia evocar muitas cores, gostos. Fui levando isso para minhas canções, como em ‘Chocolate’ (‘Você pensando / Na falha do concreto, olhando pra parede / E os futuros incertos / Das bancas de jornais e jornadas matinais’). Passei a me interessar na possibilidade de invocar isso, de ser universal e poder colocar o outro, ser o outro que está comendo”, filosofa.

A beleza da língua portuguesa

Graças a essa pequena epifania, Ana diz que passou a criar “um amor profundo com a língua portuguesa”, ainda que ressalte não ser intelectualizada e reforce não ter o costume de ler muito. “A língua é muito linda, tem cadência, ritmo, além dos acentos, sotaques, que carregam musicalidade”, diz a artista, que costuma escrever suas poesias, frases, ideias e fragmentos de futuras ideias em vários cadernos; com ela, não tem essa de anotar no guardanapo, colocar na bolsa ou no bolso e deixar rolando por aí.

“Eu sou do caderno. Sinto que para compor, escrever, tenho que estar anotando. O livro tem poemas que vieram direto, frases que fui juntando, mas sinto que sou muito do caderno, porém não estou com eles o tempo todo. Sinto que preciso anotar, sempre me arrependo quando não anoto e esqueço. Acho que é bem clássico isso de ir dormir e ter preguiça de anotar.”

Definindo (ou não) o “paralelismo miúdo”

A ideia do livro, ou pelo menos seu título, existe desde 2015, quando Ana publicou algumas edições de um fanzine criado por ela com parte do material que está em “Escoliose: Paralelismo miúdo”. Com o tempo, ela diz que veio um desejo de organização pessoal para que todos pudessem ter acesso aos poemas, ilustrações e gravuras. Como a pandemia adiou alguns de seus planos para 2020, ela decidiu que era hora de compartilhar um pouco mais de seu trabalho poético.

“Não é um quadro que estou vendendo numa galeria, não me interesso por apenas uma pessoa ter o meu trabalho”, afirma. “A partir do livro a pessoa pode entender melhor a minha poética nas canções, nos álbuns. Ajuda a entender sinestesia do meu trabalho nos álbuns e no livro.”

O material de divulgação do livro aponta que Ana Frango Elétrico assimila em sua poética de Yoko Ono a Ana Cristina Cesar, passando por Rimbaud e Garcia Lorca, a poesia concreta, a blague modernista e o ready made. Questionada sobre como essas influências se encaixam na cabeça e influenciam seu trabalho, Ana acredita que isso acontece de maneira natural. “Acho que é uma questão de geração também, em alguma medida. Temos acesso a muita coisa, muita informação; o passado é muito presente, o presente é muito presente, e o futuro também (risos).”

E se topasse com um provável leitor que, na dúvida entre comprar ou não o livro, perguntasse do que se trata o tal “paralelismo miúdo”? Ana responde, mas sem entregar (muito) o jogo.

“Explicaria dando como exemplo esse poema: ‘O trabalho de campo engoliu o tempo da sessão de imersão na banheira da sua casa com bolhas de sabão olhando pro teto que é o chão da dona do cão que você escuta caminhar de madrugada (…)’. Lendo essa frase, acho que você entende o que é o paralelismo, o seu teto que é o chão de alguém”, volta a filosofar.

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No Grammy Latino

Além de lançar seu primeiro livro, Ana Frango Elétrico pôde comemorar a indicação de seu segundo álbum, “Little Electric Chicken Heart”, ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa. A cerimônia com o anúncio dos vencedores acontece em novembro.

“Foi muito emocionante, fiquei muito arrepiada, principalmente porque era um lugar que eu queria atingir com esse álbum, apesar da loucura dele. Até brincávamos no estúdio, quando achava que a música estava boa dizia ‘essa é para o Grammy (risos).”

A cerimônia do Grammy Latino, assim como a versão norte-americana, não poderá ser presencial devido à pandemia do novo coronavírus. A Covid-19, aliás, fez com que Ana Frango Elétrico adiasse uma série de projetos, como os shows que realizaria na Europa este ano. Com tempo livre (“mas não para lives”, ressalva), ela gravou o single “Mama Planta Baby”, lançado em 30 de setembro, e já está com outro na fase de mixagem, e espera disponibilizá-lo nas plataformas digitais até novembro.

Sobre o próximo álbum, Ana mudou os planos do terceiro disco por um ótimo motivo: a oportunidade de gravar nos Estados Unidos.

“Vou para Nova York em 2021 para gravar um disco a convite da JMI Recordings. É uma proposta para lançar em vinil, com músicos incríveis de jazz. Foi uma surpresa, por isso ainda estou com a pré-produção dele na cabeça. O que seria o terceiro álbum é uma ideia totalmente diferente; na verdade, tenho muitas ideias para álbuns, então podem esperar alguns discos no futuro.”

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