Marco de bons e velhos tempos


Por MARISA LOURES

19/07/2015 às 07h00

Em estilo eclético, prédio foi erguido em 1856 por Mariano Procópio (Fernando Priamo/13-07-15)

Em estilo eclético, prédio foi erguido em 1856 por Mariano Procópio (Fernando Priamo/13-07-15)

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Carruagem do período imperial é um dos poucos exemplares que se encontram em melhor estado de conservação (Fernando Priamo/13-07-15)

Carruagem do período imperial é um dos poucos exemplares que se encontram em melhor estado de conservação (Fernando Priamo/13-07-15)

Cadeirinha de arruar, do século XVIII, é uma das mais deterioradas do acervo (Fernando Priamo/13-07-15)

Cadeirinha de arruar, do século XVIII, é uma das mais deterioradas do acervo (Fernando Priamo/13-07-15)

Madeiras quebradas no piso interno

Madeiras quebradas no piso interno

Difícil crer que diante dos nossos olhos estava o único Museu Rodoviário da América Latina. As condições do acervo externo denunciam o grau de abandono. Longe também estão os vestígios de um tempo em que o entra e sai de gente era frenético, já que a instituição, instalada no distrito de Mont Serrat, em Levy Gasparian, foi fechada à visitação pública por ordem do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há cerca de três anos. Um projeto de recuperação da coleção e do prédio é tocado pela prefeitura do município fluminense, que tenta captar recursos para as obras por meio da Lei Rouanet. Segundo o secretário de turismo da cidade, 20% do valor previsto para os trabalhos, orçados há cerca de quatro anos em R$ 6 milhões (montante certamente já insuficiente), estão garantidos, o que cria nova expectativa de que as intervenções saiam do papel a partir do segundo semestre de 2015.

A Tribuna voltou ao local na última segunda-feira, depois de recentes boatos darem conta de que as raridades lá acondicionadas tinham sido transferidas para o Museu Imperial de Petrópolis. Quando as portas se abriram, o principal motivo do fechamento: todo o piso está cedendo, deixando as paredes internas suspensas em alguns dos ambientes. Reportagem, publicada na Tribuna em janeiro de 2011, anunciava que havia grandes chances de o espaço entrar em reforma em junho daquele ano.

“O processo continua engatilhado. A Concer e o grupo Triunfo são as principais empresas que já sinalizaram com o aporte financeiro. Estamos procurando outros parceiros”, afirma o secretário, Alexandro Santana. “Para começar, dependemos somente de acertos burocráticos. Apesar de a previsão de duração da obra ser de nove meses a um ano, acreditamos que ela vá passar de um ano e meio. A restauração será de 100% do prédio e do acervo. A tinta da parede será retirada, e serão trocados madeira e telhado.” Conforme o projeto, para salvaguardar a coleção, o entorno do museu ganhará anexos de vidro. “As fotografias mostram que existiam dois anexos. Um foi incendiado no século XIX, já o outro foi derrubado posteriormente.”

Para entender as razões das condições de abandono da instituição, é preciso voltar no tempo. De acordo com o secretário, o espaço esteve a cargo do antigo Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) até o início da década de 1990. Com a extinção do órgão, em 2001, ele passou a pertencer à massa falida da entidade. Desde então, o Iphan atribuiu a tutela provisória do acervo ao município de Levy Gasparian, que não conta com qualquer repasse do Governo Federal para a manutenção do conjunto. “Todas as peças continuam aqui. A prefeitura de uma cidade com poucos habitantes não tem condições de fazer muita coisa sozinha. Hoje, ela mantém um segurança e um funcionário para a limpeza do prédio”, diz Alexandro

 

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História justifica urgência na preservação

Ao deixar para trás a movimentada BR-040, a primeira grata surpresa do passeio ao Museu Rodoviário do Paraibuna é a paisagem. O espaço é emoldurado pela exuberância da Pedra do Paraibuna, pela charmosa Igreja de Nossa Senhora de Mont Serrat e as corredeiras do Rio Paraibuna. É nesse cenário que está instalado o casarão erguido em estilo eclético em 1856 para abrigar uma das 12 estações de muda distribuídas no percurso entre Juiz de Fora e Petrópolis. Nessa última estação remanescente, os cavalos paravam para descansar. A história justifica a urgência de se preservar o conjunto sujeito às ações climáticas.

Nas lembranças do secretário de turismo Alexandro Santana, que lá trabalhou por mais de 20 anos, está guardada a época em que, ainda sob o comando do DNER, os automóveis brilhavam diariamente. Do lado de fora, apodrecidos, estão exemplares, como um ônibus Ford, de 1935, e outro, de 1950, com chassi e motor estrangeiros, mas carroceria fabricada no Brasil. “Ficava uma pessoa por conta de encerá-los e lustrá-los. De repente, não tinha mais nada disso”, lamenta Alexandro, apontando para mais um agravante da situação. “Nos anos em que o museu ficou fechado depois que o DNER foi extinto e a Prefeitura ainda não tinha assumido o local, entraram aqui e saquearam quase tudo desses veículos que ficam do lado de fora”, afirma.

Menina dos olhos do museu, a carruagem Mazzepa ocupa lugar privilegiado. Mesmo precisando de cuidados, o veículo é a peça do acervo mais bem conservada. Emprestado à instituição pelo Museu Imperial de Petrópolis, o modelo é o único exemplar de diligência em exposição pública no país, tendo chegado da Inglaterra para a inauguração da União e Indústria. Nele estavam o imperador D.Pedro II e Mariano Procópio, que construiu a estrada. Há alguns anos, sua posse foi alvo de disputa entre o Museu Rodoviário e os Correios. Rodrigo Krepke, assessor distrital da Prefeitura de Levy Gasparian e ex-funcionário do museu, sabe explicar por que a carruagem merece todas as honras que lhe fazem. “Ela era um dos veículos mais modernos e confortáveis da época. Como esse é o único Museu Rodoviário da América Latina, nada mais justo que ela fique aqui”, comenta. Curiosamente, o brasão de Juiz de Fora traz a imagem do veículo, idealizado com capacidade para transportar até 15 passageiros.

Imponência perdida

O gigante rolo de pedra vindo da Alemanha especialmente para compactar o pavimento empregado na rodovia está instalado nos fundos do museu. Difícil imaginar que o bloco de peso incalculável era empurrado por homens escravizados e puxados por cavalos. A alguns metros dali, em meio ao mato já crescido, despontam marcos de pedra e bebedouros que compunham a rodovia, tratores e uma pequena locomotiva. Também compõem o acervo um Jeep Willys, uma Harley Davidson, de 1947, 1200 cilindradas, utilizada pela Polícia Rodoviária Federal, um troller italiano, do século XIX, comumente usado por coronéis, uma maquete remetendo aos tropeiros que subiam a Estrada Real com mercadorias e desciam com o ouro de Minas Gerais até o porto do Rio de Janeiro, além de um caminho de pedras originais que revestiam um trecho da estrada entre Magé e Petrópolis. Pouquíssima sorte teve a “cadeirinha de arruar” do século XVIII, apelidada de serpentina. Não só a madeira está apodrecida, como também o tecido está bastante puído, deixando para trás a imponência dos tempos em que as baronesas utilizavam-na para sair às ruas.

Acervo externo está  apodrecendo sob ações do tempo (Fernando Priamo/13-07-15)

Acervo externo está apodrecendo sob ações do tempo (Fernando Priamo/13-07-15)

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