Morando em uma Kombi, família parte em jornada sem data para voltar

A história de Érika, Valmiro, Mallu, Elis e das gatas Princesa e Mimika está sendo construída na estrada


Por Wendell Guiducci

19/04/2018 às 07h00- Atualizada 20/04/2018 às 08h04

Elis, Valmiro, Érika (com Princesa) e Mallu (com Mimika) na “varanda” da NaMorada (Fotos: Leonardo Costa)

Há menos de um mês, nessa mesma Tribuna de Minas, contamos a história do casal Guassalin Nagem e Vera Silveira, que tem rodado por aí em um enorme motorhome, curtindo a aposentadoria, a vida na estrada e a estrada da vida. Ao conhecer um relato desses, muita gente fica bem a fim de cair no trecho também. Mas aí vem aquele pensamento racional: “pô, tenho que juntar uma grana alta pra montar um motorhome”, “ah, quando aposentar eu vejo isso”… mas se a vontade de conhecer o mundo for grande mesmo, não é isso que vai impedir o transeunte leitor de queimar chão por esse mundão velho sem porteira. É o que tem feito o casal Érika Prado e Valmiro Nunes, com as filhas Mallu, de 9 anos, e Elis, de 6, e as gatas Princesa e Mimika, a bordo de uma poderosa Volkswagen Kombi ano 1999, carinhosamente batizada de NaMorada.

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O nome faz sentido: desde que se conheceram em Campinas (SP), Érika e Valmiro tratam-se por “namorada” e “namorado”. Há cerca de dois anos, Érika, turismóloga de formação, veio com a ideia de fazer o que chama de “turismo de valor”, uma vertente do “slow travel” (algo como “viagem sem pressa”), no qual a ideia é tirar o máximo de vivência e experiência de cada local visitado. Em Juiz de Fora eles chegaram no último dia 7, vindos de Santos Dumont. Ficaram hospedados em residências de recém-conhecidos, depois no estacionamento da Cervejaria Golem, e agora seguem a viagem rumo a Petrópolis. Se não forem a Ibitipoca antes. A expedição já dura sete meses, e a ideia é que a primeira etapa dure dois anos e meio. “Essa é a parte Brasil 360 graus. Depois, seguiremos para o Sul do continente, subiremos até a América do Norte e, de lá, para a Europa”, adianta Érika, sem estipular prazos. “Falamos em dois anos e meio nessa parte nacional, mas pode ser que isso mude. São sete meses e ainda não saímos do Sudeste!”

Pais dormem na barraca em cima da Kombi, crianças dormem no interior do carro

O que Érika e Valmiro defendem é um modo de vida simples e em movimento. Para manterem-se financeiramente, ela oferece cursos on-line de marketing digital, e ele, de assistência técnica de áudio profissional. Também fazem palestras e conferências nas cidades por onde passam. Além disso, contam também com um crowdfunding para ajudar a bancar a viagem dentro da plataforma Apoia-se. Ambos tinham empresas físicas e, desde 2008, foram migrando para a internet, o que lhes confere mobilidade. Para levar as crianças, o casal optou por serem eles mesmos professores, lançando mão de técnicas de homeschooling, o ensino domiciliar. No caso deles, motorhomeschooling? Érika corrige: “chamamos de world schooling”, porque as crianças não aprendem “em casa”, mas “no mundo”. E eles não estão sós nessa: a Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned) estima que há cerca de 5 mil famílias adeptas da prática no Brasil hoje.

Uma ‘kasa klássica’

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Chuveiro quente acoplado na traseira pode ser coberto por uma cortina

Quando decidiram fazer essa longa jornada, convictos de viver com o mínimo necessário, a primeira coisa foi procurar um veículo que aguentasse o tranco. E a parceira escolhida foi uma Kombi 1999, com motor 1.600 refrigerado a ar. A danada estava com quase 100 mil quilômetros rodados, mas Valmiro garante que não fez alteração alguma de ordem mecânica. “Só dou um conselho: todo mundo tem que ter uma Kombi um dia”, empolga-se. Ele mesmo nunca havia dirigido uma, e tampouco entende de mecânica. “Estou aprendendo na estrada, quando ocorre algum problema.” Até agora, apenas duas panes em sete meses de viagem, rapidamente consertadas. A perua é um veículo que incorpora o espírito que Érika e Valmiro querem transmitir. “É simples, simpática e abre portas”, afirma a turismóloga.

Estepe saiu da traseira e veio para a frente da NaMorada

Se não teve que fazer alterações mecânicas, de resto tudo foi transformado, com o trabalho da família inteira e a ajuda de um marceneiro. O banco inteiriço da frente foi trocado por dois assentos de Ômega, de forma a abrir espaço no meio para “acessar” mais facilmente as meninas na traseira da Kombi, e também para ganhar conforto e ergonomia. O banco de trás foi retirado para dar lugar a uma rock and roll bed, espécie de sofá-cama onde Mallu e Elis dormem. Há espaço para pia, filtro, fogão – que pode ser removido para cozinhar ao ar livre -, baú de roupas de Érika e Valmiro, com espelho, guarda-roupas das meninas, banheiro químico, gavetas para talheres, produtos de higiene pessoal, pratos, cumbuquinhas e canecas, biblioteca, além de compartimentos para guardar roupa de cama, panelas, temperos… E ainda assim, obedecendo aos parâmetros de segurança do Detran. Quando a polícia ou os bombeiros param, é para tirar foto com a família viajante.

Mimika, muito gata

‘O duplex mais barato do Brasil’

Vista de fora, a Kombi não é nada discreta. Amarela, com o pneu colocado na frente – para ganhar espaço na traseira, onde fica o chuveiro elétrico que oferece água quente em qualquer parada – e um grande porta-treco em cima, a NaMorada desperta atenção. “As pessoas buzinam, eu penso que fiz algo de errado, e aí elas gritam ‘nós seguimos vocês no YouTube‘”, diverte-se Valmiro. Foi feito um tratamento termoacústico para tornar o interior da NaMorada mais confortável. Acima do habitáculo do motorista, no teto, vai um painel solar com células fotovoltaicas que geram energia para a “kasa” da família. Abaixo, dois reservatórios de água de 44 litros cada, com uma bomba que alimenta o sistema hidráulico. E em cima de tudo, uma barraca de 1,50×2,20m, que transformam a NaMorada no “duplex mais barato do Brasil”, nas palavras de Érika. O casal dorme em cima da Kombi, e as crianças (e as gatas), no interior do veículo. Um toldo colocado na lateral da perua faz qualquer terreno virar varanda.

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Em sua jornada sem data para acabar, Érika, Valmiro, Mallu, Elis, Princesa e Mimika têm contado com o espírito de cooperação de muitas pessoas, gente que compartilha suas casas ou seus quintais. Gente que dá uma força quando a junta homocinética da Kombi vai para as cucuias. Gente que não julga. Enquanto conversávamos, um casal que os hospedou em Juiz de Fora por cinco dias veio se despedir. A senhora, às lágrimas, demorou-se em um longo abraço em Érika. Cinco dias de convivência e parecia amiga de longa data. Ela também pretende sair pelo mundo um dia. “Mas de moto”, adverte o companheiro de futura aventura. A família da Kombi, pelo que consta, não está apenas vivendo seu sonho, mas também inspirando outros.

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