‘Ficções’, peça estrelada por Vera Holtz, chega a JF neste final de semana
O espetáculo será apresentado no Teatro Paschoal Carlos Magno, nesta sexta-feira (18) e no sábado (19), às 20h
Existe uma Vera viral: aquela que encheu os feeds do Instagram, durante a pandemia, com fotografias instigantes, geralmente sobre um assunto exaustivamente comentado na época. Algo que se trata, em termos gerais, de artes plásticas. É, também, de certa forma, a Vera Holtz atriz, que posa enquanto congela uma ação. Existe a Vera de Tatuí, interior de São Paulo, que conheceu mais profundamente, através da tia Rita e do tio Rolf, a pintura e a música: seus primeiros contatos, ainda infantis, com a arte. A Vera conhecida pelos palcos e pelas telinhas foi se desenvolver posteriormente. Existem também as Veras ocultas no interior dela mesma, as criadas pelos fãs, pela plateia polvorosa. Rodrigo Portela, diretor de teatro, queria a junção de todas elas, impulsionadas pelos caminhos narrativos que os textos possibilitam. E foi para ela, uma sapiens fêmea, que ele escreveu a peça “Ficções”, que será apresentada em Juiz de Fora, no Teatro Paschoal Carlos Magno, nesta sexta-feira (18) e no sábado (19), às 20h. Ingressos disponíveis no link.
“Ficções” é como um recorte do best-seller “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, de Yuval Harari. Ele é o mote do texto. Mas acaba que a peça transcendeu a obra: virou uma outra coisa, apesar de manter uma mesma vontade: explicar essa evolução humana, as mudanças saboreadas no agora e os perigos do depois. “Imagine, agora, poder viver sem dor: que maravilha!”, comemora Vera, listando as maravilhas da evolução. Ela, que já tinha lido o livro, além de outros do mesmo autor, tinha o costume de presentear as pessoas com ele. “Porque acho muito importante você começar a entender que tudo na vida foi inventado pela humanidade. Tirando o que é da natureza, o restante é invenção da humanidade”, enfatiza. O que une, afinal, essas criações, que Vera chama de fantásticas, são as ficções: essas obras imaginadas factíveis de crença. “Tudo é ficção. Nossas criações são capazes de gerar cooperações em massa de uma forma absurda, porque todo mundo passa a acreditar nessas ordens imaginadas: religiões, pátria, idiomas, nomes de todas as coisas, tudo – a gente fala um pouco sobre essa capacidade fantástica de criação do homem”, resume.
Através de uma mulher
Rodrigo Portela queria que fosse uma mulher a contar essa história. E, antes de ter o texto escrito, pensou em Vera. Ele disse a ela: “Nós vamos fazer uma mistura de tudo isso aí que é a Vera hoje”. “Topei. Sem saber nada, obviamente. Não tinha recorte, não tinha texto, absolutamente nada, a não ser uma vontade gigantesca de todos com os quais comentávamos a respeito da futura obra”, responde a atriz. “O que a gente fala muito na peça é que a vida toda é uma sucessão caótica de acasos”, resume Vera, que mostra que esses acasos foram presentes também na construção de “Ficções”.
“Ficções”: uma jam session
O diretor mora em Barcelona e lá começou a fazer o levantamento. Chegou ao Brasil em 9 de agosto: mesmo dia em que os ensaios começaram. 26 de setembro, no Rio de Janeiro, “Ficções” estreou. “A gente abre antes para começar a entender o que é esse trabalho, essa jam session, essa revista contemporânea, não sei.” Vera não consegue saber se isso se trata mesmo de uma peça, apesar de já ter a encenado várias vezes. “A gente fala que é uma jam session”, resume. Isso porque ela conta com duas outras companhias em cena: Frederico Puppi, violoncelista responsável pela trilha sonora, que divide com ela o palco, e a outra é a própria plateia. “É um monólogo ao quadrado. As equações começam quando entra o público”, explica. O público também conta quais são as ficções que acredita e marca uma presença insubstituível: é uma ode à importância da plateia na construção das peças, que ficou tão em relevância nesses tempos de tentativas de transformar o teatro em uma obra on-line.
Em mais de uma hora, todos ficam compenetrados nos caminhos e nas curvas encabeçadas por Vera, com direção de Rodrigo. “Porque ele (Rodrigo) vai, abre o tema, daqui a pouco a pessoa vai, acha que está indo para um caminho, ele dá um nozinho, um lacinho para trás, e puxa o bordado. E eu falei com ele: ‘Você trabalha dessa forma com o comportamento, né? Você vai trazendo o espectador’. E ele fala: ‘Ai, Vera, de repente caiu um negócio na minha cabeça’ E eu penso nas laçadas do Rodrigo, sabe? A percepção do outro na peça. Do tipo: vamos devagar, devagarinho, passo a passo para a gente te levar a algum lugar junto: vamos juntos.”
Esse espaço de fruição, de entender isso tudo que é a humanidade agora, se completa com Frederico, o violoncelista que sobe ao palco com seu cello: um instrumento grave, parecido com a voz humana. Ele dá ainda mais espaço para apresentar as outras Veras, inclusive a Vera que canta. Sua tia Rita ensinou Vera e suas irmãs a tocarem piano. A música já estava ali. “Agora, depois, com a convivência já com o músico, o Frederico em cena, é como se a música penetrasse de novo na minha vida. Eu foco nela novamente. Eu passo a sentir o quanto isso era presente na minha vida e eu nem sabia.” Ela conta que até o diretor de movimento do espetáculo percebeu que sua percepção musical era enorme. Ela precisou de treinar para dar espaço a essas Veras no palco.
Das fricções
No final das contas, “Ficções” é um espaço de debate. Vera acaba se entendendo melhor enquanto essa sapiens fêmea cada vez que sobe ao palco. Suas falas ali, ora planejadas ora improvisadas, dão margem para, muitas vezes, colocar luz a algo que sempre esteve ali, no íntimo. “O que fica comigo é essa questão de que você só se reconhece no outro. E isso é uma coisa muito legal. Eu existo através do outro. Eu preciso do outro: o outro em mim e eu no outro. E fica essa reflexão no público. A obra transcendeu o ‘Sapiens’ (o livro), no sentido de humanizar, de trazer para uma compreensão. E acho que o teatro permite esse espaço, como é um encontro de várias artes.”
Trata-se, resumidamente, de fricções – palavra que Vera tanto gosta, e acha, inclusive, que poderia ser o nome da peça (eles colocam, em algumas peças de divulgação, o “r” pequenino). É, pois, o que surgiu em Rodrigo após o contato com o livro. Posteriormente, o que resultou disso após o contato de Vera. Por conseguinte, após o contato com o público. “Eu encontro as pessoas ainda em estado de encontro ou consigo mesmo, ou com a peça, ou com o que for: elas estão em estado de elevação. Nada mais gostoso que esse encontro, que é sensacional. Esse reconhecer-se. A obra continua, antes, durante e depois. Elas te levam para casa e você leva elas para casa. É uma energia que continua até que você consiga dormir de madrugada.”