Paul Save Us

Show resgata The Quarrymen e viaja em fases distintas de experimentação dos Beatles, até chegar ao Paul de hoje


Por Carime Elmor

18/10/2017 às 20h12- Atualizada 20/10/2017 às 10h41

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Paul McCartney e banda no Mineirão (BH), formada por Abe Laboriel Jr., Rusty Anderson e Brian Ray (Foto: MRossi)

“It’s been a hard day’s night”, assim Paul McCartney abriu a turnê “One on one” no Brasil. Para mim, também estava sendo uma noite d-a-q-u-e-l-a-s. Fui a São Paulo e assisti ao show no Allianz Parque, no domingo (15). Em seguida, partiria para Belo Horizonte – overdose das boas de Paul. Perdi meu ônibus na segunda à noite para “Beagá”, como disse o músico ao cumprimentar os mineiros, e fiquei até de madrugada na rodoviária de São Paulo.

Peguei estrada às 9 da manhã do dia seguinte, terça (17), e cheguei às 19h30 no Mineirão. “I should be sleepin’ like a log”, mas quando, às 21h42, Paul entra no palco “I find the things that you do. Will make me feel alright”. Porque eu iria me importar? Eu era a garota mais sortuda do mundo de poder ver dois shows em seguida a poucos metros de um Beatle. Até descobrir que dez pessoas ainda mais sortudas, inclusive Gabriel Maia, estudante de direito da UFJF, conheceram Paul McCartney pessoalmente. Através de um concurso, enviaram vídeos cantando músicas dos Beatles e puderam dar de cara com o ídolo, além de terem assistido à passagem de som no Mineirão, de cerca de 50 minutos, quando a banda tocou canções fora do repertório, como “Coming Up” – faixa do “McCartney II”, de 1980.

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Gabriel fez um vídeo cantando “A hard day’s night”, com batidas de funk, contou que pode abraçar Paul e conversar alguns poucos minutos. Durante o encontro, Paul perguntou, justamente, quem daqueles fãs que ali estavam havia feito o vídeo de “A hard day’s night”, dizendo ter gostado. Após o show, conversei rapidamente com Gabriel, que ainda estava extasiado e desacreditado em poder conhecê-lo.

“One on one”

O show é uma viagem sensorial por fases dos Beatles e carreira solo do Paul. O êxtase do início da apresentação com “Can’t buy me love”, “Drive my car”, sucessos dos Beatles, além de músicas do álbum “Band on the run”, do Wings, de 1973, é a hora de começar a perceber que estamos diante de Paul McCartney, e, sim, boa parte da história da música pop e do rock estava bem à nossa frente.

“Há 50 anos, nós gravamos o álbum ‘Sgt. Peppers’, impossível, impossível”, dizia Paul antes de começar a tocar “Being for the benefit of Mr. Kite”. O oitavo álbum de estúdio dos Beatles, em nível de experimentação, músicas orquestradas, é uma obra irretocável da música mundial. Quando falamos de psicodelia, parece que tudo já havia sido explorado em 1967. Essa relevância do que foi feito por Paul McCartney, John Lennon, Ringo Starr, George Harrison, além de George Martin, Geoff Emerick e outros nomes que atravessaram a Abbey Road, é o que torna a experiência de poder ir a um show do Paul relevante. “Vocês têm noção da importância disso? De podermos estar vendo um Beatle tocar essas músicas para a gente?”, se perguntava retoricamente um fã ao meu lado quando Paul tocou “Love me do”, agradecendo ao produtor George Martin e relembrando que essa foi a primeira música gravada por eles no estúdio londrino Abbey Road, em 1962.

Nessa primeira fase, pequenas mudanças de repertório entre os shows do Sudeste foram “Letting go” e “Save us”, que apareceram no Mineirão, enquanto que, no Allianz, Paul tocou “Jet” e “Junior’s Farm”, música escrita com Linda para o Wings. Nesse momento, após um “I’ve got a feeling” de deixar todo mundo rouco, Paul senta-se com toda classe e presença em um piano de cauda preto e anuncia que “My Valentine” foi escrita para sua esposa Nancy Shevell, que inclusive estava assistindo aos dois shows em que estive presente. Um amor que o faz ter certeza de que pode voar. A letra impecável é do disco “Kisses on the bottom”, lançado em 2012, pouco antes de completar 70 anos. Nesse momento, Rusty Anderson, guitarrista de sua “fantástija” banda, como Paul pronunciou, parece tocar um violão de nylon.

Ainda ao piano, começaram as primeiras notas de Nineteen Hundred and Eighty Five. Em São Paulo, este momento foi um dos que mais me emocionou – e acredito ter surpreendido Paul – porque boa parte da plateia levantou um cartaz escrito Wings, inclusive eu. Rusty estava com sua Gibson vermelha semiacústica e tira um som perfeito. Paul termina fazendo asinhas com as suas mãos em homenagem a sua banda pós-Beatles, enquanto isso, em BH, as pessoas fazem o mesmo símbolo assim que a música começa. “Maybe I’m amazed” é dedicada a Linda, acredito que o estádio inteiro tenha se perguntado como, aos 75 anos, ele ainda consegue alcançar aquelas notas. É claro que, para quem foi ao show em 2010, na “Up And coming Tour”, é completamente perceptível a diferença da voz de Paul sete anos depois.

“We can work it out” foi tocada em São Paulo como uma mensagem positiva de que tudo pode ficar bem, e a vida é curta demais para nos preocuparmos com bobagens: “Life is very short and there’s no time for fussing and fighting, my friend”. Já em Belo Horizonte, Paul em uma simbiose com seu violão de aço, toca “I’ve just seen a face”. Me vêm à cabeça a imagem do Paul de 1965 com blusa de gola alta, terno preto, os mesmos olhinhos caídos e seu baixo Hofner usado também nos shows de 2017.

De volta a Liverpool

Para os fãs assíduos, duas faixas do “Anthology 1” são da banda pré-Beatles formada na década de 1950 por John Lennon com amigos da escola – The Quarrymen. Paul era um dos integrantes e, logo que conheceu George, o apresentou ao John. Em 1958, os três já estavam tocando juntos sem nem imaginar a história que viria pela frente.

Paul convidou o público para uma volta ao tempo, as projeções do palco acompanhavam criando ambiências para cada capítulo daquele show. A disposição dos instrumentos, a montagem simples da bateria e até mesmo a forma como Brian Ray segura o baixo, tudo fica em uma performance enxuta e condizente com a época. “In spite of all the danger”, talvez pela primeira vez incluída em uma turnê do Paul, é relíquia, foi o momento nostálgico do show, seguido de “You won’t see me”, “Love me do” e “And I love her”, com direito a Paul de costas requebrando. Ele estava solto e à vontade com a platéia em Belo Horizonte. Tanto é que, antes de ir embora, pegou do chão uma camisa e posou com um pokémon de pelúcia que jogaram para ele.

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A magical tour

A banda some, uma parte deslocada do palco começa a subir. Lá do alto, com uma projeção de uma rosa, Paul fala de “Blackbird” ser uma música sobre os “direitos humanos”, pronuncia quase que perfeitamente, enquanto dedilha e fica ainda mais próximo ao público. O momento torna-se ainda mais comovente quando Paul, ao falar sobre sua amizade com John Lennon, começa a tocar “Here today”.

Em contraste com o resgate de The Quarrymen, Paul vai ao seu mais recente álbum, “New”, lançado em 2013, e toca também a música “Four five seconds” – uma recente parceria com Rihanna e Kanye West, todas com o piano vertical da “Magical Mistery Tour”.

As fotos de George no telão nos ajudava a sentir que estávamos ainda mais próximos dos Beatles (Foto: Carime Elmor)

“Lady Madonna” e “Eleanor Rigby” são tocadas a seguir. Na última, Abe e Rusty fazem as vozes de maneira muito fiel à gravação original, enquanto todo o estádio o acompanha cantando em coro. Após “For the bennefit of Mr. Kite” e “I wanna be your man”, quando Paul relembra os Stones, Macca aparece com o ukulele, no telão surgem fotos da gravação de “Something” com George. Em Belo Horizonte, Paul perdeu o tempo da música, mas, tudo bem, o George deve estar feliz com toda a homenagem. “A day in the life” é o ápice e marca uma fase muito madura dos Beatles, ela cresce no palco, até, como de costume nos shows do Paul, desaguar em “Give peace a chance”.


Em meio a clássicos como “Hey Jude” e “Let it be”, Paul agradece pelas luzes em todo o estádio e faz o momento mais surpreendente da noite – “Live and let die”, com fogos explodindo na frente e atrás do palco junto ao tempo da música. A despedida é puro disfarce para a volta de mais umas cinco músicas. Em São Paulo, foram políticos: Rusty, Paul e Brian voltam com as bandeiras da Inglaterra, do Brasil e uma bandeira do movimento gay. “Yesterday” era a que faltava, aproveita também para colocar todo mundo no limite da adrenalina com “Helter skelter”, toca “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)” já em clima de encerramento, além de tocar inesperadamente “Birthday”, parabenizando todos os aniversariantes da noite. A mescla de “Golden Slumbers”, “Carry that weight” e “The end” são as imagens e sons finais de uma apresentação de quase três horas. Uma viagem que atravessa nossa imaginação e que só após escrever esse texto consigo compreender o que se passou.

Mineirão iluminado durante Let it Be. (Foto: Carime Elmor)

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