Teatro Solar completa 30 anos superando crises no setor cultural
Resistindo aos movimentos imobiliários e à crise na cultura, teatro recebeu grandes nomes das artes nacionais e testemunhou grandes mudanças na cidade
“Depois de um longo período em que as notícias giravam em torno de fechamento ou ausência de espaços para atividades culturais, começam a ser anunciadas reformas, criação e construção de centros culturais e teatros.” Exatos 30 anos depois, a frase escrita na abertura da reportagem de capa do “Dois” na edição de 19 de abril de 1989 da Tribuna permanece plena em sentido, assim como o objeto que retratava: “A última novidade vem de Juiz de Fora – um importante pólo produtor de cultura de Minas – que inaugura hoje o Teatro Solar, uma sala de porte médio, bem aparelhada, com recursos para abrigar montagens mais exigentes tecnicamente e capacidade de intervir na vida cultural da cidade.” Transformaram-se o nome da via, hoje Avenida Itamar Franco, as construções do entorno, hoje em sua maioria prédios, e resistiu o palco, que viu muitos outros desaparecerem e novos chegarem.
“Havia uma visão à frente da época. Houve um investimento pesado, com uma acústica excelente. Era um teatro para atender a cidade, mesmo. Foi menos empresarial e mais ideológico. Esse caráter do Solar fez a diferença para ele permanecer atendendo. Construir o teatro foi uma atitude visionária”, comenta Desirée Couri, diretora da Mais Comunicação, atual gestora do espaço, referindo-se ao empenho de Juracy Neves, fundador e diretor-presidente do Grupo Solar de Comunicação. “Acho que hoje ele faria tudo de novo. O Teatro Solar foi uma realização pessoal. Ele sempre diz que ele tinha um ator dentro dele, por isso a realização pessoal seria construir um teatro. Tanto que ele nunca focou em ter lucro com isso, mas no sonho. Ele fez história, o teatro agora faz 30 anos e marcou décadas com muita produção e programação. Acho que entramos para a história cultural da cidade. E era isso o que ele queria, dando espaço para todas as pessoas expressarem sua arte. Ele atingiu um objetivo e nunca se arrependeu. Ele queria contribuir, e contribuiu. O teatro dele ficou pronto muito antes do teatro municipal da cidade”, aponta Suzana Neves, filha de Juracy e diretora geral e comercial do Grupo Solar de Comunicação.
Acompanhando o sonho da construção à inauguração, e atuando como diretora ao longo de décadas, Suzana recorda-se que já nos primeiros dias a casa se manteve lotada. Enquanto na quarta-feira da abertura a atração foi a Orquestra Filarmônica de Juiz de Fora, na quinta-feira apresentaram-se Francis Hime e Telma Costa. No primeiro fim de semana, entre sexta e domingo, subiram ao palco Nathália Timberg e Sérgio Britto, no espetáculo “Meu querido mentiroso”, com direção de Wolf Maia. “A resposta foi imediata. O evento da inauguração, com grandes atores, estourou a bilheteria no sábado e no domingo. Àquela altura, já tínhamos uma agenda praticamente toda fechada até o fim do segundo semestre, com grandes espetáculos. Trabalhamos com a casa cheia. O juiz-forano correspondeu à nossa expectativa”, avalia Suzana. “Foi um grande impacto para a cidade. Culturalmente fizemos um movimento que gerou uma expectativa muito grande. Foi o primeiro espaço pró-ativo na cidade. Sem desmerecer outros teatros, que esperavam as companhias entrarem em contato, o Teatro Solar criou uma empresa produtora de eventos. Nós íamos para o mercado do Rio de Janeiro e de São Paulo captar grandes produções, incluindo shows e musicais. Assim conseguimos entrar no circuito. Muitos espetáculos fizeram sua pré-estreia no Solar, antes de estrear nos grandes centros. Aqui era como um ensaio geral”, rememora.
Um camarim cheio de histórias
“As filas dobravam a Rua Padre Café”, recorda-se Edgar Ribeiro, que de assistente-colaborador passou a assistente geral, cuidando do teatro ao longo de cerca de duas décadas. “As grandes estrelas – muitas morreram e outras já nem viajam – se apresentaram ali”, diz ele, enumerando peças como “Num lago dourado”, na qual Paulo Gracindo e mais uma vez Nathália Timberg reviveram, em 1991, a dobradinha feita por Henry Fonda e Katharine Hepburn dez anos antes. Também traz à memória shows de humor, uma lendária apresentação de Cássia Eller, e o último espetáculo em que esteve à frente do teatro, o monólogo “Viver sem tempos mortos”, com Fernanda Montenegro. Foram muitos os encontros, aponta Edgar. “Paulo Gracindo era um espetáculo de pessoa. O Chico Anysio também. Me lembro, ainda, da Claudia Raia e da Glória Menezes. O Stanley Jordan também, mesmo eu não sabendo falar inglês, ele foi muito gentil comigo. Outra pessoa que me marcou muito foi a Tônia Carrero, com um espetáculo lindo”, enumera, para logo recordar momentos hilariantes, como o de Lília Cabral reclamando do atraso e o de Angela Ro Ro se estendendo no camarim e atrasando o show.
Para manter as portas abertas
Retrato de um instante na cena cultural local, o Solar viu as políticas e os hábitos culturais se transformarem enquanto suas cortinas se abriam e se fechavam. “Foi surgindo muita dificuldade ao longo dos anos. As empresas já não viam grande retorno no apoio, e tínhamos dificuldades em captar patrocínios. Como as companhias também tinham problemas para reunir verba para a montagem dos espetáculos, nós também enfrentávamos resistência para trazer as turnês. Com isso diminuímos nossa produção, desaceleramos, e o teatro foi se transformando num espaço de locação para eventos em geral. Entramos no segmento de formaturas, balés, cursos e eventos corporativos”, conta Suzana Neves. “Para fazer cultura no Brasil, é preciso ter ideal, senão você desiste. Retorno financeiro, não há. O rendimento é mais para manter, realmente. Pensar como negócio não funciona. E hoje concorremos com muitas coisas, tem vários espaços para isso, e as pessoas estão cada vez menos participando da sociedade. Estão muito introspectivas, ligadas às suas redes sociais, e sair de casa para ir ao teatro, infelizmente, é algo raro”, lamenta, certa de que o teatro soube encontrar outra missão em sua trajetória.
“A ideia do teatro era trabalhar com cultura o tempo todo, mas isso é inviável , porque o custo de manutenção é muito alto. Então, acabamos tendo que optar por outros tipos de eventos”, confirma Desirée Couri, apontando a atual reforma pela qual passou a casa, ganhando um novo foyer e banheiros, além de outras benfeitorias internas. De acordo com a atual gestora, o Solar está perto de conseguir o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), impasse para diferentes espaços culturais da cidade. Ainda que tenha se aberto para setores distintos do cultural, o lugar recebeu, ao longo de 2018, apresentações de comediantes de stand-up e duas apresentações no estilo revival, com Agnaldo Timóteo e Rosanah. Este ano, recebeu Zé Geraldo e sedia a nona edição do projeto Diversão em Cena, da ArcelorMittal, que enche de crianças seus 500 assentos todos os domingos.
Para Desirée, além da localização e do porte médio, o teatro também se valoriza por pertencer à iniciativa privada. “A facilidade de negociação que temos, os apoios que damos, e por sermos um teatro administrado pela iniciativa privada, temos as decisões mais rápidas. Conseguimos atender os clientes. Ter a iniciativa privada na gestão de um empreendimento desse porte ajuda muito, porque as demandas são resolvidas a tempo e a hora”, explica. “Na época, custou uma grana altíssima. Para fazer um teatro hoje, gastam-se milhões. Investir num espaço todo para ser um teatro é muito caro. Para se ter uma ideia: o Teatro Paschoal Carlos Magno levou quase 40 anos para ficar pronto. Para a iniciativa privada fazer isso, então, é muito mais difícil. Ali poderia não ter sido um teatro, mas tivemos uma resposta positiva de reconhecimento desse investimento”, comenta Suzana Neves. Edgar Ribeiro acrescenta: “Tocar um teatro no mundo inteiro é muito difícil. As despesas são diárias, e as receitas, nem sempre. É preciso ter muito amor pela cultura. Esse teatro é fruto de um idealismo.”