Carlos e Fani Bracher têm obra exposta e revisada em site lançado neste sábado
‘Só amar a arte já valeria os 80 anos’: No dia em que completa oito décadas de vida, Carlos Bracher lança site com sua obra e a da esposa, Fani Bracher
Um feliz aniversário. “Que o novo ano te traga muitas e novas alegrias”, desejo. Imediatamente, Carlos Bracher, a quem os votos se dirigiam, corrige: “Alegrias e loucuras. Sem loucura não há sentido”. E gargalha. Neste sábado (19), Bracher completa 80 alegres e loucos anos. “É divertidíssimo. Vou querer repetir a dose”, brinca. “Viver é uma grande maravilha. Não sabia que era tão bom. Chegar, abrir os olhos, ver as cores, ouvir as coisas, ver gente, permear gente, escutar histórias, conhecer civilizações, processos, amar arte. É coisa pra danar. Só amar a arte já valeria a vida, os 80 anos”, acrescenta, por telefone, de sua casa em Ouro Preto, às vésperas da data celebrada com o lançamento do site Ateliê Casa Bracher (www.ateliecasabracher.com), no qual reúne sua produção artística e a da esposa, Fani Bracher, com quem está casado há 52 anos.
“É uma vida inteira”, diz Fani. “Sou uma pessoa com uma boa visão do que passou. Na minha vida tenho momentos que chamo de memórias do deserto, que guardo porque sei que vou precisar para quando estiver ainda mais velha. Olho para trás e é como se fosse ontem que me casei. Mas já passou uma eternidade. O tempo é muito estranho, porque ao mesmo tempo em que parece que pouco passou, vivemos já 52 anos. É uma convivência muito boa, Carlinhos é uma pessoa muito generosa”, avalia a mulher, recordando-se de sua entrada no universo das artes visuais, que se deu por incentivo do marido, ainda na França, logo depois do casamento.
Trilíngue (com versões em português, inglês e espanhol), o espaço virtual contempla o percurso do casal de artistas em fotos, documentos e muitas obras (mais de 150). Estão lá séries icônicas de Carlos, como “Homenagem a Van Gogh”, de 1990; “Do ouro ao aço”, de 1992; “Brasília”, de 2006; “Petrobras”, de 2012; e “Tributo a Aleijadinho”. E também as múltiplas faces de Fani, com quadros, mobílias, tecidos, bordados, desenhos e figurinos, passando por diferentes fases, das paisagens aos ossos, incluindo a mineração, as flores, as pedras e as setas.
‘Nunca mexi num computador’
Carlos Bracher se diz encantado com a criação do site próprio, iniciativa das duas filhas, a atriz e produtora Larissa Bracher e a jornalista e documentarista Blima Bracher. O artista confessa, no entanto, não ter tanta desenvoltura no ambiente digital. “Adoro saber que existe, acho genial, espetacular, mas a única coisa que faço é enviar mensagem de WhatsApp. Instagram nunca usei. Nunca mexi num computador. Já tentaram me ensinar, mas não aprendo mais essas coisas. A gente vai ficando recrudescido. Um menino hoje com 2 anos já sabe tudo isso, e os velhos têm tanta dificuldade. Só de ter aprendido o zap já está tão bom”, diz, aos risos.
Fani é mais hábil com as tecnologias. “Não tenho desenvoltura como meu neto, que nasceu nesse meio digital”, comenta ela, referindo-se a Valentim, de 10 anos, filho de Larissa com o músico Paulinho Moska e com quem Carlos diz trocar mensagens, principalmente sobre futebol. “Quando vi que não tinha volta, se me incluía ou não, resolvi entrar no virtual. Hoje faço o básico e gosto muito. Diante do computador vamos para o mundo”, observa Fani, abrindo as portas dos ateliês do casal em Ouro Preto para esse vasto mundo.
Inaugurado em 2018 como centro cultural dedicado às obras do casal, o sobrado com mais de 200 anos de fundação ganha, agora, uma transposição para o ambiente virtual com a possibilidade de que se realize um tour através do novo site. A casa de dois pavimentos fica ao lado da residência de Carlos e Fani. No primeiro andar estão obras dele. No segundo, trabalhos dela. “Na nossa própria casa tem um porão onde ficam alguns trabalhos da Fani também. Em nossa casa tenho um ateliê no segundo andar, nos fundos, o último cômodo. A vista mais bonita é para os fundos. É lá que pinto”, conta Carlos, afirmando ter mantido a produção durante a pandemia.
‘Trabalhei muito e procurei caminhos’
Em fevereiro do próximo ano, Carlos e Fani Bracher completam meio século de pouso em Ouro Preto. Nesse tempo, no entanto, permaneceram voando pelo país e pelo mundo. A pandemia, como a todo mundo, forçou-os a uma pausa. No início, conta Fani, permaneceram na cidade histórica. “Trabalho estampa de santos e recebi muitos pedidos. Depois passei a fazer bordados, de que gosto muito, com poemas de Manoel de Barros, Guimarães Rosa. E bordar me faz ter um caminho interno, me dá um pouco de paz, como uma meditação. Nos seis primeiros meses foi mais tranquilo. Trabalhei muito e procurei caminhos, atalhos”, narra ela, que em seguida transferiu-se para a pequena Piau, onde foi criada.
Ainda protegida do caos provocado pelo coronavírus, a cidade a pouco mais de 40 km de Juiz de Fora não somava muitos casos de infecção quando por lá os Bracher passaram três meses. Hoje a realidade é outra e o casal retornou para Ouro Preto. “Passo aproximadamente todo o tempo recluso. Vou tentando ficar o mais possível dento de casa. Vamos driblando essa crueza de viver, um quase impedimento de viver. É um claustro forçado”, lamenta ele, sobre o momento em que estar on-line mostrou-se fundamental para os artistas. “Agora na pandemia isso se mostrou muito importante. Dá para participar de tudo sem aglomerações”, aponta Fani, que também mantém a pesquisa sobre pigmentos.
Rodando o mundo
A ideia, portanto, é que o Ateliê Casa Bracher seja o reflexo da movimentada rotina artística do casal. “De 2008 a 2018 fiz uma retrospectiva na Europa. Rodou no Museu de Arte Moderna de Moscou, num palácio em Frankfurt, outro em Praga, na Abadia de Leominster, no Reino Unido, num castelo em Düsseldorf, na Alemanha. Depois foi para Suíça, Estocolmo, Luxemburgo, Bruxelas. Foram dez lugares, um por ano. Concomitantemente, em 2014 e a 2015 rodou o Brasil a exposição do CCBB, ‘Pintura e Permanência'”, enumera Carlos, cuja mostra recebeu cerca de 450 mil pessoas, um recorde de montagem brasileira no Centro Cultural Banco do Brasil.
Aos 76, quatro a menos que o marido, Fani não se diz cansada. Prática e objetiva, comemora o aniversário do marido sem, contudo, tecer loas aos ponteiros do relógio. “Carlinhos tem uma cabeça muito boa. Eu sou mais realista e pessimista, como o Millôr Fernandes, que dizia que a partir de quando nascemos passamos a envelhecer. Temos que agradecer pela saúde muito boa que temos, pela cabeça muito boa que temos. Mas envelhecer não é tão maravilhoso”, afirma. Carlos ameniza, falando e sorrindo, como é seu costume: “Tem uns grilos normais, como os automóveis”.