‘Não tem política pública sem dinheiro’, afirma secretário de BH

Em conversa com a Tribuna, Gabriel Portela, Secretário Adjunto de Cultura de BH, convidado para debate promovido pela Funalfa na última quarta (13), destaca os desafios das políticas públicas em cultura no país e em Minas


Por Mauro Morais

17/11/2019 às 07h00- Atualizada 18/11/2019 às 10h03

Tribuna – Passou-se a investir mais em cultura em Belo Horizonte?
Gabriel Portela Conseguimos, só esse ano, praticamente duplicar o orçamento para atividades finalísticas. O dinheiro que está na ponta, indo para editais, eventos, políticas culturais, foram dobrados. Tem tido não só uma valorização da cultura, mas um aumento de recursos.

A verba é a peça chave da política cultural?
Quando chegamos, os recursos eram insuficientes. Ainda é um recurso pequeno, precisamos avançar muito, mas agora começa a dar condições de trabalho. Para políticas públicas, quaisquer delas, se não tiver um orçamento que respalde, elas viram só papo. Não tem como fazer política pública sem dinheiro. A fundação era muito voltada para dentro dela mesma, com seus próprios projetos e suas próprias ações. A gente, ao recriar a secretaria, começou a pensar em políticas culturais, nos conectando com a cidade, com quem está fazendo. Para isso houve muito diálogo, muita conversa, muita construção participativa, para pensar que política é essa e qual orçamento é necessário.

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Gabriel Portela: “A ideia é transformar o patrimônio num ativo cultural e econômico importante, facilitando os processos e diminuindo a burocracia” (Foto: Carlos Mendonça/Funalfa/Divulgação)

Chegar às pessoas é pensar em democratização. Belo Horizonte tem o edital Descentra, para fomentar atividades fora do centro, mas como funciona esse pensamento em toda a gestão da cultura?
Esse é um edital de R$ 1 milhão. A democratização passa por vários lugares. Passa pela democratização dos recursos públicos, para onde esse dinheiro está indo, por exemplo. Sem ser no Descentra, no edital geral, estamos conseguindo distribuir melhor projetos nas regiões da cidade. Tinha regional de Belo Horizonte que não recebia nem 3% dos valores. Começamos a capacitar os empreendedores das regiões para que conseguissem buscar os recursos, e a regional que tinha 3% hoje recebe 7%. A centro-sul, que é o lugar que historicamente sempre concentrou mais recursos, diminuiu um pouco sua participação. Também mudou o tipo de proponente que está conseguindo acessar esses recursos. Majoritariamente sempre foram os homens brancos. Mais de 53% dos proponentes são homens brancos e, agora, mulher negras e pardas conseguem cada vez mais participar do mecanismo de fomento. Democratizar passa por uma política que ajude a descentralizar recursos, a contemplar outros proponentes que historicamente tinham dificuldade de acesso. Passa, também, pela valorização dos equipamentos culturais. Quando chegamos, os centros culturais estavam muito sucateados, com teatro que não comprava lâmpada há 16 anos. Conseguimos fazer obras de intervenções básicas e compramos material para os equipamentos. No próximo ano, vamos iniciar um projeto que se chama Circuito Municipal de Cultura, com um orçamento específico bem razoável, de R$ 2,5 milhões para pensar a programação desses equipamentos todos. Hoje são 17 centros culturais, três teatros, seis museus e 15 bibliotecas. Hoje cada centro cultural pensa isoladamente sua programação, e nós vamos entrar com recurso e inteligência para, no fundo, aumentar o acesso da população à cultura na cidade, com todos se interessando cada vez mais.

Existe um objetivo delimitado, um indicador para a gestão?
Existe na Prefeitura um contrato de metas, que o secretário e o prefeito assinam conjuntamente com compromissos para até o final da gestão. Um desses indicadores é elevar o número de atividades culturais promovidas pela Prefeitura ou em parceria com ela em todas as regiões da cidade, com a atividade cultural fomentada por toda a cidade e dando acesso a quem tem dificuldade de acesso.

Nos últimos anos, assistimos a uma grande alteração na dinâmica cultural dos grandes centros. Existe um interesse em fazer com que Belo Horizonte seja um referência em cultura no Brasil, o que nunca deixou de ser, mas que se perdeu nas últimas décadas?
Belo Horizonte historicamente é uma referência. O melhor grupo de dança está na cidade. Os melhores grupos de teatro estão na cidade. Músicos, temos várias referências. Mas, hoje, Belo Horizonte está vivendo um momento na vida cultural muito interessante, efervescente. Isso está ligado ao carnaval. Pessoas de fora da cidade olham para BH com o desejo de passar o carnaval lá. Tem um movimento de oito anos para cá que se mistura com política e cultura e cria um caldo renovado na cidade muito interessante. O que falta, e que discutimos na secretaria, é que essa agitação cultural consiga se projetar para fora da cidade.

“Belo Horizonte historicamente é uma referência. O melhor grupo de dança está na cidade. Os melhores grupos de teatro estão na cidade. Músicos, temos várias referências. Mas, hoje, Belo Horizonte está vivendo um momento na vida cultural muito interessante, efervescente. Isso está ligado ao carnaval”

O carnaval segue sob a responsabilidade da Belotur (Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte)?
A Belotur tem feito um trabalho excelente de ordenamento do carnaval. Quem faz o carnaval são os foliões, os blocos, as escolas de samba, os grupos afro, e cabe à Belotur fazer o ordenamento e captar os recursos para que o carnaval possa acontecer com um nível de qualidade. Obviamente, o carnaval é uma expressão cultural e temos diálogos permanentes apoiando e auxiliando para lidar com essa complexidade cultural. O carnaval projeta a cidade, é uma plataforma fundamental. Virou uma referência no país. Amigos meus que nunca pensaram em passar o carnaval em Belo Horizonte estão me ligando. Amigos de São Paulo, Rio de Janeiro e até do Nordeste.

Qual a urgência da cultura de BH hoje?
O que acho que faz falta agora é que os artistas belo-horizontinos consigam se projetar para fora de Minas Gerais. Temos muita gente boa na cidade produzindo coisas incríveis. O maior rap da atualidade é de BH, o Djonga. Ele está levando muita gente com ele, fomentando outros talentos, mas, enquanto Poder Público, a gente ainda está devendo uma política para fazer essa galera circular e ser vista. O slogan da Prefeitura, “Belo Horizonte Surpreendente”, faz todo sentido, porque a cidade é gastronomia, sim, mas, também, muito mais, com efervescência, com cultura à flor da pele.

“O que acho que faz falta agora é que os artistas belo-horizontinos consigam se projetar para fora de Minas Gerais. Temos muita gente boa na cidade produzindo coisas incríveis”

Em relação ao patrimônio, Belo Horizonte foi uma das primeiras cidades a implantar a lei de compensação da transferência do potencial construtivo. Qual é a realidade do setor hoje?
A lei segue funcionando, assim como a isenção do IPTU para bens tombados. É uma política bem-sucedida, tem funcionado, e, ao mesmo tempo, é uma política em disputa. Belo Horizonte tem muitos imóveis protegidos. O conselho é deliberativo e de fato consegue proteger e resguardar o patrimônio da cidade. Ainda assim é um lugar passível de evolução. A ideia é transformar o patrimônio num ativo cultural e econômico importante, facilitando os processos e diminuindo a burocracia.

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A ideia de que a cultura é um ativo está pacificada na cidade?
Temos avançado. O prefeito olha para a cultura como algo importante. Ele defende que a cidade deve ser viva. Não temos praia, nosso turismo não é espetacular e devemos ter outras atividades para ser uma cidade agradável e atraente. O próprio fato de ele ter topado montar uma secretaria, convidando uma figura como o Juca (Ferreira) demonstra seu interesse em valorizar a cultura.

“Não temos praia, nosso turismo não é espetacular e devemos ter outras atividades para ser uma cidade agradável e atraente”

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