Darlan Lula lança livro sobre o ciúme em Machado de Assis

Publicação é resultado de pesquisa de doutorado do escritor sobre as obras do Bruxo do Cosme Velho


Por Júlio Black

16/09/2021 às 07h00

darlan
Darlan Lula dedicou boa parte de sua vida acadêmica aos estudos sobre Machado de Assis (Foto: Divulgação)

Há 122 anos, leitores (e não leitores, afinal opinião é de graça) de “Dom Casmurro” repetem a pergunta que não tem resposta: Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Independente da visão de cada um, o mais famoso livro de Machado de Assis (1839-1908) pode ser analisado como uma obra sobre o ciúme e o quanto ele pode fazer mal _ e mais: é um entre tantos livros e contos do Bruxo do Cosme Velho a tratar de um dos mais polêmicos sentimentos humanos.
É o que defende o escritor e pesquisador Darlan de Oliveira Lula no livro “Um estudo do ciúme em Machado de Assis: as narrativas e os seus narradores” (Editora Dialética), que terá live de lançamento nesta quinta-feira (16), às 19h, pelo canal do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) no YouTube. Além do autor, participam do evento o prefaciador do livro, Leandro Ribeiro, e o jornalista Mauro Morais, responsável pela mediação da mesa. O livro físico pode ser adquirido no site da editora, a versão digital já está disponível em plataformas como o Kindle.
Segundo Darlan, a publicação faz parte de uma longa trajetória de estudos que ele faz das obras de Machado de Assis, que tiveram início em 1999, em sua graduação, e que passou pelo mestrado (a respeito das obras do escritor ligadas ao gênero fantástico) até chegar ao doutorado pela UFF (Universidade Federal Fluminense), defendido em 2011. Ao ser procurado pela Editora Dialética, no início do ano, decidiu levar o trabalho acadêmico para o mundo literário.
“Fiquei instigado a trabalhar o ciúme porque estava imerso nos contos dele, que são mais de 200, nem todos publicados em livros, e percebi que muitos deles trabalhavam essa temática do ciúme”, explica. “E não por acaso há dois romances que trabalham essa questão, ‘Ressurreição’ (1872), seu primeiro romance, e ‘Dom Casmurro’ (1899), de sua fase mais madura. Pensei então em trabalhar o tema além de ‘Dom Casmurro’, analisando como foi esse processo em suas obras.”
Ainda segundo Darlan, sua pesquisa buscou mostrar que Machado de Assis usava o ciúme não só como ferramenta, mas também como elemento narrativo, a ponto deste poder ser considerado um personagem de seus livros e contos. “A genialidade do Machado conseguia colocar fissuras na história que permitem ao leitor participar dela, desenvolver essa narrativa a ponto de gerar essa expectação no espectador, e que conseguem manter até hoje a dúvida se Capitu traiu ou não traiu Bentinho”, destaca. “E por muito tempo se dizia que a Capitu seria uma safada, com ‘olhar oblíquo’, o que só mudou nos anos 1960, quando foi proposto um novo ponto de vista no livro ‘O Otelo brasileiro de Machado de Assis’, da norte-americana Helen Caldwell.”

Fonte inesgotável

Desde a morte de Machado de Assis, em 1908, o escritor teve sua obra analisada pelos mais diversos prismas, principalmente a já citada “Dom Casmurro”, em que sempre há uma nova “descoberta” para reciclar teorias mais do que discutidas. Para Darlan Lua, o escritor carioca ainda terá muito a ser analisado e discutido.
“A obra dele é vasta e grandiosa. Machado foi cronista, contista, poeta, romancista, teatrólogo; é uma gama de opções tão grande que quem se debruçar sobre a obra dele consegue achar algum ponto inédito. E mesmo análises feitas anteriormente, seja nos anos 1930 ou na década passada, podem ser revistas por outro viés. Acho que não vai cessar nunca, o que considero essencial, pois impede que Machado caia no esquecimento.”
Quanto ao foco do livro, Darlan fala sobre a importância do tema ciúme como elemento em algumas das obras do mais famoso imortal da Academia Brasileira de Letras. “Um crítico disse certa vez que o Machado perseguiu essa temática a vida inteira, talvez porque o incomodasse no campo pessoal. Mas são conjecturas; eu, particularmente, acho que quando ele se debruçava sobre essa questão era para fazer um apanhado da sociedade em que vivia, tanto que nas histórias esse tema poderia aparecer de forma irônica, mordaz, satírica, falando da hipocrisia da sociedade da época. Dá para ver em muitos momentos que ele gozava da cara dessa sociedade, que não percebia como estava sendo retratada”, argumenta, defendendo que o momento máximo dessa literatura sobre o ciúme está em “Dom Casmurro”, que ele acredita ser até hoje ser debatida pelo viés menos importante.
“As pessoas tentam até hoje deslindar essa questão (da traição), ao invés de estudar como ele desenvolveu essa história, que é o que busco na minha pesquisa. Ele foi aperfeiçoando a sua forma de escrever, que gerou os livros geniais da chamada segunda fase, como ‘Memorial de Aires’, ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’ e o próprio ‘Dom Casmurro’.”
Ainda sobre a visão que Machado de Assis tinha da sociedade do final do século XIX e início do século XX, Darlan defende que ela explica por que o ciúme era um tema recorrente nos livros e contos do escritor, assim como a existência de personagens masculinos frágeis e inseguros. “Os homens tinham ciúmes extremos das mulheres e verbalizavam com elas para não fazerem mais aquilo, era como se fosse uma ordem”, diz, dando como outro exemplo a reação das mulheres que descobriam as traições dos maridos em histórias do Bruxo do Cosme Velho. “As mulheres traídas tentavam impingir o constrangimento nas amantes dos maridos, deixando claro que estavam sabendo e que elas deveriam acabar o caso. Nunca a conversa era voltada para o próprio esposo, e até hoje temos essa cultura na sociedade, de se conversar com a rival.”

PUBLICIDADE

Machado e as mulheres do novo século

E como Machado de Assis trataria desse tema nos dias atuais? Darlan Lula especula que suas histórias seriam diferentes. “Imagino o Machado pensando nas mulheres que cantam essas músicas de sofrência, que dizem ‘não canta de galo comigo, que vou fazer pior’. Acho que a vingança seria contra o próprio marido. As mulheres daquela época já tinham uma força com ele, mesmo que tivessem que ser submissas, sinal de que queria jogar luzes sobre a figura feminina”, pontua.
“Imagine hoje, com o potencial que a mulher tem de se levantar contra o machismo. Ele era um arguto observador da sociedade da época, e os figurinos podem não ser os mesmos, as situações podem não ser as mesmas, mas o emocional do ser humano é o mesmo: ele vai sentir aquela raiva, aquele ciúme, independente da época. E Machado de Assis sabia como ninguém transpassar para o papel as emoções dos personagens.”

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.