E se JF fosse invadida por monstros do bem?
Artista visual Luiz Gonzaga brinca com a possibilidade na série “Ilustra Monstro”, no Instagram
Na última quinta-feira, 13, um imenso monstro amarelo e laranja, com um olho apenas e três chifres, foi flagrado em pleno Calçadão da Halfeld, com as mãos no Edifício Clube Juiz de Fora e apoiando-se sobre o prédio da frente. No dia 5 de julho, um bicho nas cores roxo e amarelo, com garras enormes, comeu a pipa da estátua em bronze situada quase em frente ao Colégio Jesuítas, na Avenida Presidente Itamar Franco. No dia 23 de junho uma espécie verde, com pintas azuis e chifres amarelos surgiu no mesmo Calçadão exibindo-se como uma estátua viva. No dia 19 de junho, um ser semelhante a um veado, com pelo marrom e chifres azuis, colocou parte do corpo para fora do Rio Paraibuna, na altura do Museu Mariano Procópio, onde, aliás, no dia 8 de junho, bichos verdes e estranhos, com apenas um olho e uma bizarra franja foram vistos ocupando o lago. Sem causar estragos, no dia seguinte, 9 de junho, um indivíduo de cor bege e muito maior que os maiores prédios juiz-foranos e que o próprio Morro do Cristo, foi registrado caminhando no Centro da cidade, soltando fumaça pelo topo da cabeça. Monstros estão à solta criados pela pena digital do artista visual Luiz Gonzaga.
Irreverente e bastante original, a série “Ilustra Monstro”, de fotografias que carregam consigo intervenções com monstros ocupando o espaço urbano, são publicadas desde o início de junho na página homônima (@ilustramonstro), no Instagram. Lúdicos e bem humorados, os trabalhos inspiram um novo olhar sobre as ruas de Juiz de Fora. “Sou um fã de monstros e também curto robôs. Sempre ouvi as pessoas, em algum momento, dizerem que em Juiz de Fora nada acontece. Então, pensei: E se a cidade fosse invadida por monstros, assim como Nova York tem seu King Kong e o Homem de Marshmallow (de “Os Caça-Fantasmas”), ou Tokyo com seu Godzilla e Gaijins que brigam com robôs gigantes? Por que não criar monstros em Juiz de Fora?”, questionou-se o artista, ainda em 2011.
Dono de uma destreza invejável na técnica do bico de pena, Luiz Gonzaga começou, então, a intervir na própria cidade, criando grafites em muros e dando formas animadas à estacas e blocos de cimento. De 2013 a 2015, ele ajudou a colorir as ruas. Mas faltaram-lhe, como faltam, muros. Diante de fotografias feitas para estudos de grafite, o artista começou a experimentar sua polis monstruosa. “A princípio eles seriam maus, assustadores, mas lembrei que já existem muitos monstros que assustam, devoram e destroem o mundo. Por que, então, não apostar em monstros legais, camaradas?”, indaga ele, às voltas com engenhosos traçados, tão bem cuidados quanto suas telas e gravuras. “Não é tão fácil desenhá-los, partindo da ideia à finalização. Alguns levam muitos dias para a concepção”, comenta.
Por um espírito feliz
Ao mesmo tempo crítica e ácida ao ressaltar o incômodo de um arbusto bem no meio de uma calçada, a série de trabalhos implica a delicadeza de um monstrinho verde caminhando pela Halfeld. Os monstros de Luiz Gonzaga guardam grandes influências da linguagem dos quadrinhos. A sutileza do encontro entre reflexão e graciosidade são a tônica de uma produção essencialmente simpática, com o alcance que o termo permite. “O nosso mundo já é fantástico, maravilhoso. Infelizmente nossa visão e demais sentidos têm estado corrompidos, mascarados e encobertos por falsos valores e sonhos. A gente só precisa parar para pensar no que realmente deixa o nosso espírito feliz”, sugere Luiz Gonzaga, que dá conta de fazer rir em situações de extremo mal-estar, como a que representa um monstrinho azul se segurando no alto de um ônibus pela Avenida Rio Branco. “Sabe quando você pega o ônibus e ele sai “chutado” pela rua, quase tombando nas curvas, dando solavancos nos quebra-molas, e que parece que para o motorista não existe amanhã? Esse é o espírito de aventura que alguns tipos de monstro como esse carinha aí procura”, escreve o artista em texto que acompanha a postagem.
Segundo Luiz Gonzaga, além das ilustrações, os textos auxiliam na descrição de uma cena surreal. “O plano é estender a série para uma possível publicação em formato de livro impresso”, aponta ele, que descobriu na internet um meio de amplitude inquestionável para uma expressão, a das artes visuais, cada vez mais carente de espaço e público na cidade, que permite experimentações capazes de conjugar o artesanal e o digital com efetivo êxito. “Vivemos num mundo onde a arte é cada vez mais livre em todas as suas expressões. Existem tendências e produções surgindo a todo instante. Não pretendo hoje me agarrar por definitivo a um estilo ou técnica. Quero poder experimentar tudo o que for possível. Faço o que sinto e quero transitar pelas possibilidades”, diz.
“A internet aproximou o mundo. Trouxe até nós infinitas possibilidades. Acredito que é só uma questão de tempo para que a coisa possa se tornar mais positiva também para as artes visuais. É uma questão de adaptação. A arte na internet é popular entre os artistas. Logo, existe um público ali dentro louco para poder adquirir um trabalho. A realidade que eu enxergo hoje é a seguinte: O artista tem que enxergar essas pessoas, ele tem que dialogar, precisa pensar no que ele gostaria de ver, sentir. Ele tem que se libertar, sonhar, flutuar. Só precisa ser sincero em sua produção, e as pessoas vão querer ter com elas um pedaço dessa sensibilidade.”