Engraçado, anárquico e violento, “O Esquadrão Suicida” chega ao HBO Max

Com direção de James Gunn, longa é misto de reboot e continuação do filme de 2016, com vilões da DC Comics


Por Júlio Black

15/09/2021 às 07h00- Atualizada 15/09/2021 às 10h14

David Dastmalchian, John Cena, Idris Elba e Daniella Melchior interpretam alguns dos vilões escolhidos por James Gunn para “O Esquadrão Suicida” (Foto: Divulgação)

A trajetória de James Gunn no cinema de super-heróis cairia como uma luva para quem tem certeza que um palavrão dito na distante Uberlândia pode eleger um síndico de prédio em Ulan Bator ou fazer com que a DC Comics/Warner Bros. entregasse seu melhor filme do gênero em uma década _ o oscarizado “Coringa” pode ser considerado um “animal” intruso no ecossistema. O filme, no caso, é “O Esquadrão Suicida”, dirigido por Gunn e que chegou ao HBO Max no último domingo (12) após a regulamentar temporada nos cinemas.

Explicando: em junho de 2018, o Universo Cinematográfico Marvel (MCU) surfava no sucesso bilionário de “Vingadores: Guerra Infinita”, enquanto a Warner amargava bilheterias e/ou críticas ruins de produções como “Liga da Justiça” e “Esquadrão Suicida”, sem saber como reverter o estrago (dar um reboot geral? Fazer filmes que não estivessem conectados?). Um dos responsáveis pelo sucesso do MCU era justamente James Gunn, que havia dirigido os dois “Guardiões da Galáxia” e havia colaborado em “Guerra Infinita”.

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O diretor, porém, estava visado pela extrema-direita norte-americana por causa de suas críticas ao então presidente Donald Trump, e aí os defensores do topetudo laranja desencavaram postagens antigas do diretor que faziam piadas de péssimo gosto. A Disney, dona do Marvel Studios, não gostou, e Gunn foi demitido; meses depois, entretanto, ele se acertou com o estúdio com a missão de realizar o Volume 3 de “Guardiões…”. Nesse meio tempo, porém, a Warner teve uma de suas poucas ideias inteligentes em décadas e contratou o cineasta com carta branca: fazer o filme que quisesse, com os personagens que mais lhe agradasse, contando a história que desse na telha. Com essa liberdade, ele realizou o filme mais anárquico, surtado, violento e divertido da Universo Estendido DC (DCEU, em inglês).

Morre um, morrem dois, morre geral

Com liberdade total para criar, James Gunn também escreveu o roteiro do filme, que é tanto uma continuação quanto reboot do péssimo filme de 2016. A carta branca já fica evidente nos minutos iniciais, quando conhecemos a equipe de vilões escolhida por Amanda Waller (Viola Davis) para invadir a nação fictícia de Corto Maltese, que sofreu um golpe de Estado, e destruir o misterioso projeto Estrela-do-Mar, que pode ameaçar os Estados Unidos e é comandado pelo perverso e insano Pensador (Peter Capaldi).

Três dos integrantes _ Arlequina (Margot Robbie), Rick Flagg (Joel Kinnaman) e Capitão Bumerangue (Jai Courtney) _ estavam no “Esquadrão Suicida” original, mas o restante são personagens da quarta divisão da DC, e daí para baixo: uma doninha falante (Sean Gunn), o bizarro O.C.D. (Nathan Fillion) e Sábio (Michael Rooker), entre outros. Eles estão lá porque Amanda Waller acredita que todo mundo é descartável, então se morrer, morreram, agora vou lá jogar meu golfe. E daí temos uma carnificina que resvala no gore e que não dá para não elogiar a criatividade na hora de matar parte da bandidagem.

Porém, outra equipe também chegou à ilha, formada por uma turma igualmente irrelevante dos quadrinhos: Sanguinário (Idris Elba), Pacificador (John Cena), Caça-Ratos 2 (Daniella Melchior), Tubarão-Rei (voz de Sylvester Stallone) e… Bolinhas (David Dastmalchian). Esse grupo, com algumas adições, vai fazer um acordo com um grupo de guerrilheiros liderados por Sol Soria (Alice Braga) para atingirem seus objetivos em particular: destruir o Estrela-do-Mar, no caso dos vilões, e derrubar a nova ditadura, meta dos revolucionários.

Arlequina (Margot Robbie) tem sua verdadeira “emancipação fantabulosa” no longa, que chegou ao HBO Max (Foto: Divulgação)

James Gunn sem limites

A trama de “O Esquadrão Suicida” tem muitas semelhanças com aqueles filmes de ação dos anos 80 em que um grupo de brucutus se reúne para lutar contra ditadores de repúblicas de bananas, e até mesmo com a recente franquia “Os mercenários”. Mas ter James Gunn na direção faz toda a diferença nessa hora, inclusive dentro do gênero de super-heróis. Sem ter que se preocupar com orçamento, cronologia e classificação indicativa (16 anos no Brasil), ele realizou o mais alucinado filme do DCEU, e que só pode ser comparado com os dois “Deadpool” da Fox no quesito “filmes de super-heróis que não têm limites”.

O Esquadrão Suicida que James Gunn levou para o cinema é deliciosamente absurdo como as histórias de quadrinhos de super-heróis costumam ser, com inspiração na clássica fase do grupo na década de 1980, quando John Ostrander e Luke McDonnell reinventaram a equipe, com personagens que parecem transcrições literais das HQs, e uma ameaça alienígena que aumenta a escala do absurdo.

O longa também diverte por conta das cenas de ação e da violência quase caricata que acompanha os inúmeros banhos de sangue em pouco mais de duas horas de filme. Não faltam corpos partidos, braços arrancados, cabeças explodidas ou cortadas, mas sem apelar para a violência gráfica/realista; o objetivo, ali, é mostrar que nada deve ser levado a sério, e tudo é absurdo mesmo.

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Por fim, James Gunn volta a acertar na mosca em outros de seus pontos fortes: a trilha sonora _ ainda que menos presente que em “Guardiões da Galáxia”, elenco, diálogo e desenvolvimento de personagens, sem se esquecer das inúmeras piadas que em momento algum parecem deslocadas. Arlequina enfim teve sua prometida “emancipação fantabulosa”, enquanto que Sanguinário e Pacificador tem algumas das melhores cenas do filme quando tentam mostrar quem é o mais durão do pedaço. Daniella Melchior surpreende com a ingenuidade e carisma que empresta a Caça-Ratos 2, enquanto que David Dastmalchian entrega toda a estranheza que o perturbado Bolinhas tem a oferecer. Até a “parte animal” do filme dá conta do recado, seja pelo pouco cérebro do Tubarão-Rei, o carisma do ratinho Sebastian ou os poucos minutos de tela da Doninha.

Depois do fracasso do “sombrio e realista” dos filmes de Zack Snyder, a Warner/DC Comics já havia começado a buscar um caminho mais “colorido” e otimista com os filmes do Aquaman, Mulher-Maravilha e Shazam. “O Esquadrão Suicida” mostra que é possível arriscar ainda mais, pois a fórmula de ação, violência, humor, escracho e absurdo de James Gunn funciona muito bem quando em mãos competentes.

A torcida, agora, é para que o diretor possa marcar presença tanto no universo cinematográfico da Marvel quanto no da DC Comics, pois o que mais se quer são ótimos filmes com os super-heróis e vilões e das duas editoras. E que também tenhamos ótimas histórias inspiradas em personagens da Image, Dark Horse, Millarworld, e por aí vai.

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