‘Se minha história tem um conceito por trás, estou feliz’


Por MARISA LOURES

15/08/2015 às 07h00

Eliardo e Mary França participam, neste sábado, da Festa Literária de Rio Novo

Eliardo e Mary França participam, neste sábado, da Festa Literária de Rio Novo

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Enquanto conversávamos, Mary França tinha nas mãos vários livros. Alguns, velhos conhecidos dos leitores. Outros, recém-chegados às prateleiras. O mais novo deles, “O que é que te diverte” (Caramelo) traz o companheiro, Eliardo, como autor. Até hoje, ele se aventurou na escrita em “O rei de quase tudo” (Global), lançado em 1972, e em “Quando passam as nuvens” (Global), de 2013. “Às vezes, me dá vontade de contar uma história que não seja através do traço e, sim, das palavras”, afirma ele que, ao lado de Mary, participa, neste sábado, às 15h, da Festa Literária de Rio Novo, realizada até domingo. Homenageado desta edição, Ziraldo passa pelo evento às 9h, também de hoje. “Eles estão preparando palestras e tarde de autógrafos. Acho válido todo movimento cujo livro é o objeto”, reforça a autora.

Nascidos em Santos Dumont, Mary e Eliardo vieram para Juiz de Fora, aqui se casaram e tiveram filhos. Lá se vão 53 anos de união e quase o mesmo tempo de parceria literária. Aliás, é no início dessa história que, lá nos idos de 1970, nasceu “A árvore e os bichos”, pela extinta editora Conquista. O casal conta que trabalha no relançamento da obra com selo da Gaia. O texto é o mesmo. “O Eliardo manteve as ilustrações, mas há uma mudança de cor, de aquarelas”, adianta Mary. A conversa abaixo é transmitida no “Sala de Leitura” desta segunda-feira, às 14h30, na Rádio CBN Juiz de Fora (AM frequência 1010). Mesmo depois de mais de 300 livros publicados, os autores demonstraram, na entrevista, ter a mesma paixão que os levaram a mergulhar no universo infantil. “Se eu fizer um livro que leve a criança a pensar em alguma coisa, se minha história tem um conceito por trás, aí estou feliz”, diz a escritora.

Tribuna – Mary, em uma entrevista, você disse que vocês tiveram a sorte de começar numa época em que achavam que escrever para crianças era colocar tudo no diminutivo. O que vocês trouxeram de novo para esse público?

Mary – Não só Eliardo e eu, mas toda uma geração de autores que começou a escrever no final dos anos 70 e 80. Era um grupo de pessoas, autores e ilustradores, que reivindicou que o Brasil tivesse livro para crianças brasileiras feito por autores brasileiros. Até aquele momento, tudo o que a gente tinha eram os clássicos, lindos. Andersen é minha paixão, porém a gente queria mais do que “O patinho feio”. A gente teve sorte, mesmo, de fazer parte desse grupo, frequentar a Fundação Nacional do livro Infantil e Juvenil e de ter acesso a belíssimos livros estrangeiros. A gente precisava aprender alguma coisa, em algum lugar.

 

– Passar do primeiro livro não é fácil para um jovem estreante na literatura, já vocês são um sucesso de vendas há quase 50 anos…

Eliardo – Na época, a gente tinha pouca coisa, poucos escritores e ilustradores. O que tinha de livros aqui era importado. A partir da década de 1970, a literatura infantil brasileira começou a levantar voo e hoje voa muito alto. Hoje é difícil publicar, porque muitos editores apostam em gente já conhecida. Além de tudo, a editora também é uma empresa que precisa ter lucro e, para ter lucro, ela precisa acertar. Não pode atirar sem saber o que vai acontecer. Por isso a juventude que não é conhecida sente dificuldade para publicar. Mas de uma certa forma, existem editoras que têm a sabedoria de enxergar um palmo na frente do nariz e saber que aquilo vai dar certo, que pode ser um material bom, de sucesso de público e venda.

 

– E para acertar, vocês têm que agradar os leitores mirins. O que esse leitor quer ler?

Mary – O Eliardo até fala que, quando faz um livro, não faz para o leitor, faz para ele. Mas, uma vez que estamos fazendo coisas para crianças, precisamos entender as crianças, falar a linguagem dela. Para que isso aconteça, colocamos alguns ingredientes nos nossos livros. Por exemplo, no meu caso, o primeiro livro que eu fiz foi uma intuição, eu não sabia nada de psicologia e pedagogia, estava me formando professora. De lá pra cá, me habituei a estudar as teorias da educação, que mudaram muito nesses 50 anos. Com isso, a gente aprende que há uma área de interesse da criança.

 

– Mary, Você entra num novo livro com ele já pronto, mas o projeto pode mudar?

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Mary – Há períodos em que não escrevo nada, penso, pesquiso e leio coisas. Quando a história está praticamente pronta, eu e Eliardo conversamos sobre aquela criação, os personagens e como vai ser o final. Durante o período de gestação, isso me acompanha 24 horas por dia, não é aquela coisa de ‘ah agora vou sentar duas horas e trabalhar até as quatro’. Aquilo fica em mim. Às vezes, nas escolas, num momento de interação com as crianças ou quando elas dizem alguma coisa, eu falo: ‘puxa, era isso que eu estava buscando, vai ser legal para um novo conceito”.

 

– Muitos escritores afirmam que não vivem da venda dos livros, mas dos vários eventos literários que pipocam pelo país. E vocês?

Mary – Também sobrevivemos desses eventos, mas o fundamental é o livro. Sobrevivemos dos direitos autorais dos livros vendidos e dos projetos novos. Cada vez que você traz um novo trabalho, há pagamento de ilustrações e outras coisas.

 

– Há autores que apostam que as feiras de livros já substituem as bibliotecas públicas no papel do estímulo à leitura. O que vocês pensam sobre isso?

Mary – As prefeituras trocam o chão das escolas, arrumam a telha, compram panela nova, tudo vem antes da biblioteca. Esses eventos podem acrescentar, levar esses valores para as pessoas para que elas se aproximem da biblioteca, mas ela precisa existir, porque é essencial para todo e qualquer ser humano desenvolver sua leitura e capacidade intelectual. O livro é fundamental. Não é porque Rio Novo terá dois ou três dias de um belo evento que não precisamos mais cuidar das bibliotecas.

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