Série mostra como o slam está criando uma nova geração de poetas em JF
Série da Tribuna apresenta os slams de poesia de Juiz de Fora e o destaque da cidade nas competições nacionais. Conheça o que é e entenda a importância dessa cultura como luta social e movimento literário
No início de 2017, Del Chaves, fundador do Slam Resistência de São Paulo, juntou-se a poetas de Juiz de Fora no dia da primeira batalha Slam na cidade. Era 11 de fevereiro quando assistiram à oficina, começando a concretizar a ideia de uma reunião que aconteceu semanas antes. Um encontro no Bairro Santa Cândida, âmago da cultura hip-hop, na casa da líder comunitária Adenilde Petrina, reunia dois adolescentes poetas e moradores do bairro: Mohammed Silva e Yuri Souza, que organizam em grupo, junto ao Coletivo Vozes da Rua, o Slam de Perifa. Na ocasião, também estava o historiador Eric Meireles, diretor da Confraria dos Poetas e slam master da Batalha da Ágora. Da vontade de colocar a poesia dos jovens na rua, ocupando a escola de um bairro da Zona Leste, nasceu o primeiro Slam de Juiz de Fora, que em momento subsequente dividiu-se entre Slam Poético da Ágora e o Slam de Perifa. Em menos de um ano, o movimento é como uma célula revolucionária que começa a impactar a educação e a vida de quem descobre na palavra, sua maior força de resistência.
Em julho do ano passado, o 2° Festival Absurdo anunciou uma terceira batalha: Slam do Encontro, idealizada pelo Encontro de MCs, reforçando a aproximação da cultura hip-hop ao slam, que nascem com o mesmo ideal de levar a informação através da poesia, podendo ser em forma de rap ou versos livres, sem beat. Assim como a direção da Escola Municipal Santa Cândida abraçou a causa e tornou-se espaço para acontecerem as primeiras manifestações de slam, alunas do Ifet puxaram o movimento para lá. Idealizado por Vitória Rocha e Sarah Tielmann, surgiu o Slam Contra Corrente dentro do Instituto Federal, focado na categoria de Slam Interescolar, voltado para alunos do Ensino Fundamental ao EJA, assim como funciona a Batalha da Ágora, uma segunda instância do Slam Poético da Ágora, que tem como slam master Antônio Carlos Lemos Ferreira, professor de história do Santa Cândida, que despertou Mohammed para a poesia.
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A criação do Slam Interescolar estreita os laços entre educadores e slammers. Tem sido notável a maneira como novos poetas e poetisas têm buscado informação na leitura, fazendo com que o interesse pela literatura, somado às áreas que os fazem quebrar a cabeça e repensar as dinâmicas político-sociais, como livros clássicos de filosofia, entre em seus repertórios de estudo. Em pouco mais de um ano, Juiz de Fora já tem visibilidade nacional nas Batalhas de Slam que ocorrem no país. A rapper Laura Conceição carrega na poética e melodia a percepção do que seu corpo ocupa no mundo e, por onde passa, deixa rima, ou versos livres. Com os ouvidos atentos, Laura ecoa a fala que cada público tem sede de ouvir. Ele foi finalista do Slam BR: Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, ficou em terceiro lugar, competindo com a paranaense Bell Puã, que venceu a disputa e segue para o Grand Poetry Slam 2018: Copa do Mundo de Slam de Poesia da França, de 7 a 13 de maio. No encerramento da Copa em Belleville, uma juiz-forana de apenas 18 anos, Karol Ferraz, que venceu o 1º Slam Interescolar Nacional, em Belo Horizonte, foi convidada a fazer uma intervenção poética.
“Poesia 38”
Karol escreve versos desde criança, é estudante do Ifet. Por meio de uma participação da Batalha da Ágora na escola, descobriu a existência dos slams. Alfabetizada pelo pai, aos 4 anos já começava a ler frases simples e, com 7 anos, ganhou um diário de seu tio. O incentivo à palavra, fez com que nessa idade já rasurasse algumas linhas, percebendo anos depois que ali ela já registrava seus primeiros poemas rimados. Continuou com o caderno sempre por perto, intensificando seu prazer em se expressar pelas palavras, ainda silenciosas no papel. O slam está sendo o momento de descobrir seu corpo e sua voz, deixando ainda mais explícitos seus versos que tratam, sobretudo, de questões de gênero, falando sobre a aceitação do corpo da mulher.
Visibilidade nacional
Marcamos um encontro no Centro de Juiz de Fora, Karol tem cabelos cor de rosa, chega tímida, pergunto onde estão registradas suas poesias, imaginando que fosse tirar da mochila um caderno estilo moleskine, mas é o celular a plataforma que mais utiliza para escrever seus poemas, sem perder a inspiração das trajetórias nos ônibus. Seguimos para um café para conversar. No caminho, ligo o gravador e vamos andando entre Halfeld, Marechal, e Getúlio Vargas, quando ela começa a me dizer sobre o quão perplexa está em saber que é por conta de sua poesia que ela está indo à França participar de um encontro mundial. “Está tudo muito irreal na minha cabeça, ainda estou fora de mim e não parece que sou eu que estou vivendo isso. Acho que só quando eu estiver lá, no palco, que vou ter essa percepção. Vou olhar para todo mundo e pensar ‘sim, eu estou aqui’!”.
Aos 13 anos, passando por um processo de não aceitação do próprio corpo, ela buscou nos poemas uma forma de entender sobre si, já em contato com os discursos feministas que foram transformando-se em versos. “No meu primeiro Slam, eu participei da roda de poesia, que você recita, mas não compete, mas quem estava lá começou a gritar: Vai pra batalha! Vai pra batalha! No momento, deu aquela euforia, e eu me inscrevi, foi bem intenso.” Karol passou da primeira rodada, foi para a semifinal, ainda em Juiz de Fora, até vencer a última etapa em BH. “A terceira poesia da final do Slam eu escrevi na hora, e eu nunca tinha feito isso. Eu precisava de três poesias autorais para o momento, e as outras de quando eu era menor estavam todas em meu caderno, com exceção da ’38’, que foi a que eu usei na primeira fase do Slam.”
O movimento começa com o “Spoken World” nos Estados Unidos na década de 1980. Concomitantemente, o movimento hip-hop underground se formava nos subúrbios, estando completamente intrínseco à poesia slam, que nasce como uma batalha de poesia das periferias. No Brasil, o primeiro Slam – Slam Zap – começa em São Paulo, onde acontecem as principais batalhas, inclusive as rodadas nacionais. O Slam é uma competição de poesia falada. Uma das regras é que o poeta apenas recite poesias autorais, em um tempo máximo de três minutos, podendo se valer da performance, sem utilização de objetos cênicos, e com a voz sempre em ênfase como forma de passar a mensagem. É necessário inscrever-se no momento do evento, assim como acontecem nas rodas de MC. Existe sempre um slam master de cada batalha, que pode ser eleito a cada edição, cumprindo o papel de responsável pela apresentação e condução da cerimônia. Além disso, a formação de um júri é decidida na hora, elegendo pessoas da plateia para dar notas de zero a dez.
Mas o que é slam?
“A poesia do slam sai da literatura e vai para a oralidade, sai do centro e torna-se uma poesia periférica. E, por ser uma poesia periférica, a prioridade não é o lirismo que o centro traz, mas a realidade. Se analisarmos a história da poesia como um todo, ela não nasce da literatura, ela nasce do ritmo e da rima. A poesia é anterior à literatura, ela nasce com a música e a oralidade. Os beatniks da década 1950 retomaram a oralidade na poesia. E os slams colocam a palavra como centro de tudo, não é mais a escrita. É o direito a voz e a ouvir, de parar para entender o que o outro diz. E o que você tem a dizer nada mais é do que a realidade que você vive. Como são poetas de periferia, eles vão dizer sobre a exploração, o desemprego, sobre as questões de gênero e raciais, sobre quem os tira o direito de fala e as diversas formas de violência, policial, feminicídio, transformando a opressão em instrumento de voz, transpassando para a poesia como linguagem. A importância do slam no Brasil e no mundo é essa”, explica Eric Meireles, slam master da Batalha da Ágora.
O slam para a rapper Laura Conceição é como uma “janela de visibilidade”. Em Juiz de Fora, ela circula por todos os slams e foi a vencedora do Slam da Ágora e Slam do Encontro. Sua poesia é combativa, se apresenta enquanto militante de movimentos sociais, diversificando a temática do que escreve. Acredita que a poesia slam possa vir a ser enquadrada como um novo gênero, à parte da poesia marginal, que está nas academias e não tem o peso da postura da declamação. Laura realiza um trabalho em escolas estimulando os estudantes, associando a poesia periférica à que aprendem em sala de aula, mostrando que o que eles escrevem também pode ser literatura. “Inicialmente cantava sem beat, por falta de opção, depois fui conhecendo os beatmakers. As minhas poesias de slam viram música, e meus shows de rap têm momentos apenas para recitar.” Na última semana, estava em Curitiba realizando intervenções de poesia na ocupação que acontece nos arredores do prédio da Superintendência da Polícia Federal. “Slam é mais sobre ouvir, nos apresentamos em três minutos e depois escutamos duas horas de poesia de outras pessoas.”