Diretora-geral fala sobre expectativas para gestão da Funalfa em 2023
Em entrevista exclusiva à Tribuna, Giane Elisa Sales de Almeida também fez um balanço das ações da fundação no último ano
Quando chegou à Funalfa, Giane Elisa Sales de Almeida anunciou que não chegava sozinha. Ela trazia consigo sonhos e projetos em um momento ainda de pandemia, que tornava tudo mais difícil. A classe artística se via sem uma luz no fim do túnel, e cabia a ela pensar em um ambiente melhor para a classe em Juiz de Fora. No seu primeiro ano, a gestora lançou a mudança na Lei de Incentivo à Cultura Murilo Mendes: passou a ser dividido em vários editais para atingir ainda mais pessoas. Esse modelo foi seguido em 2022, quando também anunciou que adotaria o sistema de cotas nos editais. Neste mesmo ano, foi divulgado que o carnaval voltaria a acontecer durante o feriado nacional a partir de 2023 e as escolas de samba, depois de seis anos, voltariam a desfilar. Essa decisão foi respaldada na ideia de fazer com que Juiz de Fora volte a ter seus tradicionais desfiles e seja lembrada pela festa.
Giane, agora, chega ao que ela chama de “segundo tempo” de sua gestão. A proposta é continuar seus trabalhos de maneira a consolidar as mudanças incorporadas e trabalhar para que mais pessoas tenham acesso às políticas culturais da Funalfa. Em entrevista à Tribuna, concedida nesta semana, Giane fez um balanço do trabalho feito até aqui e as perspectivas para 2023: o ano que marca, ainda, o retorno do Ministério da Cultura. Mas, para começar, não havia outro gancho a não ser o carnaval: o que a tem mantido focada desde o ano passado, junto com as escolas de samba e os 82 blocos cadastrados, que vão ocupar as ruas de Juiz de Fora a partir do dia 22 deste mês até o dia 1º de março.
Tribuna: Como foi que chegaram à conclusão de estender o carnaval? Porque vai começar agora e se ser realizado até a data oficial?
Giane Elisa: Na verdade, abrimos um pré-cadastro para os blocos de carnaval. Não foi uma decisão nossa estender. Foi uma demanda apresentada pelos organizadores de blocos. Cada um se apresentou dizendo em qual momento queria desfilar e quando fechou o calendário todo, vimos que teve a extensão. Então, a partir do dia 22 de janeiro, tem bloco e o último vai ser no dia 1° de março.
Vai ser a primeira vez em muito tempo que a cidade vai ter programação durante a semana do carnaval. Como foi essa decisão?
Essa é uma decisão que passa por querer retomar o carnaval e querer que ele volte a ser o carnaval que Juiz de Fora já teve. Juiz de Fora já foi a segunda cidade de carnaval de escolas de samba. Essa Administração acredita que se não tiver a possibilidade de fazer o carnaval no dia do carnaval, não temos a possibilidade de retomá-lo da maneira que Juiz de Fora merece. Essa decisão veio daí: de gerar movimentação econômica para a cidade, de devolver à cidade o direito de ter carnaval. Começou, no dia 1° de janeiro, a campanha “Fica para ver”. Está sendo veiculada na cidade com esse mote de mostrar o que acontece, um “fica aqui para você ver o que vai ser”. E estamos apostando muito que muita gente vá ter a possibilidade de ficar em Juiz de Fora por conta daquilo que vai ser oferecido neste ano.
Qual avaliação vocês fazem Programa Cultural Murilo Mendes em 2022, segundo ano após a reformulação da lei?
Nossa avaliação é bastante positiva no sentido de dar a Murilo Mendes o caráter de democratização que ele precisa ter: que mais pessoas e mais artistas possam acessar, que mais artistas se entendam como artistas, fazendo parte dessa cena de Juiz de Fora. A nossa avaliação é positiva principalmente pelas mudanças que nós fizemos de 2021 para 2022 em relação às políticas afirmativas. Teve, em um primeiro momento, editais que foram quase como um diagnóstico. Tinha o edital “Fernanda Muller”, que lançamos muito no sentido de entender qual era a demanda na cidade. E a partir da resposta que nós tivemos, criamos cotas para o público T (travestis, transexuais e transgêneros) no Programa Murilo Mendes de uma forma geral. Isso aumenta as possibilidades de as pessoas participarem e participarem, inclusive, mostrando várias possibilidades artísticas, não só ligadas à temática LGBTQIA+.
Quando lançou o Programa Cultural Murilo Mendes, você tinha dito que a reformulação era uma forma de você aprender sobre o edital, mas também de as pessoas aprenderem. Acha que isso já é possível?
Eu acho que ainda é um desafio. Porque as pessoas ainda não conhecem nem a Funalfa. Quando pensamos na extensão do território de Juiz de Fora, das periferias principalmente, (percebemos que) as pessoas não conhecem a Funalfa e, por conseguinte, não conhecem o programa. Tivemos esse avanço, principalmente com o edital “Da/na quebrada”, que foi um edital, que é específico para os artistas da quebrada, da periferia. Mas ainda é preciso avançar. Temos essa “mancha” do recurso sendo distribuído ao longo da Avenida Rio Branco e os bairros que estão no entorno da avenida, e o desafio é espalhar essa “mancha” para todos os territórios da cidade. Já melhorou bastante, mas precisamos avançar ainda mais.
Você tem alguma ideia do que fazer para avançar isso?
Acho que é investir nessas políticas que integram e que incluem as pessoas. Quando você adota o sistema de cotas, a questão da heteroidentificação, dá a possibilidade, além de fazer aquilo que é nosso papel e nossa obrigação, de outras pessoas se entenderem como parte da cena artística e cultural da cidade. Temos o programa “Dedo de prosa”, criado para fazer o que é chamado de busca ativa em outras políticas públicas. Trouxemos essa ideia da busca ativa aqui para dentro da Funalfa exatamente para buscar essas pessoas que produzem nesses territórios. Porque a secretaria de cultura não inventa cultura nos territórios. A ideia é fomentar, incentivar e buscar as pessoas que estão produzindo nos territórios, que têm seus fazeres culturais e artísticos. O “Dedo de prosa” cumpriu muito bem esse papel. Queremos que ele se amplie, porque vimos que ele funciona muito, que é esse momento que a Funalfa senta nas comunidades, com os artistas que estão na quebrada. Isso surtiu muito efeito no sentido de trazer as pessoas para cá. E é um desafio no qual vamos investindo para que vá se fortalecendo, para que as pessoas tenham mais acesso e que a democratização da cultura de fato aconteça. Porque existem códigos para você se inscrever no programa: tem o edital, tem documentação que não pode abrir mão dela, e às vezes é difícil para algumas pessoas. Mas temos investido para trazer esse público para que tenhamos uma cena cultural que de fato corresponda àquilo que é produzido na cidade.
Novas pessoas estão se inscrevendo mesmo?
No primeiro momento no “Da/na quebrada”, em 2021, tivemos um recorde de pessoas que nunca tinham participado: das quase 300 pessoas que acessaram o edital, apenas duas ou três já tinham participado de outros editais da Funalfa. É muita gente que nunca tinha chegado até aqui. E temos muita certeza de que ainda tem muita gente que não chegou. Por isso é muito importante que continuemos investindo nessa dinâmica, nessa estratégia da busca ativa.
O “Esparrama” foi uma novidade, mas teve o número de inscritos abaixo do esperado. A expectativa era 100 pessoas, e só 22 vão participar. Qual a justificativa?
O “Esparrama” é um edital interessante em termos de movimentação cultural. Quando o artista vai para uma praça, aquela apresentação dá a possibilidade de que outras pessoas também vejam que aquilo é possível de acontecer. Ele é tanto um edital que incentiva pessoas que estão iniciando quanto pequenos grupos. Acreditamos que o que talvez tenha ocorrido é o momento em que ele foi lançado. Porque como o “Da/na quebrada” nos deu a possibilidade de ver que as pessoas se viram capazes de participar de um edital público, o “Murilão” passou a ser mais procurado. Eu acho que as pessoas, de repente, não se inscreverem no “Esparrama” para se inscreverem no “Murilão”, na medida em que só é contemplado em um edital.
E já tem alguma ideia para o edital de 2023?
A gente mantém os R$ 2 milhões investidos, que é a quantia que foi aprovada. Também acreditamos que esse tempo agora, que é o segundo tempo nosso, vai consolidar aquilo que viemos fazendo. Que a gente avance em algumas questões, mas que a linha estrutural da nossa Administração para as políticas públicas de cultura sejam confirmadas e consolidadas. Que a gente consolide o que vem fazendo em termos de democratização do acesso.
A volta do Ministério da Cultura impacta de alguma forma a Administração?
Com certeza. Esses dois últimos anos foram uma prova de fogo exatamente por conta disto: tivemos que administrar a cultura no município de Juiz de Fora, que não é uma cidade pequena, sem ter uma gestão central da cultura. E além de não ter isso, perceber uma preocupação muito grande de acabar com a cultura, de deixar desidratar a cultura. A volta do Ministério da Cultura, com o recurso aprovado, sendo uma Administração que está alinhada com o Governo Federal, nos traz muitas possibilidades de que as coisas avancem. Ainda temos a Lei Paulo Gustavo, que, finalmente, foi liberada, a Aldir Blanc 2. Temos essa possibilidade já com essas leis de incentivo e de fomento. E, também, desse diálogo com aquilo que está estabelecido no Governo Federal. Se você pegar as primeiras falas, os primeiros apontamentos da ministra Margareth Menezes, vê que tem muita coisa parecida com o que temos feito nesses dois anos em Juiz de Fora. Temos muita confiança de que muita coisa no Brasil tende a melhorar e a cultura, com certeza, porque tem esse respiro e esse outro olhar, que foi perdido ao longo desses quatro anos.
Como estão as obras no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas?
As obras estão bastante avançadas, e acreditamos que ela vai caminhar para ser concluída ainda em 2023. E isso juntando com todo o complexo, a praça também. Também estamos com boas perspectivas nesse sentido. É uma obra extremamente importante, porque o CCBM é um prédio que Juiz de Fora tem afetividade com ele, e que vinha nesse processo de deterioração, e temos a possibilidade de conseguir encaminhar essa questão da reforma do telhado, de algumas estruturas internas.
Lá é um lugar com muitos espaços para a arte. Como vocês estão distribuindo a demanda?
Uma característica bastante interessante em Juiz de Fora é que são muitos equipamentos. Você tem a possibilidade do Paschoal Carlos Magno, que tem o teatro, o palco, a sala de espaço, a galeria que foi lançada, a Ruth Souza. Então, conseguimos descentralizar essas ações. Tem ainda o Museu Ferroviário, que vai passar ainda por algumas reformas. Não que o espaço do CCBM não nos faça falta. Faz muita falta. Mas temos investido muito para entregar para cidade um equipamento que esteja à altura do que está sendo desenvolvido aqui.
Para suprimir a falta do palco da Praça Antônio Carlos, muitos eventos vieram para o Parque Halfeld. Isso é uma tendência?
Eu, particularmente, cidadã, além de ser gestora, acredito demais na ocupação dos espaços públicos. Principalmente, o Parque Halfeld: um espaço também tombado. E o melhor modo de preservar esses espaços é ocupando. A cidade poder vir para a praça, como o que aconteceu com a iluminação natalina, que foi revigorante para a cidade. Essa questão da ocupação da praça é muito importante para nós. Temos a Praça da Estação sendo ocupada pela Feira Noturna, enquanto a PAC não está pronta, isso também é uma coisa interessante, assim como outras atividades acontecendo nas diversas praças de Juiz de Fora. Isso é uma ideia do “Esparrama”, inclusive: que possamos oferecer subsídios para os artistas para que eles estejam nas praças e isso movimente a vida na cidade, de um modo geral.
Vocês lançaram o projeto Compartilhe a Leitura, aqui em frente à Funalfa. Vocês também querem espalhá-lo pelas praças da cidade?
A gente quer levar para a Praça Ceu, a Antônio Carlos, quando reformada, e uma outra.
Você está chegando na metade da sua gestão. O que mudou?
Eu acredito que, porque eu sou artista também, o que eu vejo da mudança é a possibilidade de a Funalfa estender os seus “tentáculos” para vários outros territórios que não só os centrais. E essa movimentação da periferia para o centro, que foi o que chegamos aqui falando. Isso não quer dizer que o Centro está sendo deixado de lado. Eu moro na Avenida Rio Branco. Eu sou uma artista que estou produzindo na Rio Branco. Então, existem outras formas de produção no entorno da cidade, e isso é muito interessante. A mudança vem sendo construída também por outras administrações, é nesse sentido de democratizar a cultura na cidade de Juiz de Fora, que é um lugar que tem uma diversidade enorme de produção cultural e artística. Eu acho que avançamos muito nesse sentido, de as pessoas chegarem até aqui, as pessoas não conheciam aqui (a Funalfa). É um prédio hoje que muita gente frequenta. Até o modo como estamos organizando o carnaval, desde 2021, com os blocos e as escolas de samba. Acho que isso é um avanço na fruição do direito à cidade.
Quais os planos de agora?
Consolidar o que foi feito até aqui e avançar nessa questão da democratização: que possamos fazer com que aquilo que é produzido ao longo da Rio Branco converse e dialogue com outros territórios da cidade. Também temos feito isso com o Gente em Primeiro Lugar, que funciona com uma parceria com a Amac. Temos conversado muito nesse sentido de usar o programa como esse espaço de formação artística e que esteja em vários territórios: que as pessoas possam usufruir da vivência artística a partir do Gente em Primeiro Lugar em vários locais.
Na sua primeira entrevista à Tribuna como diretora-geral da Funalfa, você disse que sua proposta era fazer com que a Funalfa estivesse na periferia e que a periferia também viesse ao Centro. Isso aconteceu?
Acho que precisamos avançar ainda mais. Aliás, eu acho que é um diálogo que nunca está extinto, porque a cultura tem essa dinamicidade: o que está fazendo aqui hoje daqui a pouco vai ser outra coisa, o que está sendo produzido na quebrada daqui a pouco também é outra coisa, e na medida em que dialoga a possibilidade de crescer e de capilarizar é muito maior. Acho que conseguimos avançar em determinadas situações, dar visibilidade à Funalfa para vários territórios que não tinha esse acesso, e ainda temos o desafio de seguir adiante fazendo cada vez mais com que as pessoas todas de Juiz de Fora conheçam a Funalfa, a política cultural, e se sintam merecedoras da política cultural, que é um direito constitucional. Ano passado, tivemos a questão de pensar Juiz de Fora como polo de economia criativa, e vivenciando que a cultura movimenta várias esferas da cidade, entre elas a econômica. E, se não fosse isso, a possibilidade de vivências culturais e artísticas amplia a vida do ser humano. O modo como você olha para a vida na cidade passa a ser outro também, na medida com que você se relaciona com a arte e a cultura, e você se entrega aos movimentos artísticos para a arte que você pode produzir, porque todo mundo pode produzir arte. Então, isso tudo melhora o modo como nos relaciona com a cidade. E a economia é altamente impactada pelas atividades culturais. Se pegar o carnaval, por exemplo, o tanto de emprego que gera, de recursos que vem para a cidade: é isso que queremos fazer agora, profissionalizando o carnaval.