Gerson Guedes inaugura galeria em Ibitipoca
Espaço construído pelo artista nos moldes de uma estação de trem abriga a primeira exposição também de sua autoria, com trabalhos inspirados no antigo ramal ferroviário 342
O trem de passageiros, essa opção de transporte que foi abandonada progressivamente no Brasil, faz parte das lembranças mais antigas de Gerson Guedes. Desde suas origens, em Santo Antônio do Chiador, às viagens no trem Xangai e o período em que trabalhava como vendedor ambulante na Praça da Estação, em Juiz de Fora, os trilhos fazem parte de sua memória afetiva. E isso foi uma das inspirações para a criação da Galeria Estação Ibitipoca, que o artista plástico inaugura neste sábado (14), às 11h, no distrito de Conceição de Ibitipoca, com a exposição “Ramal 342”, inspirada por sua vez pelo tronco ferroviário que ligava Juiz de Fora até Lima Duarte e que fora planejado para chegar até a Ferrovia do Aço, em Bom Jardim de Minas. Os trabalhos podem ser conferidos no espaço, que não tem horário de visitação definido, até o final de fevereiro de 2020. O público também pode “visitar” a galeria e conhecer as obras pelo site gersonguedes.com.br.
“Eu tinha a vontade de realizar esse projeto, construir em algum lugar algo que remetesse a essas memórias, que fosse um local para criar e expor meus trabalhos”, explica Gerson. O local escolhido foi Conceição do Ibitipoca, que ele diz visitar desde 1971 e onde havia comprado um terreno há quase 20 anos. Acabou por ser o espaço ideal. “Resolvi que a galeria teria que ser num lugar com o qual me identificasse, e como já pintava por lá, foi a solução perfeita. Decidi pelo local depois de uma exposição no adro da Igreja Matriz, em 2017, que teve uma repercussão muito boa, tanto que doei um quadro para sortearem e ajudar nas obras do interior da igreja. Vamos levar arte para um lugar especial, onde é possível encontrar e evoluir a espiritualidade.”
Inspirado pelo fato de Ibitipoca nunca ter sido uma localidade atendida por trens, Gerson Guedes decidiu que o prédio de sua galeria iria reproduzir uma estação. O projeto começou a tomar forma há cerca de um ano e meio, e foram precisos seis meses para a construção ser concluída, graças ao trabalho de uma equipe de 20 pessoas. “Eu também coloquei a mão na massa durante as obras, procurei por objetos para ajudar a criar esse imaginário, como dormentes oriundos do antigo ramal e que consegui comprar. Também adquirimos muitas coisas em ferros-velhos, lojas de antiguidades, nos inspiramos também na antiga fábrica da Ferreira Guimarães para o visual da galeria.”
Com dois pavimentos, a Estação Ibitipoca está localizada na Rua Bosque dos Aracis e fica, de acordo com Gerson, a cerca de 500 metros do centro da vila. O térreo é dedicado à galeria, enquanto o andar superior servirá de casa para o artista quando estiver na localidade. Entre as características da construção, estão, de acordo com Guedes, um mirante com vista privilegiada e um relógio no topo que anda para trás. “É para o público não se preocupar com o tempo”, diz, acrescentando que já recebeu propostas para realizar lançamentos de livros e saraus literários no espaço. Outros eventos podem vir a acontecer no futuro. “Ainda não temos horário fixo para visitação e, como é uma experiência nova, vamos avaliar a demanda do público. A partir de agora, todas as minhas exposições serão lançadas ali. E acredito ser importante investirmos em cultura num momento em que a cultura está sendo depredada, colocada em segundo plano.”
“Ramal 342”
Abertura da mostra e inauguração da Galeria Estação Ibitipoca neste sábado (14), às 11h. Rua Bosque dos Aracis (próximo à Pousada Alphaville), em Conceição de Ibitipoca. Site: gersonguedes.com.br
Reimaginando estações
Exposição que inaugura a Estação Ibitipoca, “Ramal 342” reúne 15 quadros pintados pelo artista entre janeiro e julho de 2018. Nesse período, Gerson percorreu o trecho do ramal entre Juiz de Fora e Lima Duarte, além da parte inacabada que chegaria até Bom Jardim de Minas. A ideia, de acordo com ele, foi desenhar e fazer esboços dessas paisagens e partir para sua oficina a fim de construir a obra. A série conta, ainda, com trabalhos que remetem a sua terra natal, Santo Antônio do Chiador, e a Ibitipoca, que não eram atendidos pelos trens do 342. “Parti da ponte do Manoel Honório até Ibitipoca, passando onde era possível pelo leito desativado da ferrovia no final dos anos 1960. A partir dessas observações, criei obras, imaginando como seriam as estações nessas localidades situadas na paisagem dos dias atuais”, explica.
Dessa forma, “Ramal 342” representa estações de Benfica, Valadares, Manejo, Lima Duarte, Penido, Igrejinha, entre outras, que têm as antigas estações preservadas e utilizadas para outros fins, ou então em estado de abandono. “O sentimento é um pouco de desalento com a falta de preservação do patrimônio histórico”, lamenta. “Chego a Chiador, por exemplo, que é o local da construção da primeira estação ferroviária em Minas Gerais, e tem a placa ‘Ruínas da uma das primeiras estações de Minas, inaugurada por Dom Pedro II no século XIX’. Abandonamos um meio de transporte que é muito utilizado em quase toda a Europa e que foi abandonado por aqui para privilegiar as rodovias”, finaliza.