Banda de pop rock baiano, Maglore faz show pela segunda vez em Juiz de Fora
Abertura do show é com Raí Freitas & U Bandão, de Volta Redonda
Maglore e as camadas de poesia, colocadas lado a lado, ou sobrepostas. Foram escolhendo-as a dedo, a de mais beleza no emaranhado musical, ou quais notas embalavam cuidadosamente aquelas palavras, quebradas uma a uma, na impossibilidade de dimensionar as razões e seus significados. A arte é pureza, afastamento de certezas, é por isso que nos alivia de qualquer imperfeita explicação. É menos “sobre o que isso fala” e mais “como isso bate em você”. E para as formas que existem, a música é a que me atravessa e modifica.
“Todas as bandeiras”, último disco lançado pela banda baiana Maglore, é uma limonada brasileira que qualquer gringo hypado vai amar. Um conjunto de Lelo Brandão, guitarra e sintetizador, Teago Oliveira, voz e guitarra, Lucas Gonçalves, baixo, e Felipe Dieder, bateria. A turnê deste trabalho é puro momento, é urgente. Reúne referências seja do rock brasileiro, do samba, dos muitos post rocks, do brit rock, do shoegaze (e isso são apenas enumerações vazias desse encontro, que no final das contas é simplesmente música) música pela música, e de muito bom gosto. Cada canção começa e termina cravada. Marca essa era, mas principalmente os próprios integrantes que enxergam a banda em uma nova fase, mais aberta a experimentar. “O disco, para mim, é uma experimentação. E ao mesmo tempo foi tudo tão fluido, que não teve nenhuma atenção, ele apenas foi acontecendo sem intenção”, comenta o vocalista Teago. E não há como falar da Maglore sem colocar o nome do Azevedo Lobo. Antes de se tornar produtor e fotógrafo, chegou a ser o baixista de quando nem sonhavam com muita coisa que está acontecendo. Inclusive, é só virar o mês que estarão chegando em Nova York para tocar no Brazil Summerfest.
A turnê começou no Teatro Castro Alves, em Salvador, em setembro de 2017, quando completaram oito anos aplaudidos de pé por uma plateia lotada, ocupando um espaço que pincela toda a história da música brasileira. Talvez a noite mais emocionante para a Maglore, assim como a que acaba de acontecer no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, há exatamente um mês. Eu estava na coxia, com a luz apagada e as cortinas de veludo vermelha cerradas, Lelo Brandão já avançava com a atmosfera oceânica de “Quando chove no varal”, trazendo as pessoas para um clima introspectivo que é totalmente superado pelos hits dançantes do repertório que vem a seguir. A voz com certa rouquidão bonita de Teago solta uma palavra presente em quase todas as letras do novo disco: “Bandeira” (e aqui se tratando de todas, sem a petulância de escolherem apenas uma). Inclusive Lelo conta que o nome ‘Todas as bandeiras’ foi porque perceberam essa coincidência. O noise final do sintetizador, cortando a melodia da oitava faixa com um ruído, é a evocação para que todos já se inquietem e quebrem a distância entre fãs e músicos. E esse parece ser um convite que a Maglore estabelece junto às letras, que soam como conselhos de amigos.
Canção pop no limite
Som baiano-tropical, visual grunge arrumadinho e instrumentos rockabilly. As harmonias vocais crescem nesse último trabalho, com microfone aberto para Lelo e Lucas; o baixista fica com voz em evidência em algumas canções. E acompanhá-los cantando em coro no show é como recitar poesia. Vai nos gerando angústia, nó na garganta, até que “aaah!”, tudo vira euforia. “Todas as bandeiras” é sobre viver até suportar. Um show que se mantém no auge do início ao fim. Quando não somos pegos pela letra, que nos leva ao proposital paradoxo de uma lucidez sonhadora, é o astral dos arranjos quentes, de aproximação e inquietude, que nos tira o sossego. E ainda dá para pedir bis quando não há mais voz, suor e energia. Não é à toa que tocaram em um trio elétrico em pleno carnaval de Salvador.
Maglore sempre quer fazer um ótimo show. Podem estar cansados, mas quando Catarina Ferraz, que os acompanha na iluminação, acende seu desenho de luz, em coerência com a identidade visual policromática de “Todas as bandeiras”, a banda se apresenta com o máximo de respeito a todos que foram assisti-los. Também não esperam cinco minutos, após fecharem o show com “Mantra”, para conversarem com todos os fãs. Esse é um tom de cordialidade para poucas bandas. É sobre aquelas que já perceberam que na indústria da música – pós pirataria e música grátis – é o ao vivo que faz a palavra “cena” ser real. “Acho que cada ano vão ter mais discos sendo lançados. Então fica cada vez mais difícil você ter um espaço. Parece que todos os veículos ouviram e resolveram falar sobre o ‘Todas as bandeiras’. Acho que cumprimos nossa função. Fazer música pop é comunicar, né? E o público também está chegando junto”, comenta Teago.
O disco brinca com algumas repetições e amplia a sonoridade da Maglore, que passa a carregar no chorus e no vibrato, efeitos de modulação. Também utilizaram uma guitarra de 12 cordas para criar muitos dos temas que estão no disco, muito embora no ao vivo seja executada pelas semi-acústicas de Teago e Lelo. Além disso, foi preciso segurar o frenesi de Lucas, que, ao se deparar com uma caixa leslie, queria passar o disco inteiro ali (inclusive as baterias). Eles testaram, usaram em várias partes, e isso foi genial. Transformou nossa escuta, que agora se tornou ainda melhor com a possibilidade de se ouvir em vinil. “Esse disco quebra um pouco toda a linguagem que a Maglore vinha tendo até então. É um disco que vai para outro lugar. Óbvio que ele tem também muito de composição característica minha, mas ele rompe com umas coisas. A banda está mais encontrada, todo mundo tem uma sintonia muito parecida”, completa Teago.
#nãopulenenhumafaixa
Se o espelho, em “Aquela força”, é a vida toda pela frente encarando a criança, “Eu consegui” mostra que quando crescemos, “o perigo mora no espelho”. Maglore conseguiu pegar vaidades, infidelidades e climões e transformar em festa, mesmo sabendo de tudo. É o otimismo que está no vento movendo todas as bandeiras, juntas! Lutando ao lado do povo para não cair quando a multidão avançar. “Todas as bandeiras” (faixa homônima) foi a primeira música que recebemos mixada, eu lembro que a gente estava ouvindo na VAN, e já bateu. Foi a música que chegou e a gente pensou: esse é o caminho”, contou Dieder.
“Clonazepam 2 Mg”, é apelidada pelos integrantes como a “The Smiths”, ouvindo a guitarra na introdução, você percebe esse paralelo, enquanto pergunta a si mesmo: “ei, você não tem medo de enlouquecer?”. É esquizofrênica. Dor de amor e contas para pagar são preocupações concomitantes: nossa realidade interior inerente. Totalmente ligada à próxima faixa “Me deixa legal”, que nos coloca em nosso lugar de ser mais espacial que especial. E o mundo pode explodir lá fora com as notícias de jornal, mas o que importa é que alguma substância nos faz bem.
“Jogue tudo fora” é catártica. Em uma levada tropical, os quatro com camisas-de-botão-de-brechó-estampada estão no ápice de largar tudo e renascer em outro lugar, para poder sair, sem culpa, para dançar. “Hoje eu vou sair” é grito de libertação, a bateria marca a marchinha deste hino que dá abertura para viver o novo. A atmosfera atrás é noise, mas com astral para cima.
“Eu consegui” é uma das melhores para se ver e escutar no ao vivo. Um samba introduzido por um riff de guitarra que gruda na cabeça. A mudança de andamento se dá na frase: “você já sabe que agora essa ladeira ‘cê’ vai ter que escorregar. E fique esperto que você não tem bandeira nenhuma pra levantar”, seguida das vozes de Teago, Lucas, Lelo fazendo um contraponto vocal delirante. (Eu só espero nunca conseguir perder meu grande amor). Legal também é a marca de ao vivo que eles mantiveram na gravação em estúdio, quando Teago grita: “Chora Leozera!”, referindo-se ao músico mineiro, de Belo Horizonte, Leonardo Marques, que trabalhou na produção musical do disco.
“Quando chove no varal”, com acordes menores, vai te tragando lentamente. Chorei ao ouvir pela primeira vez, tanto pelo fone de ouvido, quanto ao vivo. Toda melancolia começa a se apaziguar, e “Calma” aparece como um mantra para se encontrar a serenidade. Lucas escreveu pensando em Teago, sem perceber que também escrevia para ele mesmo, enquanto seu futuro assistia as próprias memórias. A voz de Teago, com sotaque baiano, e a de Lucas, mistura de sul de Minas com São Paulo, formam uma miscelânea deliciosa. Assim que Lucas mostrou a composição para os outros integrantes, em maio do ano passado, durante a última sessão de pré-gravação, todos piraram e já saíram de lá decididos que “Calma” seria uma das dez faixas.
O desfecho é um agradecimento por tudo que aconteceu: de prazer e desprazer, porque o importante é poder respirar e… “Valeu, valeu” é uma música que tem duas fases que se intercalam – de euforia e sobriedade – assim como todo o álbum. Mesmo sabendo de tudo que nos atinge, sobre o Brasil, nossos relacionamentos pessoais, inclusive nossos conflitos internos, terminar o dia bem e encarar a vida de frente – e com otimismo – é o que importa.
“Eu acho que o disco ‘Todas as bandeiras’ tem algumas cores. Ele tem uma onda de você se livrar de algumas tristezas, e isso culmina em ‘Quando chove no varal’. Tínhamos essas faixas esperançosas: ‘Calma’ e ‘Valeu, Valeu’, aí eu pensei: poxa, vamos fazer uma crescente, e aí depois ter essa quebra, para terminar o disco mais positivamente”, conclui Lelo Brandão.
Passado alguns meses desde o lançamento em setembro de 2017, veio à tona uma das duas faixas que haviam sido gravadas pela Maglore, mas ficou de fora da montagem do disco. Em dezembro, Erasmo Carlos anunciou seu recém-lançado disco de parcerias, “Amor é isso”, disponibilizando como single de seu novo trabalho “Não existe saudade no cosmos”, composição de Teago Oliveira, gravada pela Maglore, e que aparece no setlist dos shows.
Maglore
Abertura de Raí Freitas & U Bandão. Neste sábado (14), às 22h, no Brauhaus Zeppelim (Rua Roberto Stiegert 21 – São Pedro)