Memorial Itamar Franco reabre com exposição sobre ocupação das cidades

“Ganhar as ruas” tem abertura nesta segunda-feira com fotos do acervo do espaço, além de trabalhos de Nina Cristofaro e Luiz Gonzaga


Por Júlio Black

13/02/2022 às 07h00

Passado e presente da cidade será apresentado na exposição que começa na segunda-feira (Foto: Felipe Couri)

Fechado desde março de 2020 devido à pandemia de Covid-19, o Memorial da República Presidente Itamar Franco volta a abrir suas portas ao público nesta segunda-feira, com a abertura da exposição “Ganhar as ruas”. A mostra reúne imagens de Juiz de Fora em momentos distintos, em três perspectivas diferentes. Uma delas é do passado, a partir do acervo de fotografias de Roberto Dornelas, da segunda metade do século passado, pertencentes ao Memorial, com ênfase nas décadas de 1960 e 1970, quando Itamar Franco era prefeito; a segunda, de Nina Cristofaro, se dedica às casas esquecidas, desconfiguradas e negligenciadas que compõem nossa paisagem urbana. Já a terceira, de Luiz Gonzaga, tem a inclusão digital de simpáticos monstros em diversos cenários da cidade, como a Praça da Estação e a Avenida Itamar Franco.

Diretora do Memorial, Daniella Lisieux comentou o desafio de lidar com o fechamento do espaço e a possibilidade de discutir como seria o retorno à visitação do público. “Durante este tempo em que o Memorial esteve fechado, além de realizar eventos on-line, nossa equipe trabalhou arduamente na conservação e processamento do acervo que nos foi doado. Foi possível repensar como expor as narrativas sobre o ex-presidente Itamar, bem como as reflexões sobre a República e a democracia. O público vai ter acesso a uma nova versão do Memorial, mais madura e consolidada”, afirma.

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Curador da mostra ao lado de Paulo Alvarez, Mauro Morais comentou sobre a proposta de reabrir o Memorial com uma exposição que trata da nossa relação com as vias públicas, do esvaziamento das ruas por causa da pandemia e a retomada em novas configurações, entre outras questões.

“A exposição ‘Ganhar as ruas’ é uma expressão de que estamos atentos e sensíveis ao que enfrentamos globalmente”, explica. “A ocupação das ruas, inevitavelmente, foi e continua sendo repensada nesse período. As ruas se transformaram em lugar de perigo diante do vírus, se esvaziaram nos momentos mais críticos e, agora, voltam a lotar, mas essa ocupação de hoje não é mesma de dois anos atrás. Há novos elementos nessa relação das pessoas com as cidades, em constante transformação.”

De acordo com Morais, o acervo do Memorial Itamar Franco preserva muitos registros das mudanças em Juiz de Fora nas últimas décadas, o que permite falar sobre passado e presente. “Pensar a ocupação da urbe é pensar na construção das identidades, é pensar na nossa humanização, já que a rua é o local dos encontros, da sociabilidade. Nossa proposta é, também, um convite para que possamos ressignificar a cidade com utopia.”

Espaços disputados

As fotografias de Nina Cristofaro presentes na exposição fazem parte da série “Resquícios do tempo”, que integra o projeto “Reminiscências da cidade”. Os registros escolhidos para a mostra foram feitos no final de 2021, com exceção da fotografia de uma casa localizada na Avenida Barão do Rio Branco, feita em 2020. Ela comentou como é observar essas construções esquecidas e desconfiguradas que dividem espaço com aquelas conservadas ou mais recentes.

Imagens retraram os variados cenários urbanos de Juiz de Fora nas últimas décadas (Foto: Felipe Couri)

“É interessante perceber que no cenário urbano há uma divisão e forte disputa por espaço, que é o que a própria estética citadina nos revela. Caminhando pelas ruas observo o embate entre o passado e o presente, as construções de novos edifícios contrastam com bens tombados e as construções antigas da cidade”, diz. “Os espaços que me dispus a fotografar me chamaram a atenção por justamente se encontrarem em estado de indefinição, de descaso e invisibilidade. Direciono meu olhar, sobretudo para as casas erguidas em décadas passadas, que atualmente estão sufocadas por edifícios, na sombra do esquecimento, mas que resistem em seu espaço e clamam por maior atenção.”

Ela falou, ainda, sobre sua percepção se a situação piorou durante a pandemia. “A negligência frente a esses espaços é anterior à pandemia, e durante esse tempo, que ainda perdura, o abandono aumentou. Tanto devido à falta de zelo por parte dos proprietários, quanto pelo fato do esvaziamento das ruas, em que a preocupação e os esforços da população estiveram direcionados a outras diversas questões que surgiram nesses últimos anos. O imóvel que não recebe cuidado, manutenção e devido uso estará sempre exposto à condição de abandono’, acredita.

A cidade dos monstros?

Criador da série “Ilustra Monstro”, Luiz Gonzaga foi convidado por Mauro Morais em outubro do ano passado para participar da exposição. “Ele disse que meu trabalho se aproximava da proposta da mostra, e por sorte já tinha algum material pronto, pois estava planejando fazer uma exposição. Sinceramente, não esperava apresentar esse trabalho no Memorial, pois, a meu ver, é um espaço político, mas vi que faria sentido incluir na mesma exposição o passado, o presente e o lúdico. Foi uma bela surpresa receber o convite.”

“Ilustra Monstro” é uma série iniciada por Luiz em 2010, e o público pode conferir parte do material no perfil @ilustramonstro no Instagram. “Eu uso pouco o carro, gosto de perambular pela cidade, e comecei a fazer alguns grafites. Eu fotografava os espaços, pesquisava quem costuma passar por ali, os moradores, para pensar no que poderia criar. Mas, com o tempo, vi que o grafite ficava ‘invisível’ à medida que as pessoas passam nesses lugares com frequência. E foi num período de chuvas que peguei essa ideia antiga do ‘Ilustra Monstro’ e passei a trabalhar no computador, pensando essa questão da imortalidade da fotografia para inserir as criaturas.”

As partes que fazem o todo

A respeito das origens tão diferentes dos trabalhos, Mauro Morais diz como acredita que elas dialoguem entre si em “Ganhar as ruas”. “Os registros feitos pelo fotógrafo Roberto Dornelas dão conta da cidade que já não existe mais, com festivais, com bonde, com uma paisagem ainda pouco verticalizada, com menos ruas e bairros. A série de Nina Cristofaro nos informa sobre uma cidade e suas ruínas, conjugando memórias e também os desgastes e desprezos de agora. Já a série de Luiz Gonzaga retrata a cidade da fantasia, da criatividade, do lúdico. Temos, portanto, três diferentes registros a apontar para a cidade do passado, do presente e do futuro. Esse recorte diz da cidade que foi e não é mais, da cidade que é sem querer ser e da cidade que podemos construir coletivamente.”

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“Acredito que as fotografias suscitam leituras sobre aspectos visuais e simbólicos a respeito da situação dessas construções que são resquícios do passado, mas que resistem no cenário urbano atual. Para além de uma reflexão sobre a urbanização e a negligência com as construções antigas, as imagens revelam o estranhamento em observar esses lugares, que nos levam a questionar o sentido de moradia e espaço habitável”, acrescenta Nina Cristofaro. “A série do Luiz Gonzaga tece um diálogo muito enriquecedor acerca das transformações da cidade no decorrer dos anos e também sobre a multiplicidade do olhar e registro do espaço urbano, que caminha entre o documental, a memória e o imaginário.”

“Nós, expositores, temos nossa linha de trabalho. Nos unir para apresentar a cidade aos olhos das pessoas é muito legal, pois o que nos motiva é o desejo de uma cidade melhor”, complementa Luiz Gonzaga.

Por fim, Mauro comenta o olhar da curadoria ao “visitar” uma Juiz de fora que perdeu alguma de suas características, manteve outras e ainda tem de encarar o que está em abandono. “Juiz de Fora se transformou muito nas últimas décadas, ganhou ares de metrópole com um crescimento desordenado, com um trânsito central intenso, com uma verticalização veloz. O passado, porém, permanece em outros tantos endereços e práticas. Despidos de nostalgia, precisamos reconhecer que a Juiz de Fora de ontem e a Juiz de Fora de hoje são a mesma cidade. Há muitas cidades nessa cidade e muitos tempos nesse tempo. Amanhã será diferente, será uma nova cidade. E, coletivamente, temos um papel importante, fundamental, na construção dessa nova cidade. Juiz de Fora se transformará dia após dia, e podemos buscar no passado alguns elementos para essa construção, mas também devemos ter a utopia como diretriz nessa criação.”

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